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AGRICULTURA FAMILIAR

4.2.3. Análise da cooperativa “Calmañana” e do coletivo “Paso a Paso”

4.2.3.2. Coletivo “Paso a Paso”

O coletivo “Paso a Paso” apresenta, como intenção principal para se associarem a Toronjil, a necessidade de desenvolver um espaço onde compartilhar, discutir e gerar ações sobre a AF e a produção agroecológica. Baseado em uma concepção de promover e praticar relações harmoniosas entre as pessoas e com a natureza. Uma intenção que permite que se fortaleçam como agricultores familiares, ao mesmo tempo que promove a consciência de classe, trazendo a possibilidade de construção de um modelo próprio de fazer e compreender o mundo. Neste aspecto, se associa com aquilo que diz na CRS de Martins de Carvalho (2013), quando propõe mudanças na matriz cultural e na concepção de mundo, que permite uma construção de identidade e resistência. Neste aspecto, se visualiza uma práxis (prática, concepção e reflexão de mundo) em que as pessoas assumem resistir ativamente, mudando as práticas de consumo e de produção (Martins de Carvalho, 2013).

Em relação à intencionalidade para se associarem ao coletivo “Paso a paso”, ela se refere à possibilidade de compartilharem os meios de produção, de modo a poder produzir, consumir e comercializar alimentos orgânicos. Desta maneira, segundo integrantes do coletivo, é possível ter e promover uma vida mais saudável. “Hay como todo, cierta utopía de poder

producir más sanamente… no ese tipo de producción convencional y hegemónica...” (ENT. 1). Em ambas as

intenções, observa-se as rupturas instauradas na relação com os processos associativos, que significam desafios para o desenvolvimento da experiência associativa que passa por processos de tensões entre as rupturas que se geram e o contexto no qual se insere. Trata-se, então, de aspectos que permitem questionar e compreender a realidade de modo a transformá-la, possibilitando a reprodução social da AF e a geração de estratégias de sobrevivência.

Outro item a se considerar é o das relações de trabalho, que está vinculado à força de trabalho. No coletivo “Paso a paso”, a mesma se apresenta segundo a produção e comercialização de alimentos, gerando, em cada etapa, diferentes relações de trabalho e condições para a AF. Na etapa de produção, a mão de obra se combina entre trabalho associativo e assalariado. Enquanto que na comercialização, o trabalho é apenas associativo. Neste aspecto, é possível notar contradições presentes dentro das etapas da cadeia produtiva. Por um lado, os processos associativos e por outro a compra de força de trabalho, que geram relações de trabalho diferentes nas quais se estabelecem tensões entre os processos autogeridos e as relações da economia capitalista.

O trabalho associativo gera rupturas com as formas capitalistas e permite que não se estabeleçam relações com o mercado de compra e venda da força de trabalho. Portanto, não se geram excedentes, o que cria melhores condições de reprodução da AF. A contratação de mão de obra assalariada gera um vínculo permanente com o mercado de trabalho, esta mercantilização favorece a transferência de excedentes, em detrimento da reprodução dos agricultores familiares. Tal vínculo gera relações de trabalho próprias da economia capitalista que se colocam em

jogo com outras relações que surgem nos processos associativos. Há uma tensão entre as possibilidades de desenvolvimento da experiência associativa que promove uma transição até as rupturas estabelecidas e a relação de assalariamento dentro do coletivo no qual se reproduzem as relações de trabalho-capital. Cabe destacar que existe outro vínculo entre o coletivo e o mercado de trabalho, a partir da venda de força de trabalho de integrantes do coletivo. Isso leva, por um lado, a terem fonte de renda externa, o que permite diminuir o vínculo com o mercado de produtos e com a geração de excedentes, em favor da resistência destes AF. E, por outro lado, leva ao fato de disporem de menor tempo de trabalho dentro de seu sistema produtivo, se reduzem as possibilidades de incidirem e decidirem sobre a produção. Deve-se considerar também que, ao trabalharem fora de seu estabelecimento, é gerada uma diminuição da forma de trabalho interna. Tensão entre o trabalho dentro e fora do projeto produtivo que pode levar à proletarização dos trabalhadores, em detrimento de à reprodução social da AF.

Nesta experiência se apresenta ainda outra fonte de renda externa através das prestações sociais – aposentadoria; este componente permite diminuir a necessidade de obter este dinheiro através da venda de produtos. Neste sentido, espera-se que diminua o vínculo com o mercado de produtos e, como sua consequência, que se diminua a geração de excedentes, favorecendo a resistência através de ações que permitam construir um projeto de superação das dificuldades que possa satisfazer as necessidades das famílias destes agricultores59

Em relação ao vínculo com o mercado de produtos, cabe destacar que nesta experiência associativa se prioriza a produção para o autoconsumo, e a comercialização se faz em menor grau. Os canais onde se colocam os produtos se caracterizam por ser, principalmente, diferente dos convencionais. Neste sentido, a geração de excedentes através do vínculo com o mercado de

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produtos é pouco relevante, o que repercute em maiores benefícios para os agricultores. Este fator contribui com as possibilidades de sobrevivência da AF, assim como acontece com os ganhos de renda exteriores que se geram através da venda de mão de obra e das aposentadorias, aspectos considerados por Piñeiro (2005) como favoráveis à resistência deste extrato social.

Ao analisar o vínculo com o mercado de terra, a forma de aquisição da mesma é a propriedade. Como se mencionou, para a cooperativa “Calmañana”, pelo fato de pertencer aos seus proprietários, traz consigo um fator de produção fundamental para a AF, principalmente no atual modelo de produção agrícola, já que isso coloca estes AF em posição de maior estabilidade. Desse modo, esta condição favorece a sobrevivência dos integrantes deste coletivo no meio rural através da produção em terras próprias. Cabe mencionar que este fator também contribui com a estabilidade (relativa) dos processos associativos, ao considerar o alcance dos mesmos dentro da economia capitalista. A condição de ter resolvido, por meio da propriedade, a questão com o mercado de terras é considerada um aspecto favorável para o desenvolvimento dos referidos processos.

Em relação ao vínculo com o mercado de insumos, no coletivo “Paso a paso”, é preciso mencionar que, por tratar-se de um empreendimento baseado na produção orgânica, entre outros fatores, se minimiza a incorporação de insumos externos ao sistema de produção. Esta forma de produção, junto com o trabalho associado que predomina dentro do coletivo, permite criar mecanismos de troca de insumos que contribuem na diminuição da dependência com o mercado e com a geração de excedentes, em favor da AF.

No que diz respeito à relação com o mercado de dinheiro, atualmente o coletivo “Paso a Paso” não conta com créditos. Neste sentido, nota-se um mecanismo que contribui com a desmercantilização, o que diminui as relações de dependência com o mercado convencional, o que vem a favorecer a sobrevivência da AF em meio rural.

Por último, na experiência associativa do coletivo “Paso a Paso”, o único vínculo com o Estado se apresenta através do

pagamento de impostos. Por ser uma experiência na qual a terra é propriedade de uma das famílias integrantes, a geração de excedentes – obtida por meio desse vínculo não é considerada como um ‘excedente do coletivo’.