• Nenhum resultado encontrado

Comentário: Luís Máximo dos Santos

As minhas primeiras palavras são para agradecer ao Professor Paulo Pitta e Cunha e ao Professor Jorge Braga de Macedo o convite para aqui estar. É uma honra e um privilégio compartilhar esta sessão com tão ilustres académicos e personalidades, que há muito me habituei a ler e a admirar.

Na verdade, quase que me sinto a fazer um exame oral na presença do Professor Pitta e Cunha e do Professor Paz Ferreira... Deixem-me dizer-vos,

no entanto, que o tempo em que fui aluno de ambos na Faculdade de Direito foi para mim um tempo muito feliz. E não foi só por ser jovem e ter toda esperança inerente. O meu curso (1979-84) correspondeu a um momento muito especial, muito positivo, na vida da Faculdade. Foi um tempo de reconstrução dessa grande Instituição após o que se seguiu ao 25 de abril de 1974. Havia um grande espírito de liberdade, de convívio plural de ideias e de linhas de ensino diferentes, mas de grande qualidade, o que foi extraordinário. Assistia-se à recuperação do prestígio da Faculdade, num ambiente de diversidade e com uma pedagogia nova, designadamente a que resultava da institucionalização da avaliação contínua.

Indo agora direto ao tema da nossa sessão: se eu estivesse perante um tribunal e o juiz me perguntasse - confirma que na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa se estudava Macroeconomia? - a resposta seria, indubitavelmente, sim, confirmo. Socorro-me desta imagem para testemunar como, de facto, assim foi. Estudei política macroeconómica enquanto estudante na licenciatura e no Mestrado e, mais tarde, no período em que fui docente, o qual, evidentemente, me obrigou a estudar muito mais...

Graças ao trabalho da Comissão da Reestruturação, presidida pela Professora Isabel Magalhães Collaço, mas em que o Professor Paulo Pitta e Cunha foi determinante quanto à estruturação da área jurídico-económica, tive sete disciplinas que versavam temas económicos, num total de vinte e nove, a saber: Economia Política I, II e III, Finanças Públicas I e II, Economia Portuguesa e Direito Internacional Económico. Para mim, foi extremamente positivo, visto que pertenço a uma das últimas gerações de portugueses que fez o Curso Geral do Comércio e, depois, o Curso Complementar de Contabilidade e Administração. Como as regras então vigentes não davam acesso direto, fiz as disciplinas que me faltavam e – claro - o Ano

Propedêutico (que era leccionado pela... televisão!) e “fui para Direito”, o que foi das decisões mais acertadas da minha vida.

Ao ingressar na Faculdade beneficiei da vantagem comparativa do estudo que trazia das matérias económicas. Mas na Faculdade as disciplinas de raiz económica eram extraordinariamente apelativas e de excecional qualidade. O que se devia, evidentemente, aos professores, e por isso dizia há pouco que foi um tempo muito feliz: ter a ocasião de beneficiar do ensino de personalidades de saber extraordinário, grandes Mestres, como o Professor Paulo Pitta e Cunha, o Professor Sousa Franco, o Professor Eduardo Paz Ferreira, o Professor Pedro Soares Martinez é algo que fica para sempre. Mas existia todo um legado que extrvasava os muros da Faculdade: os trabalhos do Professor Sousa Franco (por exemplo, o Manual de Finanças Públicas) e do Professor Paulo Pitta e Cunha (por exemplo, a tese de doutoramento e os textos sobre integração monetária) eram lidos muito para além do universo dos estudantes universitários de Direito. Graças, sobretudo, ao Professor Paulo Pitta e Cunha matérias como a união europeia de pagamentos, o acordo monetário europeu e os fundamentos da integração monetária, eram dadas com detalhe, alicerçando assim bases fundamentais para outros temas.

Muitos outros professores e estudiosos, mais jovens, através de percursos próprios, se afirmaram no contexto desse enorme legado, como foi o caso, por exemplo, dos Professores Alberto Xavier e Jorge Braga de Macedo. Gostaria, aliás, de dizer aqui que, naquela época, os trabalhos do Professor Jorge Braga de Macedo eram muito lidos na Faculdade, não só os relativos às questões do sistema monetário europeu e internacional, mas também outros: para pensar sobre esta sessão, ainda ontem fui à minha estante e encontrei o seu trabalho sobre a dívida externa portuguesa, editado como

Caderno de Ciência e Técnica Fiscal, número 94, se a memória não me

falha...).

O final dos anos 70 e a primiera metade dos anos 80 do século passado correspondem a um tempo em que a Faculdade procurava recuperar o lugar que tinha tido, sem deixar de se abrir aos novos tempos, para o que muito contribuiu o excelente plano de estudos.

Em certo sentido, foi um período (re)fundador, de modernização, dominado pela abertura de espírito e a pluralidade de ensino do ponto de vista das matérias e da sua apresentação.

O pensamento keynesiano e os mecanismos da política macoreconómica eram estudados, através de fontes diretas e indiretas, bem como os ciclos económicos, as políticas de estabilização, entre muitos outros. Vários manuais de referência de grandes economistas americanos eram estudados. Contudo, este período foi já de refluxo do keynesianismo, pelo que a crítica do seu pensamento era igualmente objeto de estudo, fosse através da apreciação crítica da curva de Phillips ou pelo ensino do pensamento da escola monetarista. O Keynesianismo era, de facto, ensinado, mas não como uma doutrina indiscutível. Também se fazia a sua crítica, também se ensinavam outras doutrinas.

Isso foi extraordinariamente enriquecedor e constituiu para mim uma lição, no sentido em que mais tarde, procurei, como docente, seguir esse exemplo. Paradoxalmente, talvez hoje essa diversidade – em especial, se calhar, nas faculdades de economia, se tenha perdido um pouco. Por exemplo, afigura-se-me por vezes negligenciada a importância no ensino da economia da história do pensamento económico. De facto, hoje, em muitos casos, ensina-se economia como se não houvesse ontem, o que é empobrecedor. A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa conseguiu,

creio, encontrar nessa época o equilíbrio certo do ensino da economia, que talvez se tenha perdido um pouco, a partir de certa altura, conforme já foi aqui assinalado. Mas, sobretudo após a crise financeira global, está a dar-se de novo relevo à dimensão institucional da economia, à sua valorização como ciência humana, como ciência social, o que só pode ser visto como algo positivo.

Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa