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A evolução do cinema sonoro no Brasil coincide com a evolução do cinema produzido no Rio de Janeiro e São Paulo, por meio das produtoras Cinédia, Brasil Vita Filmes, Sonofilmes, INCE, entre outras. Sobre o uso do som e de sua associação com a imagem, observam-se transformações e algumas sugestões de

31 Alex Viany e Glauber Rocha sequer citam esse filme e Salles e Gonzaga apenas o inserem nas

intenções mais expressivas na utilização, sobretudo da música, e os ruídos, por outro lado, são precariamente explorados.

A partir das primeiras exibições com acompanhamento musical ao vivo e dos filmes cantantes, os avanços com a gravação em discos possibilitou uma simplificação prática, já que não era mais necessária a presença física dos músicos durante a projeção nas telas. Além disso, a seleção musical e os arranjos predeterminados e fixos para os filmes silenciosos já demonstravam a intenção de aliar som e imagem cinematográfica na condução da narrativa, como a citada trilha original de Alberto Lazzoli gravada para Barro Humano, em 1929. Mas a influência do cinema silencioso pode ser observada principalmente pela excessiva presença da música das primeiras produções sonorizadas.

Sobre a trilha musical, de maneira geral, o repertório de canções populares e folclóricas é utilizado como música de cena, portanto, diegética, e as músicas orquestrais ao estilo romântico dos maestros-compositores brasileiros são colocadas ao lado de outras dos compositores eruditos internacionalmente mais conhecidos, como Bach e Beethoven, compondo o fundo, a música incidental, comentando a narrativa, já que a superposição música e texto ainda não ocorria.

Nota-se a valorização dos músicos brasileiros, muitos deles embora de origem italiana, tanto do universo popular, quanto os maestros-compositores, mas com trânsito também no popular, como Francisco Mignoni (Bonequinha de Seda), Villa-Lobos (Descobrimento do Brasil e Argila), Radamés Gnatalli e Heckel de Taveres (Ganga Bruta e Argila) e Odmar de Amaral Gurgel, o Gaó (Caçador de Diamantes). Essa prática da participação de compositores eruditos escrevendo peças originais para o cinema ao lado de lançamentos de canções populares será mantida nos anos de 1950.

Em algumas produções, as músicas não foram compostas originalmente de acordo com a trama narrada, e sim selecionadas e aproveitadas no filme. Como exemplo, temos o concerto para piano de Heckel Tavares, de 1938, e a peça para violoncelo e piano de Villa-Lobos, de 1917, e Beethoven em Argila, e composições de Bach em Ganga Bruta. Essa inserção de música preexistente

acrescendo o repertório que contava também com composições originais era usual no cinema americano da época, entre os quais o diretor Billy Wilder oferece vários exemplares, como a Tocata de Bach interpretada pelo mordomo no momento de virada no filme Crepúsculo dos deuses (1950). No cinema brasileiro dos anos 1960, sobretudo no Cinema Novo, as músicas preexistentes predominaram nas trilhas dos filmes, para os quais as composições de Villa- Lobos foram largamente aproveitadas.

2 ALBERTO CAVALCANTI E O CINEMA SONORO

Se no Brasil, até os anos de 1950, pouco se comentava sobre o papel do som na construção da linguagem cinematográfica e os experimentos nessa área eram resultados muito mais de um trabalho individual e intuitivo do que de investigação, como versou o primeiro capítulo deste estudo, Cavalcanti, ao contrário, teorizava sobre o assunto, demonstrando um conhecimento bastante sistematizado a este respeito. Suas ideias abordam amplo espectro da questão e trazem para discussão e reflexão temas como o silêncio, os ruídos, a relação entre diretor, músico e música de cinema. Expressas nos filmes, em entrevistas, artigos e livro publicados até a década de 1950, as concepções sonoras de Cavalcanti foram agrupadas e categorizadas neste capítulo. Além destas, suas concepções mais gerais sobre cinema foram relacionadas com as ideias de outros realizadores e teóricos de cinema contemporâneos de Cavalcanti, como René Clair (1898– 1981), Eisenstein (1898–1948), Jean Vigo (1905–1934) e Jean Epstein (1897– 1953) entre outros, cuja proximidade dos conceitos estéticos permite inferir sobre sua mútua influência.

Apesar de ter sido um dos pioneiros do cinema sonoro, os estudos sobre o assunto, até mesmo os mais recentes desenvolvidos no Brasil, pouco se dedicam às ideias de Cavalcanti, como o livro A música do filme, de Tony Berchmans, de 2006, e O som no cinema brasileiro, de Fernando Costa, de 2008. No livro de Berchmans, por exemplo, apesar da abrangência de conteúdo, não há qualquer menção à colaboração de Alberto Cavalcanti e quando o autor comenta sobre o cinema produzido no Brasil até a década de 1960, pouco explora a música original produzida por nossos compositores. O mesmo acontece em A música do cinema, volume 1, de João Máximo (2003), cujas escassas referências ao cineasta têm o intuito apenas de contextualizar as produções dos músicos. De forma talvez mais injustificada, Ewald Filho (1988) sequer o inclui no seu Dicionário de cineastas.

Fernando Costa também omite as contribuições de Cavalcanti. Ele comenta que os avanços em direção à sincronia perfeita, possível por meio da gravação da

banda sonora na própria película, estavam sendo cada vez mais conquistados no Brasil, mas era necessário mais um passo para a consolidação do cinema sonoro. O som direto era uma realidade, porém limitada aos estúdios. A impressão indelével do som na película e a subsequente ausência de mixagem faziam com que todo o som, todo o número musical, todos os diálogos fossem gravados no momento em que a cena ocorresse. Possibilidades de mixagem tardariam, como dissemos, a surgir. [...] Deveria haver uma outra grande transformação (COSTA, 2008, p. 131). Com essa afirmação Costa conclui o segundo capítulo, A passagem para o sonoro, do seu livro. Entretanto, e curiosamente, no próximo capítulo, O som direto em todo o lugar..., o autor não menciona os avanços trazidos por Cavalcanti, seja pela aquisição dos equipamentos na Vera Cruz ou pelas experiências com o cinema sonoro na Europa e com o documentário inglês de John Grierson, que supostamente poderiam ser o que o autor considerou “outra grande transformação”. Há um hiato entre a década de 40 e 60, como se nada de novo houvesse ocorrido no som dos filmes brasileiros dos anos de 1950.

Entretanto, as omissões por parte de alguns autores não condizem com as opiniões de outros pesquisadores, entre os quais se destacam Pellizzari e Valentinetti (1995), Walter Lima Júnior, com o programa para a TV brasileira Cavalcanti o cineasta do mundo (200?), Sérgio Caldieri (2005) e Luiz Nazário (2007). A partir das informações levantadas por esses e outros estudiosos, serão apresentados a seguir aspectos da formação profissional do cineasta, suas realizações na Europa e no Brasil, sempre que possível com destaque para as experiências sonoras e algumas análises de filmes propostas por mim.