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Não há dúvidas de que uma das maiores conquistas sociais da segunda metade do século XX em quase todo o mundo em desenvolvimento foi a redução da morta- lidade em todas as idades. Isso resultou no aumento da esperança de vida em todas as faixas etárias ou, mais precisamente, no fato de mais e mais pessoas atingirem as idades avançadas. Essa tendência acontece em paralelo à entrada no grupo etário que se convencionou chamar de idoso de coortes populacionais nascidas num regime de fecundidade elevada e de redução da mortalidade. Ou seja, são os baby boomers que se beneficiaram da redução das taxas de mortalidade por doenças infecto-contagiosas na primeira infância, da mortalidade materna, da mortalidade na meia-idade e nas idades adultas e avançadas, e estão se tornando os elderly boomers. Uma das possibilidades tidas como certas que se podem vislumbrar para o futuro próximo é o crescimento, a taxas elevadas, do contingente de idosos vivendo mais tempo.

O que se procurou chamar a atenção, neste capítulo, não foi apenas para o crescimento acentuado de um segmento populacional considerado inativo ou dependente, mas para o fato de isso ocorrer simultaneamente a um encolhimento do segmento em idade ativa ou produtiva. Assim, refletir nas perspectivas de renda para os idosos do futuro é pensar, entre outras coisas, no financiamento da previ- dência social. Trata-se de uma questão não equacionada. Do ponto de vista do financiamento, mais do que a PIA, o que na realidade importa é a população que está realmente participando do mercado formal de trabalho. Esta depende da primeira e, também, da dinâmica do mercado de trabalho. Ao contrário dos países desenvolvidos, a baixa taxa de formalização parece ter um impacto maior na equação fiscal da previdência social, do lado das receitas, do que a dinâmica demográfica. Além das mudanças demográficas, outras mudanças sociais e culturais estão em curso, que afetam principalmente as mulheres. Estas vivenciaram os grandes ganhos na escolaridade e entraram maciçamente no mercado de trabalho. Fizeram a revolução na família, casaram-se, descasaram-se, recasaram ou não e casaram novamente, tendo menos filhos. O não casar e o não ter filhos também passaram a ser opções. O sistema de previdência vigente ainda se baseia no modelo de família, em que o homem é o provedor e a mulher a cuidadora. Essa estrutura tem levado a que 12% das mulheres de 60 anos e mais recebessem em 2005 tanto o benefício da aposentadoria, pelo seu trabalho, quanto a pensão por morte. Isso também

pode acontecer para os homens, mas, dada a baixa proporção de viúvos, a referida proporção não atingiu 2%.

As perspectivas que se colocam para o médio prazo são de uma certeza da continuação nos ganhos em anos vividos e no crescimento da população idosa, demandante de benefícios previdenciários. Por outro lado, predomina uma incer- teza quanto à possibilidade de renda para os idosos do futuro. É difícil acreditar que as tradicionais maneiras de financiar a seguridade social serão suficientes para lidar efetivamente com a população idosa do futuro num contexto de crescente informalização da economia. Não parece que as reformas recentes serão capazes de resolver o problema de financiamento do sistema e garantir a proteção social para eles. Parte expressiva da geração dos idosos do futuro já vivencia os efeitos da flexibilização do mercado de trabalho e do “engessamento” da previdência social, o que comprometerá a sua aposentadoria mais adiante. De um exercício simples feito neste trabalho, pode-se deduzir que dificilmente a assistência social poderá gerar renda para esse segmento elevado da população, hoje desempregado e/ou no setor informal, quando perder a sua capacidade laboral. Não há dúvidas de que um dos pontos centrais de uma política de previdência social continua sendo o de estimular o aumento da cobertura da atual força de trabalho, mas levando-se em conta a situação de retração do emprego e de informalização generalizada.

Embora o crescimento econômico seja uma condição necessária para a in- serção da PIA no sistema previdenciário, não parece ser suficiente. Mesmo que a economia passe a experimentar taxas de crescimento significativas e sustentadas e possa absorver contingentes populacionais relativamente maiores, pode-se esperar que ainda haverá uma proporção expressiva de trabalhadores com inserção precária no mercado de trabalho (trabalhadores sazonais, autônomos, domésticos sem carteira assinada etc.). Portanto, uma das alternativas sugeridas é uma forma de contribuição sazonal (única ao longo do ano), que seja compatível com o trabalho sazonal, por exemplo. Outra é a redução do percentual da contribuição do trabalho autônomo.25 Além disso, não se pode deixar de pensar na ampliação da rede de cobertura de benefícios não contributivos, financiados com impostos gerais, para aqueles que de maneira alguma conseguiram ou conseguirão um histórico de contribuições.

Do lado das despesas, outras estratégias podem ser pensadas. Considerando-se o aumento da esperança de vida nas idades avançadas, as melhorias nas condições de saúde da população idosa e a recente preocupação com o “envelhecimento

25. Assume-se que 20% sobre 1 salário mínimo (SM) é um valor muito alto para os trabalhadores de baixa renda, o que funciona como um desincentivo à contribuição. A Lei Complementar 123, sancionada em 12/02/2007, criou um regime especial de contribuição previdenciária com renda de até 1 SM, definindo alíquota de contribuição de 11%.

saudável”, a manutenção do trabalho por um número maior de anos na ativa é uma alternativa a ser pensada. Isso pode ser atingido com o adiamento da idade mínima à aposentadoria. Nos países da OCDE, cujas populações são mais envelhecidas, foram empreendidas várias políticas voltadas para a redução dos desincentivos para o trabalho e para o aumento da flexibilidade na decisão trabalho- aposentadoria. Acesso a trabalho em tempo parcial e desenvolvimento de arranjos de trabalho mais flexíveis são algumas das possibilidades já em prática (OECD, 2006), o que de alguma forma foi contemplado nas duas últimas reformas, e com uma política de saúde ocupacional para reduzir as aposentadorias por invalidez.

A inserção crescente das mulheres nas atividades econômicas fará com que, num futuro próximo, mais mulheres passem a receber o benefício devido ao seu trabalho/contribuição. Isso pode resultar, de um lado, no crescimento da proporção de mulheres recebendo duplo benefício. Por outro, as mudanças nos arranjos fa- miliares, especialmente na nupcialidade (separações), e essa maior inserção no mercado de trabalho podem resultar numa redução da demanda por pensões por morte. Isso tudo aliado à queda da fecundidade, ou melhor, da maternidade, im- plica repensar a estruturação dos sistemas de previdência social. É algo que requer uma reflexão sobre as formas (tempo, alíquota) de contribuição, os tradicionais benefícios (duplo ou não), o valor das pensões por morte (igual ao benefício do cônjuge ou não) e sua readaptação à nova realidade das famílias com mais de um provedor, das mulheres que, mesmo casadas, não têm filhos etc. Não se pode deixar de considerar que o novo papel da mulher implica a redução da sua dispo- nibilidade para o cuidado dos membros vulneráveis e dependentes das famílias (crianças, idosos e portadores de deficiências), o que gerará demandas por novas políticas públicas.

Em síntese, não se pode ignorar que a demanda por benefícios da seguridade social, sejam contributivos ou não, tende a crescer no médio prazo e, na ausência de mudanças, acentuará o desequilíbrio financeiro da previdência social, inviabilizando o seu atendimento. Por outro lado, não parece existir uma solução simples, fácil e sem custos para essa questão. Tal solução deverá ser uma decisão política que leve em conta as prioridades da sociedade, bem como os resultados não esperados da ampliação da cobertura da seguridade social pela Constituição de 1988 na redução da pobreza dos idosos e de suas famílias.26 O que se espera é que a prioridade seja dada ao bem-estar da população como um todo. E que a grande conquista social, que é o envelhecimento populacional, não traga embutida a sua falência.

26. Para o assunto, ver Delgado e Cardoso (1999; 2004), Barros, Mendonça e Santos (1999), Beltrão, Camarano e Mello (2005) e Camarano (2004).

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE

TABELA A.1

Taxas de crescimento da população idosa brasileira projetada eliminando as causas de morte consideradas evitáveis por sexo

Período Homens Mulheres Total

2000-2005 3,06 3,35 3,22 2005-2010 3,75 3,79 3,78 2010-2015 4,03 4,08 4,06 2015-2020 4,24 4,22 4,23 2020-2025 4,25 4,20 4,22 2025-2030 3,95 3,92 3,93

Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Elaboração: Ipea.

TABELA A.2

População brasileira por idade e sexo

2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030 Homens 55-59 2.585.244 3.210.020 3.796.789 4.495.411 5.155.044 5.456.540 5.797.951 60-64 2.153.209 2.363.061 2.939.174 1.242.381 4.158.749 4.789.462 5.090.228 65-69 1.639.325 1.891.844 2.085.621 2.614.881 3.132.045 3.749.488 4.342.273 70-74 1.229.329 1.360.309 1.585.929 1.766.547 2.236.904 2.701.986 3.258.978 75-79 780.571 935.783 1.052.965 1.242.381 1.399.730 1.791.120 2.183.668 80 e + 731.350 1.028.619 1.387.199 1.736.383 2.136.062 2.554.375 3.161.694 60 e + 6.533.784 7.579.616 9.050.888 10.855.647 13.063.489 15.586.430 18.036.842 65 e + 4.380.575 5.216.556 6.111.714 7.360.192 8.904.740 10.796.968 12.946.614 Mulheres 55-59 2.859.471 3.522.825 4.262.460 5.080.141 5.868.987 6.220.008 6.599.509 60-64 2.447.720 2.712.788 3.355.528 4.074.228 4.871.753 5.646.903 6.001.700 65-69 1.941.781 2.262.101 2.521.555 3.136.544 3.827.909 4.588.131 5.340.229 70-74 1.512.973 1.724.442 2.028.868 2.280.150 2.858.250 3.487.988 4.208.212 75-79 999.016 1.276.306 1.494.603 1.774.236 2.009.934 2.514.870 3.094.462 80 e + 1.100.755 1.483.689 1.984.125 2.520.124 3.135.227 3.784.723 4.669.658 60 e + 8.002.245 9.459.326 11.384.679 13.785.282 16.703.073 20.022.615 23.314.260 65 e + 5.554.525 6.746.538 8.029.151 9.711.054 11.831.320 14.375.712 17.312.560 Total 55-59 5.444.715 6.732.844 8.059.249 9.575.552 11.024.030 11.676.549 12.397.459 60-64 4.600.929 5.075.849 6.294.702 7.569.682 9.030.502 10.436.365 11.091.929 65-69 3.581.106 4.153.944 4.607.176 5.751.425 6.959.954 8.337.618 9.682.502 70-74 2.742.302 3.084.751 3.614.797 4.046.698 5.095.154 6.189.974 7.467.190 75-79 1.779.587 2.212.090 2.547.568 3.016.617 3.409.663 4.305.990 5.278.130 80 e + 1.832.105 2.512.309 3.371.324 4.256.507 5.271.289 6.339.098 7.831.351 60 e + 14.536.029 17.038.943 20.435.566 24.640.929 29.766.562 35.609.045 41.351.102 65 e + 9.935.100 11.963.094 14.140.864 17.071.246 20.736.060 25.172,680 30.259.173

Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Elaboração: Ipea.

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