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Climatologia das descargas atmosf´ericas entre os anos de 2000 e

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3.1 Climatologia das descargas atmosf´ericas entre os anos de 2000 e

Dados de raios do tipo nuvem-solo (CGs) foram coletados durante os anos de 2000 a 2004. A Figura 3.1 mostra o n´umero total de descargas detectadas pelos sensores da BLDN para cada mˆes dos anos estudados. Observamos que a atividade el´etrica das tempestades tem um forte aumento entre os meses de Setembro e Novembro, onde a m´edia do n´umero total de descargas passa de 1.8×104 em Agosto para 7.4×104 em Setembro e 1.5×105 em Outubro. Durante o per´ıodo de seca (Junho a Agosto) ocorrem as queimadas de floresta e pastagem na regi˜ao Amazˆonica, como pode ser observado na m´edia da espessura ´optica dos aeross´ois (AOT, Cap´ıtulo 2) apresentada na Figura 3.2: a polui¸c˜ao atmosf´erica aumenta de Junho (0.174) a Setembro (0.908), passando a decair a partir de Outubro. Particularmente, durante o mˆes de Setembro e come¸co de Outubro, os fazendeiros locais ateiam fogo nas ´areas j´a desmatadas a fim de aproveitar as primeiras chuvas e preparar a pastagem para o gado, levando a um forte aumento da polui¸c˜ao (Figura 3.2).

#CGs (x10 5 ) 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

2000 2001 2002 2003 2004 % +CGs 0 10 20 30 40

CGs sobre Rondônia entre os anos de 2000 a 2004

Figura 3.1: N´umero total de CGs e porcentagem de +CGs mensalmente sobre a ´area de an´alise (Figura 2.1a), detectados pela rede de sensores da BLDN durante os anos de 2000 a 2004. As linhas vermelhas s´olidas indicam a m´edia mensal de todos os anos e a linha vermelha tracejada indica a m´edia da %+CGS para todo o per´ıodo (8.7%).

(+CGs) durante per´ıodos de queima de biomassa (Lyons et al., 1998; Murray et al., 2000; Smith et al., 2003, Se¸c˜ao 1.3), a Figura 3.1 tamb´em mostra a porcentagem m´edia desse tipo de descarga para cada mˆes e ano analisado. Podemos observar que a porcentagem de +CGs aumenta de Junho (m´edia de 12%) para Setembro (m´edia de 25%, com m´aximo de 47% em 2004), passando a decair a partir de Outubro. Se comparada com a Figura 3.2 observamos que o aumento da AOT de Junho para Setembro coincide com o aumento da %+CGs como mostrado por Fernandes et al. (2006), o qual atribuiu a causa do aumento

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

2000 2001 2002 2003 2004 AOT ( λ =500nm) 0.0 0.4 0.8 1.2

AOT sobre Rondônia entre os anos de 2000 e 2004

Figura 3.2: M´edia mensal da espessura ´optica dos aeross´ois (AOT), no comprimento de onda de 500 nm, durante os anos de 2000 a 2004. A linha vermelha s´olida indica a m´edia mensal de todos os anos

Se¸c˜ao 3.1. Climatologia das descargas atmosf´ericas entre os anos de 2000 e 2004 37

de +CGs ao efeito do aumento do n´umero de aeross´ois (alta AOT). A fim de investigar se essa rela¸c˜ao de “causa-e-efeito” ´e verdadeira, uma an´alise mais detalhada dos sistemas convectivos e das vari´aveis ambientais durante o experimento DRYTOWET (Setembro a Novembro de 2002) ´e apresentada na pr´oxima se¸c˜ao (Se¸c˜ao 3.2). Como o per´ıodo seco ´e respons´avel pelo aumento da queima de biomassa, ele tamb´em pode ser respons´avel pela mudan¸ca na estrutura termodinˆamica da atmosfera que tamb´em pode gerar mudan¸cas na estrutura dos sistemas convectivos e eletrifica¸c˜ao, tornando a rela¸c˜ao aumento da polui¸c˜ao e aumento da %+CGs uma rela¸c˜ao de “causa-e-causa”.

A Figura 3.3 apresenta a distribui¸c˜ao espacial e mensal da densidade total de CGs (positivos+negativos) detectados pela BLDN durante os anos de 2000 a 2004. A alta densidade de CGs ao norte/nordeste do sensor de Machadinho d’Oeste (62.02oW, 9.40oS)

´e decorrente de solu¸c˜oes errˆoneas de localiza¸c˜ao das descargas (Dr. Richard Blakeslee, MSFC/NASA, comunica¸c˜ao pessoal). Logo, a regi˜ao ao norte desse sensor n˜ao foi conside- rada nas an´alises aqui apresentadas, inclusive na Figura 3.1. Observamos que a densidade de descargas come¸ca a aumentar no mˆes de Agosto com valores de 1.0 km−2

mˆes−1

espalha- dos por todo o estado at´e m´aximos de 2.0 km−2

ano−1

a noroeste do estado, na divisa com o estado do Amazonas. No mˆes de Setembro a densidade de raios aumenta, com valores acima de 2.0 km−2

mˆes−1

em boa parte do estado, e altas densidades (4.0 a 6.0 km−2

mˆes−1

) s˜ao encontradas em duas regi˜oes: (i ) na regi˜ao centro-leste do estado, aproximadamente sobre a ´area mais elevada do estado (Figura 2.1a); e (ii ) novamente a noroeste do es- tado, na divisa com o estado do Amazonas, com uma orienta¸c˜ao m´edia noroeste-sudoeste, que pode estar relacionado `a penetra¸c˜ao das primeiras linhas de instabilidade, principal sistema convectivo de meso-escala da regi˜ao que pode ter origem na costa do Atlˆantico (estado do Par´a), continental ou local, que se propagam para o interior do continente e estado de Rondˆonia com uma orienta¸c˜ao m´edia nordeste-sudoeste de seu eixo de convec¸c˜ao (Cohen et al., 1989, 1995). Cohen et al. (1989) mostrou que durante o mˆes de Setembro as linhas de instabilidade de maior ocorrˆencia s˜ao aquela com propaga¸c˜ao maior que 400km, geralmente associadas `as presen¸ca da Zona de Convergˆencia Intertropical (ZCIT) bem de- finida. Os meses de Outubro, Novembro e Dezembro seguem com densidades maiores que 3.0 km−2

ano−1

em todo o estado, com altas densidades (maiores que 5.0 km−2

ano−1

) no- vamentes nas regi˜oes (i ) e (ii ) mencionadas acima, por´em com altas densidade tamb´em no

centro-sul do estado (a oeste da topografia mais elevada (>350 m) nessa regi˜ao). A partir de Janeiro, a densidade e o n´umero de descargas atmosf´ericas come¸ca a decrescer devido ao estabelecimento da esta¸c˜ao chuvosa e os per´ıodos de mon¸c˜ao da Am´erica do Sul (Zhou e Lau, 1998). Principalmente durante os meses de Janeiro a Mar¸co, os sistemas convectivos dessa regi˜ao s˜ao regulados pelos regimes de ventos de oeste (mon¸c˜ao) e leste (“quebra da mon¸c˜ao”) associados ao estabelecimento da Zona de Convergˆencia Atlˆantico Sul (Peter- sen e Rutledge, 2001; Rickenbach et al., 2002), sendo que as tempestades do regime de vento de leste s˜ao as respons´aveis pela maior parte das CGs por serem convectivamente mais intensas que as tempestades do regime de vento de oeste (Petersen e Rutledge, 2001; Williams et al., 2002; Cifelli et al., 2002).

Se¸c˜ao 3.1. Climatologia das descargas atmosf´ericas entre os anos de 2000 e 2004 39

Figura 3.3: Distribui¸c˜ao espacial e mensal da densidade de CGs (positivos e negativos), detectados pela rede de sensores da BLDN (triˆangulos brancos) durante os anos de 2000 a 2004.

Figura 3.4: Distribui¸c˜ao espacial e mensal da porcentagem de +CGs, detectados pela rede de sensores da BLDN (triˆangulos brancos) durante os anos de 2000 a 2004.

Se¸c˜ao 3.1. Climatologia das descargas atmosf´ericas entre os anos de 2000 e 2004 41

Para localizarmos geograficamente onde ocorrem as maiores porcentagens de +CGs, a Figura 3.4 mostra a distribui¸c˜ao espacial e mensal da %+CGs detectadas pela BLDN durante os anos de 2000 a 20041. Observamos que Junho a Setembro a %+CGs aumenta

drasticamente em todo territ´orio do estado de Rondˆonia, voltando a decrescer a partir de Outubro. O que mais chama a aten¸c˜ao ´e a orienta¸c˜ao noroeste-sudeste e o bra¸co para oeste da %+CGs acima de 50% de Agosto a Outubro, especialmente em Setembro. Comparando a Figura 3.4 com a figura do tipo de vegeta¸c˜ao (Figura 2.1b), observamos que essa distribui¸c˜ao espacial da %+CGs>50% coincide com ´area desmatada do estado. A Figura 3.5 mostra a densidade do total de CGs2 e a porcentagem de +CGs de 2000

a 2004, para cada mˆes em fun¸c˜ao tipo de vegeta¸c˜ao. Observamos que a densidade de CGs ´e semelhante entre os trˆes tipos de vegeta¸c˜ao (diferen¸cas menores que 0.1CGkm−2

) de Janeiro a Agosto. Em Setembro e Outubro a diferen¸ca entre a densidade total de CGs aumenta (∼ 0.25CGkm−2

) e em Novembro alcan¸ca o pico (0.55CGkm−2

, 2.20 na ´area desmatada contra 1.65 nos outros tipos de vegeta¸c˜ao). Logo, mesmo com a ´area desmatada representando apenas 27% da ´area analisada3, as descargas atmosf´erica do

tipo nuvem-solo tendem a ocorrer sobre esse tipo de vegeta¸c˜ao durante os meses de maior atividade el´etrica (Setembro a Novembro, Figura 3.3). Isto indica que a convec¸c˜ao profunda tem maior ocorrˆencia em ´areas desmatadas entre Setembro e Novembro, concordando com as conclus˜oes de Negri et al. (2004). Por´em, a porcentagem de +CGs sobre os trˆes tipos de vegeta¸c˜ao estudados se mantem entre 8 e 11% de Novembro a Junho e cresce drasticamente de Julho a Setembro, chegando a 30% de +CGs sobre a ´area desmatada em Setembro. Assim, as Figuras 3.4 e 3.5 nos levam a supor que o aumento da %+CGs nos sistemas convectivos durante a transi¸c˜ao entre as esta¸c˜oes seca e chuvosa seja um efeito do desmatamento.

O desmatamento da floresta Amazˆonica modifica a parti¸c˜ao de energia de calor sens´ıvel (H) e latente (LE), uma vez que a substitui¸c˜ao da floresta por pastagem diminui a eva-

1A regi˜ao estudada foi dividida em pixeis de 5x5km, logo a porcentagem mostrada na figura ´e a porcentagem de +CGs em cada pixel, em rela¸c˜ao ao total de descargas (+CGs e −CGs). Neste caso, a regi˜ao ao norte do sensor de Machadinho d’Oeste foi utilizado.

2

A densidade do total CGs ´e calculada atrav´es do n´umero total de CGs em uma determinado tipo de vegeta¸c˜ao e normalizado pela ´area total desse mesmo tipo de vegeta¸c˜ao.

3Lembrando que a ´area ao norte do sensor de Machadinho d’Oeste foi descartada das an´alises devido `

potranspira¸c˜ao (LE) e aumenta o aquecimento por calor sens´ıvel (H). Juntamente com a por¸c˜ao mais baixa da troposfera relativamente mais seca, como ´e o caso do mˆes de Setem- bro, as nuvens s˜ao formadas preferencialmente em superf´ıcies mais secas e mais quentes como a pastagem (Rabin et al., 1990). O aumento do calor sens´ıvel gera transientes turbu- lentos mais intenso sobre as ´areas desmatadas, tornando a camada limite planet´aria (CLP) mais alta sobre a pastagem do que sobre a floresta. Assim, a camada de mistura da CLP sobre a floresta ´e mais rasa e densa que na pastagem, gerando um gradiente de densidade. Esse gradiente de densidade, por sua vez, gera gradientes de press˜ao horizontal entre essas duas ´areas que, como resposta, inicia circula¸c˜oes de meso-escala (Baidya Roy e Avissar, 2002).

Apesar das semelhan¸cas da regi˜ao de %+CGs>50% nos meses de Agosto a Outubro com a ´area desmatada, a topografia (Figura 2.1a) tamb´em segue a orienta¸c˜ao noroeste-sudeste, formando um vale ao um pouco a leste da %+CGs>50%. A topografia tamb´em pode servir como uma for¸cante externa de levantamento das parcelas de ar que pode compensar a estabilidade da atmosfera seca e dar origem a convec¸c˜ao.

Logo, conclu´ımos que a atividade el´etrica no sudoeste de Amazˆonia ´e iniciada na transi¸c˜ao entre as esta¸c˜oes seca para chuvosa (Setembro-Outubro) atingindo seu m´aximo com o estabelecimento da esta¸c˜ao seca (Novembro) (Figura 3.3). Essa transi¸c˜ao tamb´em acontece durante as queimadas da regi˜ao para o preparo do solo para a pecu´aria e agricul- tura com as primeiras chuvas, causando um aumento na polui¸c˜ao atmosf´erica coincidente com o aumento na porcentagem de +CGs (Figuras 3.3 e 3.4). Al´em disso, a transi¸c˜ao entre essas esta¸c˜oes (Setembro, Figuras 3.4 e 3.5) mostrou a interessante caracter´ıstica de um aumento da porcentagem de +CGs sobre a ´area desmatada do estado de Rondˆonia, podendo estar relacionada com a diferente parti¸c˜ao de energia (calor sens´ıvel e latente) em rela¸c˜ao `as ´areas florestadas. Assim, na pr´oxima se¸c˜ao (Se¸c˜ao 3.2) s˜ao investigadas com mais detalhes a rela¸c˜ao entre a vegeta¸c˜ao, a topografia, termodinˆamica e polui¸c˜ao com a eletrifica¸c˜ao dos sistemas convectivos do experimento DRYTOWET.

Se¸c˜ao 3.2. Sistemas convectivos do experimento DRYTOWET e suas vari´aveis ambientais 43 total de CGs (km − 2 ) 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

área desmatada (27%) floresta (46%) outros (27%) %+CGs 0 5 10 15 20 25 30

CGs sobre Rondônia entre os anos de 2000 a 2004 em cada tipo de vegetação

Figura 3.5: Densidade do total CGs e porcentagem de +CGs mensalmente segregados por tipo de ve- geta¸c˜ao na ´area de an´alise da Figura 2.1b, detectados pela rede de sensores da BLDN durante os anos de 2000 a 2004. A densidade de total CGs ´e calculada atrav´es do n´umero total de CGs em uma determinado tipo de vegeta¸c˜ao e normalizado pela ´area total desse mesmo tipo de vegeta¸c˜ao.

3.2

Sistemas convectivos do experimento DRYTOWET e suas vari´aveis