• Nenhum resultado encontrado

5. Regeneração guiada de tecidos

5.3. Colagénio

O colagénio é uma das proteínas mais abundantes no tecido conjuntivo; deste modo, tornou-se uma das moléculas mais estudadas da matriz extracelular. Mais de 90% das proteínas extracelulares do osso e tendão e mais de 50% da pele é constituída por colagénio. Até aos dias de hoje já foram isolados 29 tipos diferentes de colagénio (Piez e Reddi, 1984; Piez, 1985; Schegg et al., 2009).

Devido às suas propriedades biológicas, o colagénio tem sido amplamente utilizado como biomaterial. Este facto conduziu a diversos estudos com o objetivo de descobrir novas aplicações para esta proteína (Tabela 7). Deste modo, o colagénio tem sido utilizado como suporte em várias áreas da medicina regenerativa, nomeadamente na regeneração de tecidos e

libertação controlada de fármacos (Eaglstein e Falanga, 1998; Meetoo et al., 2007). Uma vez que o colagénio está presente em tecidos como o coração e o osso, este também é utilizado na remodelação e reparação dos mesmos (Blair et al., 2002).

O colagénio tipo I tornou-se no biomaterial mais utilizado para uma grande variedade de aplicações médicas devido ao facto de ser o tipo de colagénio mais abundante nos animais. Por outro lado, outras vantagens incluem: criação de técnicas que permitem obter grandes quantidades de colagénio, a existência de um número considerável de produtos à base de colagénio, a sua biocompatibilidade e biodegradabilidade, assim como o fato do seu papel na cicatrização de feridas e interação intercelular ser bem compreendido (Pachence, 1996; Parenteau-Bareil et al., 2010).

Tabela 7 – Algumas aplicações médicas do colagénio.

Área Aplicações Autores

Cardiologia Válvulas cardíacas Flanagan et al., 2006 Chen et al., 2013

Dermatologia Reparação de Tecidos moles Caves et al., 2011; Martorell- Calatayudet al., 2012

Cirurgia e Ortopedia Suturas, reparação de lesões, próteses para vasos sanguíneos, reparação de nervos, reparação de tendões, ligamentos e cartilagem

Weinberg e Bell, 1986; Mazzocca et al., 2007; Kew et al., 2011; He et al., 2012; Eraket et al., 2013; Xia et al., 2014 Oftalmologia Transplante da córnea Mimura et al., 2004

Odontologia Regeneração guiada de tecidos Paolantonio et al., 2008

5.3.1. Estrutura e biossíntese do colagénio

Os diferentes tipos de colagénio são necessários para responder às exigências dos diversos tipos de tecido conjuntivo. De entre os 29 tipos de colagénio isolados, 21 tipos (Tabela 8) foram caracterizados e divididos em 8 categorias (Gelse et al., 2003; Brinckmann

Tabela 8 – Caracterização dos tipos de colagénio e a sua distribuição nos tecidos.

Tipo de colagénio Distribuição nos tecidos Autores I Tendão, pele, fibrocartilagem, dentina, córnea, osso, útero,

grandes vasos, intestino

Kucharz, 1992; Wulf et al., 1994; Theodossiou et al., 2006; Wang et al., 2014

II Cartilagem, osso, notocorda, vasos sanguíneos Hanson e Bentley, 1983; Kucharz, 1992; Wulf et al., 1994; Merly e Smith, 2013

III Grandes vasos, paredes uterinas, válvula cardíaca, gengiva, derme, osso

Kucharz, 1992; Hanson e Bentley, 1983; Wulf et al., 1994

IV Membranas basais McLeod et al., 2015

V Pele, córnea, osso, grandes vasos, cartilagem hialina Kucharz, 1992; Wang et al., 2014

VI Pele, músculo cardíaco, córnea Kucharz, 1992; Spissinger e Engel, 1995

VII Pele, dentina, pulmão, membrana basal, cartilagem Kucharz, 1992; Umemoto et al., 2012; Ockleford et al., 2013

VIII Parede de vasos Lopes et al., 2013

IX Cartilagem Krug et al., 2013

X Cartilagem, osso Rucklidge et al., 1996 (a);

Rucklidge et al., 1996 (b)

XI Cartilagem, disco intervertebral Kucharz, 1992; McAlinden et al., 2014

XII Parede da bexiga, córnea Zhan et al., 1995; Strauss et al., 2000

XIII Músculo, nervo ótico, retina Sandberg-Lall et al., 2000

XIV Junção osso ligamento, parede da bexiga Niyibizi et al., 1995; Strauss et al., 2000

XV Notocorda Pagnon-Minot et al., 2008

XVI Paredes do ventrículo do coração em desenvolvimento, fibras neurais, coluna vertebral, pele

Lai e Chu, 1996

XVII Membrana basal Uitto et al., 1994

XVIII Fígado Duncan et al., 2012

XIX Membrana basal Myers et al., 1997

XX Córnea Shoulders e Raines, 2009

As moléculas de colagénio apresentam três subunidades peptídicas: duas cadeias homologas α1 e uma cadeia α2. Cada cadeia α pode ser constituída por dezenas de aminoácidos e são caracterizadas pela unidade Gly-X-Y repetida, onde o Gly representa a glicina e X e Y podem ser qualquer aminoácido; no entanto, usualmente, são os aminoácidos prolina e hidroxiprolina, respetivamente. O facto da glicina não possuir uma cadeia lateral vai permitir uma aproximação das cadeias polipeptídicas na tripla hélice do colagénio. Os anéis rígidos da prolina e da hidroxiprolina vão possibilitar que as cadeias polipeptídicas se dobrem com uma rotação para a esquerda (Brodsky et al., 1988; Gorham, 1991; Cen et al., 2008). Três dessas cadeias polipeptídicas enrolam-se em volta uma das outras e formam uma espiral com rotação para a direita que se designa tropocolagénio. O tropocolagénio consiste na unidade molecular de todas as formas de colagénio (Miller-Keane, 2003). Existem aproximadamente 25 conformações diferentes de cadeias α que são produzidas pelo seu respetivo gene. A combinação destas cadeias (combinadas em grupos de 3), formam os 29 tipos de colagénio conhecidos atualmente (Antoniac et al., 2015).

O mecanismo de biossíntese do colagénio é bastante complexo (Figura 5). Cada tipo de colagénio é codificado por um gene específico e esses genes encontram-se numa grande variedade de cromossomas (Prockop e Kivirikko, 1995). As cadeias α precursoras são sintetizadas a partir do RNA mensageiro dentro do retículo endoplasmático rugoso. Posteriormente, são transferidas para o complexo de Golgi e durante esse processo, alguns resíduos de lisinas e prolinas são hidroxilados pela enzima lisil oxidase. Em seguida, as cadeias α precursoras organizam-se e formam o procolagénio, antes de serem encapsuladas nas vesículas de excreção (Alberts et al., 2002).

O procolagénio é diferente do colagénio, uma vez que possui péptidos adicionais em ambas as extremidades, designados de propéptidos. Quando o procolagénio passa a membrana plasmática, na extremidade do terminal amino da molécula de procolagénio são estabelecidas ligações de dissulfureto entre três cadeias polipeptídicas, que promovem o alinhamento correto das cadeias. As enzimas extracelulares designadas procolagénio peptidases clivam os propéptidos do terminal C e do terminal N do procolagénio. A remoção das extremidades deixa os telopéptidos expostos que, pelo intermédio de interações moleculares, dão origem à tripla hélice do colagénio (Bellamy e Bornstein, 1971; Prockop e Kivirikko, 1995; Colige et al., 2002; Hopkins et al., 2007). A remoção dos propéptidos vai permitir também a sua polimerização em fibrilas no espaço extracelular. As fibrilas do

colagénio possuem, aproximadamente, 50 nm de diâmetro, sendo dispostas lado a lado em feixes paralelos que se designam por fibras de colagénio (Lodish et al., 2000).

Documentos relacionados