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2.3 As experiências no Brasil

2.3.1 A Vera Cruz

A Companhia Cinematográfica Vera Cruz foi criada pelo engenheiro industrial italiano Franco Zampari, forte impulsionador dos avanços do parque fabril paulista e adorador das artes, uma espécie de mecenas. Ele chegou a São Paulo em dezembro de 1922, a convite do amigo Francisco Matarazzo para dirigir a metalúrgica da família. Amante do teatro, ele assistia às apresentações no Theatro Municipal, que desde a sua inauguração, em 1911, com a ópera Hamelet do francês Ambroise Thomas, encenada pela companhia do barítono italiano Titta Ruffi, passou a ser roteiro internacional dos grandes espetáculos. Se desde o início do século XX São Paulo demonstrava o crescente interesse por acontecimentos culturais, a produção cênica na capital paulista era ainda muito incipiente.

Nos anos de 1940, os acontecimentos culturais do país se concentravam no Rio de Janeiro, principalmente pelas atividades das companhias teatrais cujos donos eram os próprios atores, como, por exemplo, Jaime Costa e Dulcinéia de Moraes, e as produtoras cinematográficas Cinédia (1930) e Atlântida (1941). Em São Paulo, o teatro evoluía por meio das atividades do Teatro Experimental, de Alfredo de Mesquita, e do Grupo Universitário de Teatro de Décio, de Almeida Prado. No programa realizado para a TV sobre Zampari - O construtor de sonhos, Alfredo Mesquita conta que em uma das apresentações teatrais do grupo ele faz um apelo à plateia, narrando as dificuldades por que vinha passando para manter as atividades teatrais na cidade, e o único que respondeu ao pedido de ajuda foi Franco Zampari. O mecenas então criou a Sociedade Brasileira de Comédia e, em 1947, fundou o Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, cuja estreia ocorreu em 11 de outubro de 1948. Entusiasmado com os avanços do teatro na capital paulista e com as possibilidades do cinema, Zampari fundou a Cinematográfica Vera Cruz, em novembro de 1949, em São Bernardo do Campo.

Resultado de grandes investimentos financeiros, a Vera Cruz seguia os modelos dos grandes estúdios de Hollywood e, assim como o TBC, importava da Itália grande parte de seus técnicos, atraídos pelos avanços do processo de industrialização do país e desiludidos com as consequências da Segunda Grande

Guerra. Mas ambas, a TBC e a Vera Cruz, mantinham um elenco nacional permanente considerado pelo público como as estrelas de Hollywood. Nomes como Mário Sérgio, Eliane Lage, Marisa Prado, Cacilda Becker, Tônia Carrero, Ruth de Souza, Abílio Pereira de Almeida, Lima Barreto, Alberto Ruchel, Célia Biar, Renato Consorte, Anselmo Duarte, Ziembinski, entre outros, eram estrelas que brilhavam nos palcos e nas telas.

Para Viany (2009), o panorama cinematográfico no Brasil na época da Vera Cruz dividia-se em três grupos: um pequeno, constituído de aventureiros, que considerava a empresa um empecilho para suas produções de pequeno porte; os que acreditavam que ela era o único caminho para o sucesso do cinema nacional e queriam fazer parte de seu elenco; e aqueles descrentes, como Pedro Lima, que temiam a crise da novata indústria cinematográfica nacional depois do previsto insucesso da Vera Cruz.

Ainda segundo Viany, “ao contrário do que muita gente pensa, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz já existia quando Alberto Cavalcanti chegou ao Brasil” (VIANY, 2009, p. 95). A partir desta afirmação, no capítulo A Visita do Filho Pródigo, o autor apresenta um cenário já idealizado pelo fundador da empresa, Franco Zampari, e que Alberto Cavalcanti iria dirigir, uma empresa com poucos técnicos e de baixa qualidade, a maioria de italianos. “Não é fácil encontrar um bom elemento entre os que Zampari contratou para a Companhia antes da chegada de Cavalcanti e depois de sua saída” (VIANY, 2009, p. 99).

O período de Cavalcanti como produtor-geral da Companhia foi curto e marcado por desentendimentos em questões pessoais, artísticas, técnicas e de gestão, como veremos mais adiante. Nessa função, Cavalcanti realizou três documentários e três longas-metragens de ficção: em 1950, o longa Caiçara e o curta Painel, sobre Tiradentes, obra pictórica de Portinari; o curta documental Santuário e o longa Terra é sempre terra, em 1951; Ângela, filme idealizado por Cavalcanti, mas concluído sob a direção de Tom Payne, e o documentário Volta Redonda, sobre a indústria nacional do aço, ambos em 1952. As divergências se intensificaram durante as filmagens de Ângela e nesse mesmo ano ele abandonou a empresa.

Os gastos eram muitos e, sob o controle do novo produtor-geral, Fernando de Barros, a empresa tinha a meta de produzir filmes mais baratos e com prazos mais curtos. No entanto, deu-se o contrário. Apesar do sucesso de bilheteria de alguns filmes como O cangaceiro e Tico-tico no fubá e da popularidade de Mazzaropi, a Companhia entrou em fase de declínio, falência e baixa de produção a partir de 1954. A ausência de uma sistema próprio de distribuição, ficando mais de 60% dos rendimentos com distribuidor estrangeiro, e a concorrência com as produções americanas, principalmente por questões econômicas, estão entre os principais problemas.

A Vera Cruz é prejudicada também pela concorrência desigual com os filmes estrangeiros no Brasil. O preço dos ingressos das salas de cinema era tabelado. A inflação diminuía o valor real do ingresso e fazia cair a arrecadação dos filmes. Para os filmes estrangeiros norte- americanos, o governo brasileiro pagava a diferença entre o câmbio do Dólar oficial e do paralelo50.

Criticada desde o início, foi fatal a derrocada sofrida pela Vera Cruz em função do desequilíbrio financeiro entre os gastos com as grandes produções - segundo Viany (2009, p. 96), um cálculo aproximado de 150 milhões para um total de 18 filmes, alguns inacabados, e os ganhos com a distribuição e exibição. A esperança inicial de arrancada e industrialização do cinema nacional transformou- se em desânimo, com retração de capitais e paralisação de produção. Mas isso parecia previsto, como avisou o crítico de cinema, que desde a década de 1920 escrevia para a Cinearte, Pedro Lima:

Desde o primeiro dia, quando a Vera Cruz ainda não tinha iniciado

Caiçara [...] prevíamos, e disso fizemos ciente seu diretor, Zampari, o

insucesso da companhia, porque pelos planos que ouvíramos, ela não se firmava em alicerces sólidos. Esta base que faltava desde o primeiro instante era a sua parte comercial. Em cinema, não basta produzir os filmes, mas pensar-se primeiramente em seu mercado, nos rendimentos da bilheteria e na percentagem que cabe ao produtor. Mas na Vera Cruz começaram de maneira diferente. Seu lema era produzir caro, filmes que por seu custo representassem a garantia de poder vencer no mercado interno e se projetar no exterior, canalizando dinheiro para os cofres da empresa. Mas como? Bem, isto ninguém imaginou (LIMA, 1954 apud VIANY, 2009, p. 95-6).

De acordo com Viany (2009, p. 97), o empresário Zampari não deu ouvidos às críticas e previsões negativas, fechando-se para as opiniões do experiente

50 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_Cinematogr%C3%A1fica_Vera_Cruz.

pessoal do cinema nacional, como Humberto Mauro, Ademar Gonzaga, Moacir Fenelon e o próprio Pedro Lima.

Em 1963, as opiniões de Glauber Rocha a respeito da Companhia Vera Cruz, de Cavalcanti e suas produções reverberam o que se repetia de negativo sobre o tema desde a década anterior. Se Viany procurava amenizar a culpa de Cavalcanti pelos insucessos da Vera Cruz, Rocha (2003) aumentava o coro dos que o colocavam na berlinda como o maior culpado. Em alguns momentos, o autor nos confunde sobre o real papel do cineasta, fazendo crer que as decisões e ideais grandiosos, esteticamente dissociados da realidade brasileira, expressos nas produções da empresa eram também os de Cavalcanti. Mas quando aprofundamos nas desavenças entre os empresários e o produtor-geral da Vera Cruz, nota-se que o segundo buscava a qualidade, a organização, enquanto que os primeiros, o apadrinhamento e as decisões atropeladas na hierarquia das funções. Viany parece mais certeiro quando conclui que Cavalcanti chegou a um terreno previamente idealizado.