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4. CONTEXTUALIZAÇÃO DA ESCOLA E DO MAL-ESTAR DOCENTE

4.7. Escola Plural e impactos sobre a escola pesquisada

Comemorando os dez anos de Escola Plural a SMED/PBH orientou as escolas para a elaboração de um documento, um portfólio, que trouxesse uma reflexão sobre o trabalho desenvolvido em cada unidade.

A nosso ver essa determinação foi importante por dois aspectos: no primeiro o reconhecimento das múltiplas organizações das escolas e, em segundo lugar, poder desencadear um processo reflexivo das escolas diante da implantação do projeto e da sua performance.

Assim, ao entrar em contato com a escola perguntamos ao diretor sobre esse documento e que gostaríamos de acompanhar as discussões que seriam importantes para nossa pesquisa.

Entretanto, o diretor foi taxativo ao afirmar que já estava iniciado o trabalho e que deveria estar pronto até agosto, mas que não permitiria que nós acompanhássemos esse processo que, por ser muito trabalhoso, haviam sido designadas três professoras que estavam elaborando-o, com dispensa de aulas e em suas casas.

Contudo, nossa presença na escola pesquisada foi intensa durante o ano de 2006, permitindo acompanhar de perto o processo de construção desse portfólio.

Em uma de nossas observações presenciamos o seguinte fato: o diretor da escola, no intervalo de recreio, comunicou aos professores sobre esse trabalho caracterizando-o como: “delicado e difícil”50.

Portanto, apesar de três professores estarem realizando-o em suas casas, iria precisar da participação de todos.

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Expressão muito utilizada na escola por diversos professores

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Para isso estava distribuindo o material que trazia os períodos de mudança na educação e como a escola reagiu a eles.

A orientação foi para que os professores completassem colocando os projetos que foram realizados em cada período. Os professores, ao receberem esse material, assinavam em uma folha à parte.

Um professor se recusou a receber esse material e começou a falar, ironizando. Ele disse: “a prefeitura quer socializar, pois eu não vou.”51 E continua dizendo para o diretor entregar essa folha para outro.

Aproveito a oportunidade e peço-a para mim e ele autoriza que eu pegue a que estava endereçada ao professor. O diretor pede que ele assine que recebeu a folha e ele assina sorrindo da situação.

Esse material pedia o levantamento de atividades e de projetos realizados no período de 1995 a 2006 e que se fizesse uma descrição das atividades desenvolvidas em sala de aula ou extra-classe, levando em conta os seguintes temas: A- Estatuto da Criança e do adolescente-1990. B- Iº Congresso Político Pedagógico-PBH-1990. C- Implantação do Projeto Político Pedagógico- Escola Plural-1995. D- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira-1996. E-Portaria SMED/SMAD (008/1997)- 1997. F- Princípios e Garantias do Direito à Formação de Qualidade, Contínua e Ininterrupta (10/97)- 1997. G- Iº Conferência Municipal de Educação- 1998. H-Carta de Princípios da rede Municipal de Educação/ Constituinte 1999-(2001). I- 2º. Congresso Político Pedagógico RME/ Escola Plural- 2003.

Todos esses documentos continham os respectivos anexos a fim de melhor situar os professores sobre os temas.

Na versão final do portfólio revela-se que para sua construção, além de análises de documentos e depoimentos dos professores atuais, também foi solicitada a participação de ex-diretores e coordenadores.

Paralelamente a isso, os textos foram redigidos e apresentados aos professores para a apreciação e crítica. Após análise das alterações sugeridas, os textos foram revistos procurando contemplar toda alteração sugerida. (DOCUMENTO DA ESCOLA, 2006).

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Dessa maneira, foi agendada uma reunião para apresentação da primeira versão. A reunião começa com o auditório cheio e os ânimos exaltados. A releitura do documento é interrompida a todo instante. Cada colocação do texto mobilizava os professores para outro discurso sobre a redação apresentada.

Esse portfólio foi apresentado com a estrutura seguindo a sugestão da PBH: dimensões reveladoras da inclusão; dados da biblioteca da escola e as considerações finais.

Esses itens eram desmembrados em sub-itens construídos de forma homogênea para todas as escolas: as dimensões reveladoras da inclusão foram os aspectos mais debatidos por envolverem sub-itens polêmicos; diferenças (étnicas, sociais, de aprendizagem e de pessoas com deficiências); construção de novos conhecimentos, desenvolvimento de novas habilidades e atitudes, elaboração de novas estratégias de avaliação e constituição de ciclos de formação; questões disciplinares; retenção de alunos; relação escola-Comunidade.

Para compreendermos a posição da escola JT, optamos por ir mesclando nossas observações na reunião de aprovação do portfólio com as observações feitas durante a pesquisa. Assim, iremos tecendo a complexa rede das relações que se estabelecem na singularidade dessa escola.

O primeiro ponto de debate foi relativo ao exame de seleção que a escola realizava até o início da década de 1990. Segundo o documento

[...] como conseqüência do processo de seleção, havia uma homogeneidade no que diz respeito à classe social e a etnia. Com o fim desse processo, a escola passa a atender então outros segmentos sociais que antes eram excluídos pelo antigo sistema de recrutamento. (DOCUMENTO DA ESCOLA- 1 versão, 2006).

Os discursos foram antagônicos: de um lado alguns professores alegavam que os alunos não eram homogêneos diante das classes e a etnia e assim, havia pobres e negros que freqüentavam a escola e que essa fala é preconceituosa e colocará a escola numa posição difícil.

De outro lado, outros professores afirmam que essa era a postura real daquela época de exclusão e não somente dessa escola em especial, mas de todo o sistema educacional. Dessa forma, foi necessário um repensar sobre o que houve efetivamente naquela

época sobre o processo de seleção, e, depois de muita discussão, houve uma votação e retirou-se esse trecho polêmico sobre a homogeneidade da versão final.

Consideramos relevante trazer esse relato pois, apesar da escola ter essa abertura de inclusão no seu discurso, no cotidiano as manifestações contra essa medida estão muito evidentes.

Este fato se expressa, às vezes, através de um saudosismo que reafirma a seleção como a melhor opção pois delineia o perfil de aluno interessado em estudar e, por outro lado, chega até a discriminações por parte de poucos professores que não conseguem reconhecer nos alunos atuais parceiros no trabalho a ser realizado.

Assim, a perda do reconhecimento do outro como legítimo outro na perspectiva de Maturana (1999) faz com aja mal-estar e adoecimentos.

Para este autor, as doenças estão no âmbito da falta do amor, que para ele é respeitar o outro como ele é, numa relação. Os desrespeitos na escola pesquisada são evidentes pois o aluno de hoje não tem mais o perfil esperado dos alunos de anos atrás.

Nesse sentido, a professora Cássia afirma a sua dificuldade em trabalhar com dois tipos de alunos que se tornaram maioria: os que não querem estudar e os que não valorizam a escola.

Referiu-se à Escola Plural e também à Bolsa Escola que cobra apenas presença do aluno. Concluiu que sabe que hoje isso é totalmente repudiado, mas fica pensando que a escola deveria ser organizada em turmas homogêneas.

Sabe existem alunos diferentes e, portanto, deveriam ser enturmados também diferentemente. Eu acredito que temos alguns grupos distintos de alunos que são:

- aqueles que vieram de escola particular pois perderam a condição de pagar a escola.

- aqueles que vieram para a Escola Plural porque foram expulsos das outras escolas

- aqueles que não tiveram condições mas valorizam a escola.

- aqueles que não gostam de estudar e não se interessam pela escola. (PROFESSORA CÁSSIA, 2006)

A professora reafirma que, anteriormente, os alunos tinham perfil para o estudo e, assim, podiam exigir deles cada vez mais para que crescessem.

Contudo, essa relação foi alterada, principalmente a partir do momento em que foi abolido o processo de seleção que se constituía de provas para o ingresso nessa escola, trazendo um outro público considerado desinteressado.

O novo público que adentra a escola estabelece uma quebra com os ritmos instituídos de muitos professores, que passam a não se sentirem reconhecidos pelo seu trabalho e assumem, perante a escola, uma postura de queixa.

Diversos professores queixam-se de que não sabem como ensinar esse público. Alguns de forma preconceituosa caracterizam essas crianças como portadoras de déficits culturais, desestruturadas emocionalmente, etc. Ainda que sejam duras as condições de vida da maioria desse público, rótulos e atitudes preconceituosas ajudam pouco ou até atrapalham no enfrentamento do problema. Outros, porém buscam inovações, alterações em sua prática e muitas vezes recebem pouco estímulo para isso. (ARANHA, 2005, p.76-77).

Estão claros os confrontos dos professores com o novo público que povoa a escola e as diferentes posturas que os professores assumem diante dessa realidade. Aceitação e rejeição estão presentes nas escolhas e nos discursos.

Apesar de não ser mais a seleção o fator que determina o acesso dos alunos à escola ele está ainda muito evidenciado no discurso dos professores que apontam uma insatisfação frente à clientela atual.

Entretanto, em relação à questão da inclusão escolar e as conseqüências dos conflitos nas relações dedicaremos um outro tópico.