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4. CONTEXTUALIZAÇÃO DA ESCOLA E DO MAL-ESTAR DOCENTE

4.3. O Colégio se torna público

Ao se tornar patrimônio da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte a escola passa a carregar o nome de Colégio Municipal e traz para si uma história anterior.

Dessa forma, não é apenas um novo prédio que passa a ser administrado pela PBH, mas um ideário, enquanto uma promessa de campanha de Otacílio Negrão de Lima em 1947 e que se concretiza em 05 de maio de 1948 com a criação do primeiro Ginásio Municipal.

O cumprimento de sua promessa representava um marco, pois foi o primeiro colégio gratuito em Minas Gerais e em seu regulamento previa “a preferência para pessoas comprovadamente desprovidas de recursos”. (SILVEIRA NETO, 1962, p.49).

Desta maneira, estava posta em Belo Horizonte a concepção de uma educação de qualidade para o povo. Assim, essa nova etapa é marcada por planos e projetos capazes de alicerçar a concretização desse ideal de governo, que afirmou que: “Faleceria ao governo da cidade uma dimensão essencial se deixasse de avivar e acentuar as linhas de sua ação na área administrativa atribuída à educação e à cultura.” (GIANNETTI, 1951).

Contudo, os critérios de matrícula estavam atrelados à seleção por testes e a boa conduta dos estudantes. Essa nova instituição necessitava de professores que:

[...] foram convidados a lecionar, sem concurso, nomeação ou contrato escrito, em vista da situação de fato, isto é, o Ginásio Municipal estava em fase de implantação. Percebiam trinta cruzeiros por aulas dadas, correspondentes a três centavos hoje, o que era bom preço na época, mais ou menos oito vezes o que pagavam os demais colégios. Entretanto, não recebiam férias e repouso remunerado, assim como não tinham outras vantagens da lei trabalhista. (SILVEIRA NETO, 1973, p.10-12).

A situação funcional dos professores naquela época era indefinida e o salário também não era animador num contraste com a sua formação, que era primorosa. A situação se agravava, levando-se em conta que “nenhum professor poderia ministrar mais de 24 aulas por semana”.(ibidem, p.12) e, assim, a PBH limitava o salário desses profissionais. Contudo, era um privilegio ser convidado para ser professor nesse educandário.

SILVEIRA NETO (1962) retrata em seu livro uma breve bibliografia de cada um dos professores que compunha o quadro dos profissionais do Colégio Municipal, em que se evidencia uma trajetória de estudos e de respeitabilidade na prática docente.

A partir de 1953 é editado um regulamento de um concurso para o cargo de professor catedrático que trazia as seguintes exigências para a inscrição:

a- certificado de registro do Ministério da Educação, na disciplina sobre a qual verse o concurso;

b- prova de ser brasileiro nato ou naturalizado; c- atestado de sanidade;

d- prova de bons antecedentes, mediante folha corrida;

e- carteira de reservista ou prova de estar quite com o serviço militar; f-prova de haver completado o curso da faculdade de filosofia, de humanidades ou diploma de instituto de ensino superior, secundário ou norma, ou em que se ministre o ensino da disciplina em concurso;

g- 50 exemplares de uma tese sobre assunto da disciplina em concurso de livre escolha do candidato;

h-atestado de eficiência e certidão de tempo de exercício de magistério na disciplina sobre que verse a prova, apurado em estabelecimento de ensino secundário ou superior reconhecido, equiparado ou federal;

i- trabalhos publicados sobre a matéria

j- diplomas que provem capacidade para o ensino de Inglês ou Francês, expedido pela Sociedade Brasileira de cultura Inglesa ou pela Associação de Cultura Franco Brasileira;

k-documentação relativa ao exercício do magistério e as atividades literárias, artísticas ou científicas, relacionadas com a disciplina em concurso;

1- recibo de pagamento da taxa de inscrição de Cr$500,00 (quinhentos cruzeiros).

§1º- a tese a que se refere a alínea “g”poderá ser impressa, datilografada ou mimeografada. (ibidem, p, 41).

As exigências para o futuro professor dessa instituição se intensificavam na realização do concurso em si, em que o candidato teria que fazer a defesa de sua tese, ser aprovado em uma prova escrita, uma prática ou experimental e uma prova de didática.

Segundo SILVEIRA NETO (1970) a organização escolar da PBH daquela época previa três categorias de professores: os catedráticos, os adjuntos e os contratados, sendo que até esses últimos também passavam por um exame de suficiência. Assim, ser contratado e poder fazer parte desse grupo de profissionais era um desejo de muitos jovens.

O Colégio Municipal inicia em Belo Horizonte um ensino de qualidade em uma estrutura física que comportava, segundo SILVEIRA NETO (1962): sala da diretoria, salas dos professores, auditório com capacidade para 250 pessoas assentadas, vestiários de

Educação Física, salas especializadas para trabalhos manuais, salas para as disciplinas de Física e Química, devidamente equipadas, uma cantina, uma biblioteca com um vasto acervo bibliográfico e também gabinetes médico e dentário proporcionando gratuitamente assistência aos alunos.

Mantinha também uma disciplina rígida para os alunos expressa em no seu Regulamento:

Art. 4º- O critério para lotação das classes apóia-se na situação econômica do candidato e nas notas que obtiver nos testes de seleção, para os diversos cursos e turmas.

Parágrafo único - Será indeferida a matrícula dos candidatos de má conduta ou com dupla reprovação no Colégio Municipal. SILVEIRA NETO, 1962, p.49).

A seleção dos alunos não se dava apenas num primeiro momento de sua admissão, mas também em todo o seu percurso escolar já que se o aluno apresentasse discrepâncias em relação ao ensino ou dificuldades de acompanhar o ritmo da aprendizagem perdia o direito de manter-se como aluno da escola.

Pela qualidade de ensino o Colégio Municipal era o sonho das famílias belorizontinas, que em 1973 tinha um total de 5321 alunos39 em todas as suas unidades, sendo o maior número de alunos na sua Sede, que nesse ano era a escola objeto da presente pesquisa, com um total de 1952 alunos.

Para atender a essa clientela específica um grupo de professores era:

Selecionado mediante concurso de títulos e de provas, o Colégio Municipal conta com um corpo docente em que pontificam expressivos nomes do magistério mineiro, muitos dos quais mestres em institutos de ensino superior. Professores de projeção ajudaram a consolidar o conceito de que hoje desfruta o estabelecimento. (SILVEIRA NETO, 1962, contra capa).

A escola pesquisada passa a ser o Colégio Municipal em 1973 e assim, começa então um novo período, em que as exigências da seleção rigorosa de alunos e também dos professores estava posta como condição essencial na educação. No entanto, nessa fase inicial a remuneração ainda não era muito boa como nos afirma o professor Fernando:

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[...] eu me lembro que em 69, fui para o Santo Agostinho, realmente o salário do Santo Agostinho era bem maior do que o salário da JT, mesmo na época da prefeitura, naquela época os salários eram maiores na rede particular, mais tarde... Daí a uns 8 ou 9 anos... É... Melhorou bastante o salário da prefeitura. (PROFESSOR FERNANDO, 2006).

Nosso entrevistado nos apresenta uma realidade da educação pública no Brasil em que não havia um reconhecimento salarial pelo serviço prestado no setor público. Assim, para ter uma vida mais digna o professor deveria trabalhar mais, buscando melhores salários nas escolas privadas. Essa afirmação é comungada com a autora CHAMON (2005) que deixa claro em seu livro a desvalorização do trabalho docente.

As conotações de missão, trabalho apostolar e vocação – que perpassam o imaginário social sobre o trabalho docente - vão estabelecendo-se como uma representação. Essas conotações materializam-se na imagem de que quem se dedica ao ensino é alguém que renunciou à ambição econômica em favor de um trabalho social, alguém que não consegue um trabalho mais valorizado. (ibidem, p.139-140).

Nessa época, final da década de 1970, os professores começam a assumir uma identificação “como trabalhadores (as)” (ARROYO, 2004, p.26), questionando sua posição na educação.

Também na PBH uma avalanche de insatisfações começa a crescer simultaneamente à expansão do número de escolas da rede municipal.

Ao completar um quarto de século de existência, que se deu no período de 1948- 1973, o professor Silveira Neto (1973) faz uma retrospectiva da implantação do Colégio Municipal e o crescimento da cidade de Belo Horizonte.

Expressa as mudanças no cotidiano das famílias, o aperfeiçoamento das tecnologias e suas interferências nas relações estabelecidas, nos costumes dos povos belorizontinos e nas suas estruturas sociais.

Assim, “[...] com o crescimento populacional e a concentração urbana veio o fenômeno da massificação. O antigo Ginásio Municipal começou com algumas centenas de alunos; hoje são mais de cinco mil”. (op.cit. 61).

Diante dessa nova situação de expansão há também uma alteração significativa do número de professores municipais - se antes se sentiam como membros de uma família, em 1973, se expressavam da seguinte forma:

“[...] Hoje nos diluímos nessa aritmética social. Cada professor mal conhece os docentes e os alunos de seu turno”. (op. cit., p.61).

As mudanças afetaram até mesmo o nome da escola, pois este foi alterado por três vezes e o mesmo tendo sucedido à sede.

Em face disso, entendo ser o passado realmente a única coisa a podermos fixar no papel, ainda que de maneira incompleta e precária, pois não temos a pretensão de esgotar qualquer assunto nesse setor de pesquisa. Como outros que vêm dos primeiros tempos do colégio (comecei em março de 1954), sinto-me um ser já histórico” diante das novas gerações que chegam. [...] é natural que tenha agora certa atitude saudosista. Por isso, esta monografia não deixa de ter a sua razão afetiva, o que explica não só a sua existência como também suas possíveis falhas. O homem, afinal, tem de pagar o seu tributo ao tempo. (SILVEIRA NETO,1973, p. 61).

O autor caracteriza bem a posição das escolas municipais, que antes se restringia a uma família e que em 1973 já não conseguiam a mesma unidade de conhecimento mútuo.

Estas mudanças foram significativas também na identidade deste profissional docente do ensino médio, que no início contava com apenas um número muito reduzido de docentes, trabalhando com uma clientela elitizada, selecionada por concursos rigorosos.

As relações destes profissionais com a Prefeitura de Belo Horizonte se davam pela aproximação e pelo reconhecimento do seu trabalho, facilitando os trâmites legais, possibilitados por um diálogo constante.

No entanto, com a ampliação de vagas novas escolas são construídas e a categoria docente cresce em números para atender essa nova clientela que busca a escola de ensino médio.

E diante das dificuldades econômicas da grande parte da população, em que o trabalho já se faz presente desde cedo, o curso noturno passou a ser o mais procurado.

O ensino médio mudava o seu perfil, trazendo para dentro da escola um contingente de estudantes que trabalhavam e buscavam na escola uma ascensão social. Um dado expressivo foi a matrícula em 1999 que contabilizava “6588 alunos, no diurno, e 11860 alunos no noturno”. (SMED40, 2000, p.17).

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Os professores, nessa nova condição, perdem-se entre os diversos funcionários públicos, ficando no anonimato, esfacelando a interlocução estabelecida anteriormente com a instituição mantenedora e passam a ser um grupo indistinto, sem privilégios e, principalmente, distanciado da identidade construída até então.

Nesse sentido, a profissão docente intensifica seus questionamentos sobre a questão salarial, buscando nas lutas da categoria, particularmente nas greves, uma dignidade econômica para os professores.

Assim, um outro problema também estava posto já que havia uma disparidade salarial entre os professores da PBH, em que se privilegiavam aqueles que trabalhavam nas suas três primeiras unidades escolares diferenciando, assim, os catedráticos dos outros professores.