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3.1 - Histórico sobre o Japão

Neste capitulo discutiremos sobre os objetos existentes no setor de etnografia do Museu Nacional, cuja origem e representação remetam a cultura japonesa, que resultam da reunião dos diversas peças, que foram incorporados as coleções do Museu Nacional ao longo dos séculos XIX e XX. Para melhor entender a formação desse conjunto denominado de “coleção Japonesa do setor de etnologia do Museu Nacional”, faremos uma breve e resumida apresentação sobre a história do Japão, e o estabelecimento das relações diplomáticas do Brasil com o Japão.

Geograficamente, o Japão é formado por numerosas ilhas situadas a leste do continente asiático. As maiores e mais importantes são: Honshu, Kyushu, Shikoku, Hokkaido, somadas às incontáveis ilhas menores e ilhotas de rochedo, com várias cadeias de montanhas que apresentam muitos vulcões ativos e uma intensa ativida-de sísmica. Possui um clima com as quatro estações bem ativida-definidas: primavera, ativida-de março a maio; verão, de junho a agosto; outono, de setembro a novembro e inverno, de dezembro a fevereiro, resultando disso uma variação constante da natureza no decorrer do ano.

O povo japonês não é de raça pura, nem aborígine. Entraram na sua composição os tunguses (japoneses propriamente ditos ou pro-tojaponêses), os ainos, indochineses, negritos, os hans (chineses propriamente ditos ou protochineses), e os indonésios (YAMASHI-RO, 1964, p.15).

Os ainos, raça branca, provavelmente frutos da mistura de brancos com mongóis, emigraram da Sibéria para o Oriente avançando sempre para leste, atingi-ram o extremo norte do que forma hoje o arquipélago do Japão; este teria sido o primeiro contato humano com as terras do Japão. Ocuparam os ainos esse solo e aí se desenvolveram, dirigindo-se, depois, para o Sul. Passaram por Hokkai-do, princi-pal ilha do Arquipélago, sendo que muitos se estabeleceram na grande e fértil planí-cie de Kwantô, que circunda Tokyo.

Estes movimentos migratórios ficaram bem claros pela descoberta de sambaquis e objetos de pedra e barro, característicos dos Ainos, que têm sido encontrados em quase todo o território do Japão. (YAMASHIRO, 1964, p.15).

Por volta do século II da nossa era, foram transmitidos aos japoneses métodos de cultivar arroz e a arte de fabricar instrumentos metálicos; tais conhecimentos foram transmitidos aos japoneses por intermédio de coreanos e dos chineses, que desde a época em que os primitivos nipônicos usavam instrumentos de pedra, já misturavam cobre com estanho para fazer o bronze, e logo a seguir descobriam o emprego do ferro, fazendo com que os japoneses começassem a utilizar instrumentos metálicos, espadas e escudos, bem como utensílios de ferro.

No interior do arquipélago, longe da cultura aristocrática da metrópole, surgem os “Shoen” 19, onde os elementos mais influentes da sociedade começaram a tomar posse de grandes glebas ("shoen") de terra.

A ausência da proteção policial, especialmente nas zonas rurais, fez com que os homens do campo procurassem se organizar para cuidar da sua defesa, formando grupos e mantendo armas. O responsável por esta organização era o proprietário, o donatário, o dono do "shoen", cujo poder e influência cresciam cada vez mais. Eles gozavam de privilégios diversos, como isenção de impostos. Depois de certo tempo, os elementos treinados na arte militar, fortes e ágeis no manejo das armas, tornaram-se guardas profissionais, abandonando parcial ou totalmente a lavoura. Esta é a origem do Samurai.

Dos mesmos "shoen" nasceu uma nova e poderosa classe que, mais tarde, substituiria a aristocracia na direção dos negócios de Estado. Eram os Samurais ou bushi, guerreiros de profissão, irmãos dos cavaleiros da Idade Média no Ocidente (YAMASHIRO, 1964, p.58).

Os conflitos por poder e terras geraram várias rebeliões, que vieram mostrar, claramente, que os Samurais dispunham da força necessária para dominar o país.

Sem o seu apoio não seria mais possível exercer a autoridade do governo.

Na Era Kenlcyu em 1192, marca o início dos governos militares chamados

"bakufu", que quer dizer “posto militar”. O próprio nome já indicava, claramente, a natureza marcial do novo regime. Por outro lado, "bakufu" era o local onde o "Sei-i Taishogun” 20, de cuja abreviação temos a palavra "shogun", exercia suas funções político-militares. Completava-se, assim, uma nova organização político-social. Esse regime equivalente ao feudalismo ocidental ficou conhecido “O regime de

19latifúndios ou grandes propriedades de terras, mais auto suficientes e afastadas do poder central, eram autônomos, econômica e, até certo ponto, politicamente.

20comandante em chefe das forças militares.

shogunatos” 21ou governos militares, durou desde então até a Restauração de Meiji em 1867, cerca de 700 anos.

Enquanto o Japão estava dividido em numerosos feudos que se empenhavam em guerras frequentes, inicia se o processo das grandes navegações realizado pelas potencias européias, gerando os primeiros contados com o mundo Ocidental, sendo o Japão foi visitado pelos primeiros europeus.

Lê-se no Tratado dos descobrimentos antigos e modernos,de Antônio Galvão, que, no ano de 1542, três nautas, Antônio da Mota, Francisco e Antônio Peixoto, fugiram de uma nau portuguesa ancorada num porto de Sião. Embarcaram num junco que ia para a China, mas deu-lhes uma tal tormenta, que os fez andar à mercê das ondas durante muitos dias, até que, finalmente, chegaram ao Japão (YAMASHIRO, 1964, p.90).

O contato com os europeus, principalmente Portugueses e Espanhóis, resultou na propagação da fé cristã, e em consequência, surgiram igrejas, colégios e seminários. Nos colégios jesuítas ministrava-se o ensino do português e do latim, além do religioso propriamente dito. A nova fé chegava num momento de decadência do budismo, no momento em que o povo japonês estava descontente com uma deterioração social geral, onde os sacerdotes budistas participavam das lutas políticas. Em contraste, os missionários católicos que arriscavam suas vidas fazendo viagens perigosas por mar e terra, eram vistos, estes, como homens de alta virtude, cultos e bondosos que impunham respeito.

No entanto, houve desconfiança dos líderes japoneses relativa às intenções das potencias européias de domínio e colonização, tendo em vista os acontecimentos nos continentes americanos e africanos. A situação gerou o temor das lideranças japonesas e o “bakufu” foi aconselhado pela Holanda, (que era um país protestante, enquanto Portugal e Espanha eram católicos) a cortar relações comerciais com os dois países ibéricos. Esse fato resultou na ordem de fechamento do país em 1639, com uma severa perseguição aos cristãos, expulsando os sacerdotes e proibindo o culto da fé cristã.

Em face de tal situação, o “bakufu” baixou um decreto proibindo comunicações com o exterior. Proibiram-se, rigorosamente, as

21 o shogunato dominava de fato, a administração do Japão e praticamente ignorou a existência do imperador, que, somente no tempo de Oda e Toyotomi, começou a receber homenagens e tributos dos poderosos chefes guerreiros,

viagens e os japoneses que viviam no estrangeiro não puderam mais voltar à Pátria. Foi até proibida a construção de navios de grande calado, capazes de viagens de longo percurso. Quase todas as relações com o estrangeiro foram rompidas, e o Japão entrou num período de completo isolamento. Com tal medida o povo japonês perdeu o contacto com o resto do mundo e a sua cultura ficou igualmente isolada (YAMASHIRO, 1964, p.114).

Durante anos, navios holandeses chegavam a Dejima22, desembarcando mercadorias e levavando artigos adquiridos no Japão para portos estrangeiros.

Estes artigos de exportação eram enviados à Europa, por intermédio de comerciantes holandeses.

Com a Revolução Industrial, já na segunda metade do século XIX, temos a ascensão das potências na Europa, buscando expandir suas influências, tendo a Inglaterra como principal, e os Estados Unidos já despontando como potência e atuando fortemente no cenário do comércio internacional. O mundo Ocidental passava por uma grande revolução produtiva, científica e tecnológica, e as grandes potências buscavam em seu vigoroso avanço “imperialista” auferir novas colônias e protetorados, dividindo o 'bolo' do mundo em vários pedaços de áreas de influência, conquistando mercados consumidores e fornecedores de matérias-primas.

Nesse contexto, já nos anos 1840, os europeus, sobretudo os ingleses, tenta-ram, sem sucesso, estabelecer relações comerciais com o Japão, enquanto este buscava manter sua política de isolamento que já durava 260 anos, com o Decreto de Isolamento Nacional. Nesse período o Japão vivia em paz e isolado do resto do mundo. Seus costumes, sua estrutura social rigidamente estratificada e sua cultura de maneira geral, baseados na ética confuciana, mantiveram-se intactas durante quase três séculos (YAMAMURA, 1996, p.128).

Apesar da resistência japonesa, em 1853 chegava à baía de Edo (atual To-kyo) o Comodoro Mathew Perrydos Estados Unidos, trazendo em nome do presiden-te norpresiden-te-americano uma proposta para o estabelecimento de relações comerciais. A despeito de alegar intenções amistosas, a oferta exigia uma rápida resposta positiva por parte do Japão, sendo evidente o tom ameaçador dos EUA.

22O escritório comercial holandês ficou instalado em Dejima, Nagasaki. Tratava-se de uma área do mar que fora anteriormente aterrada para estabelecer ali as residências dos negociantes portugueses.

Um grande número de nossos poderosos navios de guerra dirige-se para o Japão e são esperados nestes mares de um momento para outro; o infrafirmado, como prova de suas intenções amigáveis, trouxe consigo tão-somente [sic] quatro dos seus menores navios;

mas está pronto, caso se torne necessário [sic], a voltar a ledo na primavera com uma força bem maior [!] (PANIKKAR, 1997, p. 203).

O interesse dos americanos consistia em estabelecer depósitos de carvão em portos japoneses para abastecer os navios que atravessavam o Pacífico, nas suas viagens de ida e volta à China

No ano seguinte, em 1854, o Comodoro Perry retorna ao Japão conduzindo uma grande esquadra, a fim de cobrar uma resposta positiva com relação à proposta de abertura dos portos. Perante as pressões e a ameaça de um ataque militar23o

“Shogunato” cede. Dessa forma é assinado o primeiro tratado entre o Japão e uma nação estrangeira, o Tratado de 'Amizade e Paz' entre Estados Unidos e Japão.

A solução adotada pelos japoneses foi “repelir” as pressões e abrir-se por “vontade própria”. Apesar do longo período de isolamento de quase três séculos com relação ao ambiente estrangeiro, as lide-ranças japonesas da época [...] entendiam que a abertura ao exteri-or permitiria a modernização, equipando-se dos meios necessários para enfrentar o desafio das potências imperialistas ocidentais e preservar a integridade nacional. [...] a abertura de suas portas ao exterior era entendida como 'meio de salvação' a médio e longo prazo. Dessa forma, de maneira relativamente pacífica, acima de in-teresses subalternos, ocorre em 1868 à transição do poder de qua-se três séculos do Shogunato para o poder central (YAMAMURA, 1996, p.132).

Após esse tratado, um a um, países como Inglaterra, França, Holanda e Rús-sia reivindicaram tratados semelhantes. O primeiro de uma série de tratados desi-guais24, porém, é firmado quando o Japão assina, em 1858, o Tratado de Amizade e Comércio Japão e EUA, e o ratifica em 1860.

23O Japão temia sofrer o mesmo destino da dinastia Ching da China em virtude da Guerra do Ópio (1839-42).

24Dois pontos eram especialmente polêmicos nesse tratado: a questão das tarifas de importação, que impediam os japoneses de intervirem no estabelecimento das tarifas dos produtos americanos que entrariam em seu próprio território, e a questão dos privilégios de extraterritorialidade, que impediam que um cidadão norte-americano que cometesse crimes em território nipônico fosse julgado pela jus-tiça local.

3.2 - O estabelecimento das relações Brasil e Japão

A revisão dos tratados desiguais e desvantajosos perante as potências es-trangeiras, era o tema político que mais estava em pauta no Japão dos fins do sécu-lo XIX. Somente em 1875, o Japão firma o primeiro tratado com uma potência es-trangeira em pé de igualdade com a Rússia. A assinatura do Tratado de Amizade e Navegação com o México, em 1889, marca o início do processo de universalização da política externa japonesa. Dentro desse processo, a chancelaria japonesa embu-tiu a filosofia de abertura universal, de forma que o Japão deveria, além de revisar os tratados desiguais com as potências imperialistas do Ocidente, buscar firmar tra-tados com outras nações.

No dia 5 de novembro de 1895, em Paris, o embaixador Gabriel de Toledo Pi-sa e Almeida, representando S. Ex. o Sr. presidente dos Estados Unidos do Brasil, Prudente de Morais, e o embaixador Sone Arasuke Jushii, representando Sua Ma-jestade, o imperador do Japão Meiji, mediante a assinatura de um documento com-posto de quinze artigos e lavrado em três idiomas, português, japonês e o francês, firmaram o início das relações diplomáticas e oficiais entre ambos os países. Até então, os dois países ignoravam-se.

Mas somente 13 anos após a assinatura desse tratado bilateral em Paris, no ano de 1908, o navio Kasato Maru chegava ao Brasil iniciando a saga dos imigran-tes japoneses na história do país. É importante ressaltar que, uma das doações que propiciaram a ampliação da Coleção Japonesa do Museu Nacional na primeira me-tade do século XX, vem justamente de emigrantes e filhos de emigrantes Japone-ses.

3.3 - A Coleção Japonesa

A formação das coleções do Museu Nacional nos séculos XIX e XX segue a tradição ocidental que de acordo com a concepção de Clifford (1988), as práticas de colecionamento, estão no ocidente, inteiramente ligadas ao processo de acumulação e preservação, onde através desses mecanismos, as culturas e tradições serão imortalizadas. Gonçalves resume esta questão da seguinte forma:

Nesses processos está presente uma determinada concepção da temporalidade, na qual a história é vista como um processo incontrolável de destruição, devendo as “culturas”, as “tradições”

serem “resgatadas”, “preservadas”, especialmente através do colecionamento e exibição de seus objetos [...]

(GONÇALVES,1998,p.10).

Berta Ribeiro (1989, p. 111), também analisa esse colecionamento do século XIX, e expõe que este não passa de uma forma de apropriação da memória e da tradição alheia, onde a preocupação maior dos colecionadores era o de abarcar um grande número de produtos culturais exóticos, ou seja, de culturas extintas, colonizadas e outros, preservando-os para as gerações futuras.

As doações de peças provenientes de lugares diversos não se encerraram no século XIX. Ao longo de todo o século XX e até hoje o Museu Nacional recebe e coleta vários objetos, formando ou dando continuidade às riquíssimas coleções que podem ser definidas segundo o historiador e filósofo Pomian como:

[...] todo conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito de atividades econômicas, submetidos a uma proteção especial em um local fechado preparado para esta finalidade, e exposto ao olhar (POMIAN, 1987, p.18).

Segundo Berta Ribeiro, aproximadamente no final do século XIX e início do XX, começa uma preocupação com a documentação das coleções, onde nestas deveriam constar a denominação nativa do objeto, seu significado, uso, função e informações sobre seu histórico. A ausência destes requisitos pode ser notada no primeiro inventário do Museu Nacional datado de trinta de abril de 1838 e apresentado pelo, então, diretor Frei Custódio ao ministro do Imperador. Ladislau Netto, percebendo que neste documento não constavam objetos que ele conhecia, observou que:

[...] as listas fossem abreviadas, representando apenas agrupamentos de objetos, segundo os assuntos e não pròpriamente um catálogo completo. Não seriam, de certo, nem muito bem organizadas, nem tão pouco bem conservadas aquelas coleções.

(FARIA, 1949, p. 6)

Berta Ribeiro (1989, p.112) chama atenção para esse processo de sistematização das regras de colecionamento, que dava o mesmo grau de

importância tanto ao objeto quanto à sua documentação, contribuindo para dar mais status ao valor científico das coleções. Quando comenta que, por ignorarem as mais rudimentares normas de colecionamento, os acervos arqueológicos e etnográficos recolhidos ao Museu desde sua fundação, praticamente não possuem uma documentação.

No período de transferência das peças do Museu para a Quinta da Boa Vista em 1892, houve a perda de muitos objetos, não sendo possível na época e nem atualmente, avaliar o número de peças perdidas devido à parcial ou total falta de documentação. Estamos de acordo com Ribeiro quando destaca a necessidade e urgência para a renovação dos museus em apurar as técnicas de cadastramento, restauração, imunização e conservação das coleções, salientando que:

A ausência de uma metodologia destinada a uniformizar a catalogação das coleções, mediante um vocabulário controlado, criou uma situação caótica, impossibilitando a utilização dos dados acumulados em sucessivas catalogações efetuadas ao longo de décadas. (RIBEIRO, 1989, p. 120).

Dentro deste contexto, a Coleção Japonesa do setor de Etnologia do Museu Nacional é um exemplo do problema enfrentado pela instituição quanto à falta de uma documentação, e perda de informações relativas aos objetos tombados no século XIX, que, conforme podemos observar na lista no anexo I deste trabalho, carecem de informações mínimas e essenciais, como data de entrada e nome do doador.

3.4 - A identificação da Coleção Japonesa

Inicialmente, buscamos identificar os objetos relacionados à cultura japonesa, presentes nas coleções do setor de etnologia do departamento de Antropologia do Museu Nacional. Através dos livros de registro “Tombo” do setor, com o auxílio dos profissionais responsáveis. Obtemos como resultado 101 objetos.

Analisando a lista de objetos, e percebemos que estes apresentam caracte-rísticas distintas, optamos, então por dividí-los em dois grandes conjuntos:

 O primeiro conjunto englobando os objetos com número de tombo de 4898 a 6940, que denominamos “acervo do século XIX”. Composto por 51 objetos.

 O segundo conjunto englobando os objetos com numero de tombo de 18790 a 39547, que denominamos “acervo do século XX”. Composto por 50 objetos.

No primeiro conjunto que chamamos de acervo do século XIX temos 51 obje-tos, sendo que destes apenas quatro possuem registro da data de entrada e do do-ador, sendo certamente do século XIX; somente um possui data de entrada de 1904 ou 1905, e todos os outros 46 objetos não possuem data nem registro de doador.

Ainda neste conjunto encontramos o primeiro objeto relacionado no livro de numero 4898 com descrição: “colete acolchoado para esgrima – D. Pedro II – Japão (?)”.

Este registro foi especialmente importante neste trabalho, na medida em que ao citar D. Pedro II, nos suscitou a buscar a documentação que comprova se esta informação. A hipótese levantada inicialmente de que este colete teria pertencido ao imperador e talvez até mesmo ele o tenha utilizado25. Infelizmente, não se pode comprovar isso até o momento, persistindo a dúvida do que teria orientado o res-ponsável pelo registro no livro a colocar esta informação.

No entanto, esta busca nos levou a descobrir que: o primeiro livro de tombo, numerando de forma sequencial os objetos, teve seu termo de abertura lavrado em 1906, e que os objetos registrados neste livro, que deram entrada no Museu antes desta data, tiveram seus registros baseados em informações documentais, catálo-gos e, principalmente, o livro de registro anterior, que era geral a todas as seções do Museu, mas que não numerava os objetos. Este livro de registro é conhecido no Museu como “O Livro do Porteiro”26. Neste, o termo de encerramento se dá em 1892, ano que ocorre a transferência do Museu, do antigo prédio na Praça da Repú-blica para o Palácio na Quinta da Boa Vista.

Neste conjunto percebemos uma predominância de armas, como: espadas, punhais, armadura, assim como indumentárias identificadas como pertencentes a uma elite japonesa, objetos de alto valor monetário, de uma cultura oriental que só

25 Peça em estado de conservação precária aparentemente usada cujo registro de numeração a posi-cionaria aproximadamente na metade do séc. XIX o que seria compatível com a juventude do impe-rador.

26Este livro está sobre a guarda do arquivo histórico do Museu Nacional.

estabeleceria contato formal com o Brasil nos últimos anos do século XIX e de fato somente a partir de 1908 é que se dá o processo de imigração japonesa.

O artigo do jornal O País, de 06 de agosto de 1890, trazendo uma descrição do acervo do “Museu do Imperador”, onde aponta a existência de “armas modernas e antigas da Ásia” reforçam esta hipótese.

[…] relíquias de Herculano e Pompéia (as cidades que o Vesúvio soterrou). Estatuetas, hermas, caçarolas ou panelas, vasos, repuxos, trabalhos de cerâmica, de ferro e de bronze.

[…] armas modernas e antigas da Ásia e da África, yatagans recurvados dos ferozes guerreiros syrios e árabes, espadas e punhares de aço legítimo de Damasco, escudos e elmos. Ain-da a gente islamita figura no museu pelos seus instrumentos de música civil e militar> A história e a civilização da América ali tem conspícuo lugar, desde os Incas até os nossos dias. A anthropologia indígena tem objetos de estudos nas múmias e nas igaçabas, nos corpos e nas cabeças mumificadas ou pelo tempo ou pela arte. Há ali uma cabeça de guerreiro mumifica-da e tão reduzimumifica-da, que parece a de uma criança (DANTAS 2007, p 222).

Ao tratar do Museu do Imperador Dantas (2007, p.218), diz que os objetos encontrados no prédio no processo de mudança, foram apropriados pelo Museu Na-cional e resignificados pelos diferentes departamentos da instituição. Mas alguns departamentos não fizeram menção ao pertencimento anterior, registrando os obje-tos apenas por suas descrições intrínsecas.

A manifestação do Imperador, quando afirma a intenção de que o acervo de objetos etnológico e arqueológicos do seu museu fosse entregue ao Instituto Históri-co e GeográfiHistóri-co Brasileiro - IHGB. Pode ter sido a razão da omissão das informa-ções no livro de Tombo, pois o Imperador quanto indagado por seu procurador quan-to ao destino que deveria ser dado ao acervo de seu Museu particular, respondeu ao seu procurador em 8 de junho de 1891:

O meu Museu dou-o também ao Instituto Histórico, no que tenha re-lação com a Etnographia e a História do Brasil. A parte relativa às sciencias naturaes, e à mineralogia sob o nome de Imperatriz Leo-poldina,como os herbários, que possão, ficar no Museu do Rio27(DANTAS, 2007, p.218).

27MI.CI.SC, I-DAS, 08.06.1891-PII.B.c.

Essa estratégia de omissão de informações nos registros de tombo, também, foi apontada por Nascimento (2009, p.67) quando o mesmo ocorre com objetos des-tinados ao IHGB, que foram incorporados as coleções do Museu.

[...] torna-se complexo explicar o apagamento de documentações fartas como o das coleções Dias, Comissão do Madeira e Couto Magalhães, não só quanto a colecionadores, como quanto a datas é rara a presença de datas nos dados de tombamento, [...] Raimun-do Lopes79 em seu trabalho sobre a coleção de Dias justifica o

“apagamento” das informações no livro de tombo referindo-se a perda de referencial para a leitura de etiquetas pregadas ás peças, e usando uma etiqueta colada á peça da coleção Dias com os dize-res: “E. 97, IHG” para apontar o quanto essa pista, IHG (destinada ao Instituto histórico e geográfico), demorou a ser lida pelo pró-prio.[...] em verdade o conhecimento de vários aspectos das cole-ções ficavam restritos ao conhecimento de poucos e ao folclore oral de muitos [...] (NASCIMENTO, 2009, p.67).

A Portaria de 07 de novembro de 189428, do diretor do Museu Nacional, determinando aos diretores das Seções que procedessem ao inventário dos objetos existentes no museu do ex-imperador, selecionando o que deveria figurar nas coleções da instituição e que fossem registrados nos livros das Seções, confirma a presença de objetos do museu do imperador no prédio do Palácio já ocupado pelo Museu Nacional

Apesar de termos nos limitado a analisar os objetos da coleção japonesa, ao consultar os livros de Tombo, percebemos a presença de diversos outros objetos estrangeiros, com numeração e características de registros semelhantes a dos japo-neses (sem data de entrada e doador), e também posicionados com números de registro que seriam do século XIX. E, em pelo menos um caso, encontramos docu-mento no arquivo histórico do Museu, onde se informa à direção do museu a respei-to de solicitação de informações e imagens sobre uma peça do acervo, (um instru-mento musical indiano), onde é citado que o mesmo teria sido parte do espólio do imperador. Esta peça possui numeração dentro da sequência que compõe parte do acervo do Japão, e neste caso, com certeza é do século XIX, também tendo sido registrada sem a data de entrada e sem o doador.

28 BR MN MN. DR CO, AO. 5314.

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