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Paixão de gaúcho (1958 – Cinematográfica Brasil Filme S.A;

3.2 As atividades cinematográficas

3.2.18 Paixão de gaúcho (1958 – Cinematográfica Brasil Filme S.A;

Campo, o filme dirigido por Walter Jorge Durst e produzido por Galileu Garcia foi uma adaptação do romance de José de Alencar, “O gaúcho”. Apesar de no site do IMDb constar equivocadamente música de Gabriel Migliori, o filme teve música original, orquestração e regência de Guerra-Peixe, e recebeu, entre outros, o Prêmio Governador do Estado de São Paulo/1958 de Melhor Composição. Segundo Lúcio Aguiar, “nessa produção Guerra-Peixe trabalha sobre temas regionais gaúchos colhidos por Barbosa Lessa” (AGUIAR, L. apud BARROS; FARIA; SERRÃO, 2009, p. 148). Lúcio Aguiar exalta o domínio técnico de Guerra- Peixe denotado na aplicação da música ao clima do filme. Ernani Aguiar também comenta que ao assistir a esse filme não sabia da autoria da trilha musical, mas que em poucos minutos concluiu “que só podia ser de Guerra-Peixe, por causa da orquestração” (AGUIAR, E. apud BARROS; FARIA; SERRÃO, 2009, p. 81), e acrescenta, no mesmo trecho, que na partitura perdida desse filme “Guerra-Peixe antecipa A Retirada da Laguna88 composta mais de 10 anos depois”.

Escutando a trilha musical do filme e comparando-a com a peça orquestral de Retirada da Laguna, não se pode, no entanto, notar semelhanças consistentes entre as duas obras. No filme, a instrumentação de uma orquestra tradicional com naipe de cordas, madeiras (possivelmente a dois), metais (trompetes, trompas e trombones) e percussão com tímpanos e pratos se assemelha à ouvida em Terra é sempre terra. Em Retirada da Laguna, ao contrário, ouve-se uma orquestração grandiosa, sobretudo pelo encorpado naipe de metais e diferentes timbres de

88 Essa peça orquestral em 10 movimentos foi concluída em 18/11/1971, por encomenda da Rádio

MEC, e a primeira audição aconteceu em 27/10/1972, no Teatro Municipal e regência do autor (GUERRA-PEIXE, 2012, p. 27).

instrumentos de percussão (metalofone, folha de flandres, tarol, tímpanos, etc.), que enaltecem o caráter de heroísmo envolvido no fato histórico da Guerra do Paraguai, conforme proposto na narrativa literária original do Visconde de Taunay, Retirada da Laguna, na versão de 1871. Se no filme se ouve orquestração mais tradicional e composição mais concisa baseada nos motivos da canção apresentada logo nos créditos iniciais, na obra musical de 1972 a riqueza de timbres e propostas composicionais a aproxima mais da trilha do filme Batalha dos Guararapes, composta em 1978.

A história de Paixão de gaúcho se desenvolve no período de guerra separatista entre Farroupilhas e Legalistas, momento histórico descrito na legenda inicial do filme da seguinte maneira:

Em setembro de 1836, a província de São Pedro do Rio Grande do Sul estava convulsionada por uma revolução contra o Governo Imperial do Rio de Janeiro e seus representantes em Porto Alegre. Mal armados e vestidos, os peões deixavam os seus ranchos para formar as tropas que dariam a essa luta o nome de Guerra dos Farrapos. E em seu caminho encontravam pequenas vilas que, apesar da revolução ter sido declarada há já um ano, ainda não tinham se decidido pela guerra (trecho do filme PAIXÃO DE GAÚCHO – DVD, APÊNDICE B).

No elenco, Alberto Ruschel, Vitor Merinow, Lima Duarte, Angelito Melo, Gilberto Chagas, Carmen Morales e Anna Cândida representam os personagens da história. Ao título original da obra literária foi acrescentada a palavra paixão, com a intenção de enfatizar o mote da narrativa cinematográfica. A partir do triângulo amoroso que se apresenta logo no início do filme será desenvolvida a narrativa ao estilo dos westerns americanos, em cuja trama imperam os sentimentos de inveja, honra, amor e ódio, tratados em ambientes de taberna regados pelo jogo, bebida, dança e música típicas das paisagens gaúchas.

Contribuindo para a autenticidade da ambientação sulina, as imagens do filme são acompanhadas por uma trilha musical que utiliza músicas folclóricas, Chimerrita – Cafuné – Terra morna – Milonga - O casamento – Generoso – Feitiço índio, todas do folclorista Barbosa Lessa (1991)89, e Dança do Anu, de Barbosa

Lessa e Paixão Cortês. Também a dança tradicionalista que acompanha essa

89 Em http://www.paginadogaucho.com.br/barbosalessa/mus.htm, acesso em: 02/03/2012, pode

última canção colabora com a ambientação, na coreografia exibida pelo Grupo Folclórico Brasileiro durante a festa do casamento do casal protagonista, Chileno e Catita.

Como nos dois filmes em parceria com Alberto Cavalcanti, a música original que irá participar da trama de Paixão de gaúcho baseia-se nos elementos da canção apresentada nos créditos iniciais. Seus motivos rítmicos e melódicos serão variados no andamento, na instrumentação ou harmonia, de acordo com a proposta da narrativa. Como nos filmes de Cavalcanti, nota-se também nessa produção um tratamento cuidadoso da trilha, seja na exploração dos limites de sua utilização diegética ou não diegética, seja no discreto surgimento da música, às vezes relacionada aos ruídos.

Um tratamento interessante dos limites entre música diegética e não diegética pode ser observado em aproximadamente 17:08 a 17:45. No início desse trecho a sonoridade da música quase imperceptível, em dinâmica pianíssimo nas cordas graves, acompanha os passos de Chileno em direção à igreja. Quando ele entra nesse espaço interior essa música toma conta do ambiente pela forte sonoridade, agora do orgão que soa no interior da capela (FIG. 17). Apesar de não aparecer no quadro, somos levados a assimilar essa sonoridade como diegética, ou seja, um órgão que toca dentro do espaço da cena, principalmente pela adequação do timbre instrumental e da construção melódica e harmônica da peça musical ao ambiente religioso. Também concorre para essa interpretação o fato da cadência final da peça musical coincidir com a movimentação de saída dos personagens desse ambiente, como se naquele momento um culto estivesse terminando. Após a cadência conclusiva do órgão, a sonoridade das cordas orquestrais retorna para acompanhar o diálogo de Chileno e sua noiva, Catita. Ainda dentro da igreja, essa sonoridade orquestral é novamente reconhecida como música incidental.

FIGURA 17 – Cenas interligadas pela música no filme Paixão de gaúcho

Fonte – Imagem do filme (DVD) editada pela autora.

Próximo do final do filme, aproximadamente 1:23:00, um outro exemplo de tratamento dos limites do espaço da música do filme ocorre na cena em que Chileno, sob a mira da cartucheira de Jango, cantarola uma canção acompanhado por um violão. Diferentemente da cena exemplificada anteriormente, a presença do violão no espaço cenográfico do campo ocupado exclusivamente pelos dois personagens é difícil de ser assimilada.

FIGURA 18 – Chileno canta sob a mira de Jango no filme Paixão de gaúcho

Fonte – Imagem do filme (DVD) editada pela autora.

Nos dois filmes da década de 1960, Riacho de sangue, O diabo mora no sangue, e um de 1970, Simeão, o boêmio, pode-se perceber a adaptação do compositor à nova tendência do cinema autoral de custo mais baixo e que utiliza uma música menos grandiosa que as escritas para orquestra. Ao contrário, nos três filmes daquela década as peças foram compostas para pequenas formações, como a do

Quinteto Villa-Lobos90 (flauta, oboé, clarinete, fagote, trompa) e instrumentos mais populares, como violão, saxofone e a guitarra elétrica.