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De início, quando vamos discutir coisa julgada, é importante sabermos que há uma enorme diferença entre coisa julgada no cível e coisa julgada na esfera criminal, tendo em vista que cada instituto tem suas regras especificas e seus princípios próprios.

Embora a coisa julgada é uma garantia constitucional, descrita no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, na qual serve para ambos institutos, conforme preconiza o referido artigo: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Dessa forma, o acusado não poderá ser condenado pelos mesmos fatos por duas vezes, seguindo a palavra conhecida “ne bis in idem” (RANGEL, 2012, p. 130).

Assim, a coisa julgada, nada mais é do que uma decisão pela qual não cabe mais recurso. Contudo, verifica-se que não se trata de um efeito pela qual surge através da decisão, mas uma qualidade que advém da decisão. Vale ressaltar que a coisa julgada no penal, e de extrema relevância quando se analisa a sentença absolutória, tendo em vista que quando o acusado é condenado por uma sentença condenatória, temos a possibilidade de mudar a qualquer tempo a coisa julgada, perante a ação de revisão criminal. Já nos casos de Sentença absolutória, existe uma imutabilidade da decisão, tendo assim segurança jurídica para o indivíduo (OLIVEIRA, 2014, p. 668).

Destarte, vejamos que há duas modalidades de coisa julgada, que é a formal e material. Na modalidade formal todos os meios recursais já foram esgotados, nessa modalidade são todas aquelas decisões terminativas que dão fim as vias recursais. (GRECO FILHO, 2013, p. 371). Podemos também ter coisa julgada formal, quando a decisão final do juiz não tratar de um conflito criminoso,

tendo em vista que no mérito não houve conduta típica. Nesse sentido LOPES JÚNIOR, “não há análise e julgamento sobre o mérito (ou seja, sobre o fato processual ou caso penal), a decisão faz coisa julgada formal” (2014, p. 1147).

Diferentemente é na coisa julgada formal, na qual são aquelas sentenças de mérito, nas quais não existe mais possibilidade de recurso, ficando imutável a decisão e seus efeitos, sendo que sequer poderá entrar com outra ação sobre o mesmo objeto ou causa. Esta modalidade de coisa julgada, tem como característica o efeito erga omnes, tendo em vista que essa decisão se opera fora do processo e atinge todas as pessoas. No caso de prolatada a decisão, irá resolver o conflito de mérito, sendo o acusado absolvido ou condenado, e caso seja absolvido essa decisão será imutável. Dessa forma na maior parte das vezes, após o caso concreto ter sido resolvido e julgado na forma material, este será procedido na coisa julgada formal (RANGEL, 2012, p. 166).

Não podemos confundir, no direito penal, a coisa julgada com preclusão, visto que a coisa julgada é a decisão ou sentença que julga a pretensão punitiva do mérito, ficando essa pretensão imutável. Já, a preclusão é a extinção de um fato secundário do processo, que tem como objetivo a impossibilidade de prosseguimento deste processo, embora poderá ser exercido em outro momento, sendo que poderá ser rediscutido posteriormente pelo juiz (TÁVORA, 2014, p. 900).

Outrossim, a coisa julgada no direito civil, tem como característica a da plenitude da decisão, se qualificando como definitiva e obrigatória, sendo esta uma decisão com efeitos jurídicos, tornando-se uma decisão indiscutível, impossibilitando que a mesma questão seja julgada outra vez.

Caso seja oposta novamente, deverá arguir que o assunto já foi apreciado e que se tornou coisa julgada, efeito este chamado de negativo. Por outro lado, também existe o efeito positivo, ocorre quando a indiscutibilidade da coisa julgada é oposta novamente, em matéria incidental, onde neste caso o juiz deve apreciar de forma vinculada a decisão do primeiro julgador (DIDIER JÚNIOR, 2016, p. 527).

Para que possamos ter um maior entendimento quanto aos efeitos negativos e positivo da coisa julgada, o autor Ovídio Araújo Baptista da Silva, preconiza:

O efeito negativo da coisa julgada opera como exceptio rei iudicatae, ou seja, como defesa, para impedir o novo julgamento daquilo que já fora decidido na demanda anterior. O efeito positivo ao contrário, corresponde a utilização da coisa julgada propriamente em seu conteúdo, tornando-o imperativo para o segundo julgamento. Enquanto a exceptio rei iudicatae, é a forma de defesa, a ser empregada pelo demandado, o efeito positivo da coisa julgada pode ser fundamento de uma segunda demanda (2005, p. 500).

Por fim, é importante ressaltar que, a coisa julgada é um fenômeno que acontece através de questões decididas em juízo, não sendo especificas das sentenças condenatórias. O que deve ter nesta decisão é a discussão entre a obrigação, fatos e do direito material, requerido pelas partes, ou até mesmo se houve alguma ilicitude no procedimento. Dessa forma, se o juiz reconhecer questões ligadas a inexistência, modificação ou extinção, esta decisão tratará de mérito e fará coisa julgada, mesmo em caráter incidental (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 531).

4 DA FIXAÇÃO DO VALOR MÍNIMO INDENIZATÓRIO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

Determina o art. 387, inciso IV do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que:

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: [...]

IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; (BRASIL, CPP, 2019).

Vejamos que esse inciso, tem o intuito de simplificar e dar mais celeridade e economia processual a reparação patrimonial da vítima, aproveitando a produção probatória do processo penal e a respectiva cognição judicial do crime, tendo o mesmo fato gerador da pretensão punitiva e da indenização civil, com o fim de implementar a satisfação patrimonial e a reprimenda penal, sem a necessidade da deflagração da ação indenizatória ou de um processo de liquidação.

Segundo o doutrinador Renato Brasileiro de Lima:

A fixação desse valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração independe de pedido explícito, sem que se possa arguir eventual violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da inércia da jurisdição. Ora, mesmo antes do advento da Lei nº 11.719/08, que deu nova redação ao art. 387, IV, do CPP, o Código Penal já preceituava em seu art. 91, I, que é efeito automático de toda e qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado sujeitar o condenado à obrigação de reparar o dano causado pelo delito. Por isso, não é necessário que conste da peça acusatória tal pedido, vez que se trata de efeito genérico e automático da condenação. Aplica-se, pois, o mesmo raciocínio do art. 387, IV, do CPP: a fixação do valor mínimo da indenização é aí colocada como parte integrante da sentença condenatória. Trata-se de efeito automático da sentença condenatória, que só não deve ser fixado pelo juiz em duas hipóteses: a) infração penal da qual não resulte prejuízo a vítima determinada; b) não comprovação dos prejuízos sofridos pelo ofendido (2013, p. 289-290).

Dessa forma, podemos observar que se trata de mais um efeito da condenação, que deverá ser enfrentado expressamente pelo magistrado, quando da prolação do decreto condenatório.

Frisa-se também que, os efeitos da sentença que julgou a infração penal atingem também o campo da responsabilidade civil. Assim sendo, enseja a ação civil ex delicto, que se baseia no procedimento judicial com o objetivo de realizar recomposição civil causado pelo delito, já reconhecido pelo juízo criminal.

Importante ressaltar o art. 63, parágrafo único do Código de Processo Penal, que menciona o seguinte: “transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV, caput do art. 387, IV deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido” (BRASIL, CPP, 2019).

Nesse contexto, segundo o autor Damásio de Jesus, transitada em julgado a sentença penal condenatória, poderá a vítima (seu representante legal ou seus herdeiros), optar pela execução dessa sentença no valor fixado pelo magistrado, ou promover a liquidação visando a apuração do valor da reparação. Contudo, a condenação penal irrecorrível faz coisa julgada no cível para efeito da reparação do dano, não se podendo mais discutir a respeito do objeto do pedido da ação, mas somente sobre eventual aumento do valor fixado. Dessa forma, o causador do dano não poderá mais discutir no juízo cível se praticou o fato ou não, se houve relação de causalidade entre a conduta ou resultado ou não, se agiu ilicitamente ou não, se agiu culpavelmente ou não. Assim, só se pode discutir a respeito da importância da reparação, repita-se, na hipótese de a vítima ou os demais legitimados optarem por liquidar os danos para a apuração do momento efetivo (2009, p. 637).

Fernando da Costa Tourinho Filho, em consonância de entendimento, descreve:

[...] quando o juiz profere sentença condenatória, cumpre-lhe fixar, nos termos do art. 387, IV, do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/2008, “valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”, devendo então o ofendido, ou quem suas vezes fizer, executá-la (no cível, obvio), sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido, segundo dispõe o parágrafo único do art. 63 do CPP (2010, p. 261).

A soberania das esferas penal e civil está relacionada com o Art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. Com efeito, essa soberania foi atenuada, no sentido de que o próprio juiz criminal, no processo penal, poderá fixar o valor mínimo indenizatório cível. Vale ressaltar que o valor da indenização, antes da reforma do Código de Processo Penal, era de competência exclusiva do juiz do juízo cível. Ao juiz criminal competia somente o trabalho de verificar os aspectos do direito penal,

como: os elementos do crime, as excludentes de antijuricidade, de culpabilidade e a dosimetria da pena.

Com a alteração do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, tornou menos forte a independência entre as esferas cível e penal, onde era vista de forma absoluta no período antes da alteração. A possibilidade do juiz na sentença penal condenatória, aplicar a fixação do valor de indenização cível, mistura as atividades que eram realizadas por juízos diversos e em processos diferentes.

Verifica-se que a alteração do novo dispositivo permite que dentro do próprio processo criminal seja fixada o valor da reparação cível, sendo que é inegável que o art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, ao misturar as atividades inerentes ao juízo criminal e ao cível, relativiza a soberania das instâncias.

Frisa-se que, existe uma discussão entre os doutrinadores sobre a possibilidade de o juiz criminal fixar o valor mínimo de indenização cível de ofício. Há um questionamento se ajuizada a ação penal, seja privada ou pública, o magistrado poderá fixar o valor mínimo independente de pedido do autor da ação?

Ora, observa-se que o art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, deixa bem claro que o juiz “fixará” o valor. Sendo assim, outra conclusão não poderá ser obtida, se não a resposta de que o juiz criminal, pode sim fixar o valor mínimo de ofício, sendo que se não houver sido realizado o pedido de indenização cível no processo, o juiz criminal poderá fixá-la.

Dessa forma, ainda que o prejuízo da vítima não tenha sido descrito no processo, existindo nos autos a prova de prejuízo, poderá o juiz considerar um valor, na prolação da sentença penal condenatória.

Os critérios a serem utilizados pelo juiz criminal na fixação do valor mínimo de indenização pelo dano moral e material, devem ser os mesmos utilizados pelo juiz cível.

No dano moral, o juiz criminal deverá fixar um valor que compense a dor sofrida e que também leve em conta a punição do autor do ilícito, para que o indivíduo não volte a cometer a pratica daquela conduta.

Já no dano material o valor deverá ser fixado com a extensão do dano, e consequentemente com base nas provas produzidas no processo. Deverá o juiz

considerar os danos emergentes, ou seja, o valor que se perdeu, bem como os danos de lucros cessantes, sendo o valor que a vítima deixou de receber.

Importante ressaltar também que, não havendo prova nos autos da ação penal do valor indenizatório dos danos causados pela infração, o juiz criminal deverá abster-se de aplicar o inciso IV, do art. 387, do Código de Processo Penal.

Outro ponto para destacar é que mesmo com a possibilidade de ser discutido uma indenização no juízo criminal, o juízo cível continua com a competência para a fixação do valor da indenização cível. O que se possibilitou, foi que o juiz criminal venha fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, a fim de obter uma maior celeridade ao judiciário, caso a vítima concorde com o valor estabelecido pelo juiz criminal.

Dessa forma, nada impede que a vítima, durante a tramitação da ação penal, ingresse com a ação na esfera civil, com fim de obter a indenização. Verifica- se que, nesse caso, a vítima poderá ingressar com a ação denominada ação civil ex delicto, com base no art. 64 do Código de Processo Penal:

Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil (BRASIL, CPP, 2019).

A ação civil ex delicto, é uma ação ajuizada pelo ofendido, na esfera cível, a fim de obter indenização pelo dano causado pela infração penal, quando existente. (NUCCI, 2016, p. 197).

Após a explanação do conteúdo da fixação do valor mínimo indenizatório na sentença penal condenatória, passaremos para o subtópico seguinte no qual irá descrever sobre:

4.1 A INAPLICABILIDADE DO ART. 387, INCISO IV, DO CÓDIDO DE

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