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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1.2 Cogestão Adaptativa

Na gestão dos recursos hídricos, os conflitos de interesses são frequentes devido à variedade de exigências de qualidade e quantidade de água e do número de interessados, os quais são afetados de formas diferentes por decisões relativas à utilização dos recursos. Ao ignorar as diferenças naturais entre os envolvidos na

gestão dos recursos hídricos e, consequentemente, a não resolução dos conflitos emergentes, decisões insustentáveis são implementadas (GIORDANO et al., 2007). Diversos estudos recentes como Lopes (2011), Butterworth et al. (2010), Lankford e Hepworth (2010) e Lankford et al. (2007, apud LOPES, 2011) sugerem que a gestão de recursos hídricos deve ser inicialmente implementada em nível local, de microbacia, e que devem ser estimuladas, neste ambiente, contínuas relações interativas entre os atores. Estes autores buscam metodologias, processos e ferramentas que promovam a colaboração para que as próprias pessoas envolvidas solucionem seus conflitos, construindo relações e prevenindo futuras disputas, ou seja, garantindo a resolução dos problemas de forma sustentável.

Os usuários da água não podem esperar que toda a bacia hidrográfica se organize e se desenvolva de forma efetiva para que finalmente possa penetrar em nível local. Em função disso, muitas das tomadas de decisões do dia a dia, no desenvolvimento de água e gerenciamento dos problemas, ficarão nas mãos de usuários e comunidades (BUTTERWORTH et al., 2010, p. 71).

Neste contexto, são apresentados os conceitos da cogestão adaptativa. Segundo Ruitenbeek e Cartier (2001, apud ARMITAGE et al., 2008, p. 87), é uma nova estrutura de gestão que estimula as partes interessadas a dividir responsabilidades dentro de um sistema de recursos naturais e permite, em longo prazo, o aprendizado com as ações tomadas. De forma semelhante, Olsson et al. (2004, apud ARMITAGE

et al., 2008, p. 87), define a cogestão auto adaptativa como um sistema flexível de

gestão de recursos naturais de base comunitária, adaptado para regiões e situações específicas, e apoiado por várias organizações em diferentes escalas.

De acordo com Coordination SUD (2012), a maior parte dos problemas encontrados nos sistemas de irrigação pode ser resolvida no nível local, sem a intervenção de organizações governamentais. As soluções para os problemas surgem dos pontos fortes de instituições locais e do conhecimento local. Apesar disso, o acesso a instituições de níveis mais elevados pode ser útil no caso de conflitos que vão além dos órgãos locais. Estes conflitos terão maior chance de serem resolvidos de forma rápida e eficaz se os órgãos de gestão locais já estiverem estabelecidos.

No Brasil, Poloni (2010) destaca algumas experiências de cogestão e autogestão local em subsídio à gestão formal, implementados a partir da década de 80 nos estados do Paraná e Santa Catarina, nos anos 90 em São Paulo, e no Rio de Janeiro em 2006. Esses programas definiram a microbacia hidrográfica como unidade de planejamento, intervenção e avaliação, estabelecendo um novo marco na abordagem das questões socioambientais para o meio rural. No estado do Espírito Santo, o Plano Estratégico de Desenvolvimento da Agricultura Capixaba, PEDEAG-ES 2007-2025, também adota a microbacia como unidade de planejamento e intervenção, já que corresponde a um sistema biofísico e socioeconômico integrado com as condições adequadas para o devido planejamento e gestão do uso da terra (ESPIRITO SANTO, 2008).

Também no estado do Espírito Santo, experiência pioneira denominada Projeto Sossego, na bacia do Córrego Sossego, município de Itarana, vem sendo desenvolvida desde 2002, com a adoção da região para fins de desenvolvimento de estudos científicos e tecnológicos de gestão integrada de recursos hídricos com foco no desenvolvimento sustentável local (LABGEST, 2010; POLONI, 2010; QUARENTEI, 2010). Os trabalhos têm sido realizados através de parceria entre a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a comunidade local e instituições públicas que atuam na localidade, entre elas: (1) a Fundação Nacional de Saúde (Funasa); (2) o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper); (3) o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE); (4) a Secretaria de Saúde do Estado do Espírito Santo (SESA); (5) a Secretaria de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca do Estado do Espírito Santo (SEAG); (6) as Secretarias de Saúde, Educação e Agricultura do Município de Itarana, ES; (7) o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA); (8) o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF); e (9) o Ministério Público e Poder Judiciário Estadual. A abordagem construtivista e participativa adotada na bacia vem permitindo que a comunidade esteja efetivamente envolvida no desenvolvimento das atividades no âmbito do projeto. De acordo com Lopes (2011), uma recente contribuição do Projeto Sossego é possibilitar uma análise comparativa entre a construção do modelo de gestão local de águas no nível de microbacia com a aplicação de Termos de Ajustamento de

Conduta (TAC) em várias bacias hidrográficas do estado do Espírito Santo em decorrência de conflitos observados pelo uso da água, principalmente pela intensificação da irrigação.

3.2 OUTORGA DOS DIREITOS DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS

A outorga é o ato administrativo pelo qual a autoridade outorgante concede ao outorgado o direito de uso do recurso hídrico, por prazo determinado e de acordo com os termos e as condições expressas no ato.

Deve ser destacado que a água é um bem inalienável e por isso a outorga não representa um contrato de venda; porém, tem o papel de separar das águas genericamente consideradas como bem de uso comum a parcela outorgada, conferindo prioridade ao outorgado, passível de suspensão nos casos previstos no artigo 15 da Lei nº 9.433/1997 (MARQUES, 2010).

Além de dar condições aos órgãos gestores de acompanharem e realizarem o controle qualitativo e quantitativo da água para os múltiplos usos, o instrumento é importante por minimizar os conflitos entre os diversos setores usuários e evitar impactos ambientais negativos aos corpos hídricos (ANA, 2011).

Para que os órgãos gestores possam analisar os pleitos de outorga com segurança, é necessário ter conhecimento da disponibilidade hídrica na bacia hidrográfica, sistematizar o processamento das informações referentes aos usos múltiplos e avaliar os impactos gerados a partir das intervenções hídricas com base nas demandas existentes em toda a bacia hidrográfica (a montante e a jusante do aproveitamento). São consideradas como intervenções ou interferências hídricas, as captações superficiais em curso d'água ou em reservatórios, captações subterrâneas, lançamentos de efluentes, barragens, hidrelétricas e outras estruturas ou obras hidráulicas que alteram o fluxo natural da água numa região hidrográfica.