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PARTE II – GUERRAS DE MEMÓRIAS DO 50 ANOS DO GOLPE NOS ESPECIAIS DO JORNALISMO DIGITAL

5. UM GOLPE PARA ALÉM DE MILITAR

5.3 COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE COMO AGENTE

Em 1979, é decretada a Lei n° 6.683 ou da Anistia, permitindo o retorno a todos os brasileiros exilados e condenados, embora não puna quem cometeu crimes políticos ou afins, desde três anos antes do golpe, sejam eles militares ou militantes presos e perseguidos. Até hoje, somente os torturados foram naturalmente punidos sem nenhuma justiça ou possibilidade de defesa, enquanto os torturadores estão impunes, não podendo ser julgados devido à Lei da Anistia ampla e irrestrita, e em paz, vivos ou mortos. De acordo com Machado (2014), junto com os crimes contra os direitos humanos promovidos pelos militares, os erros crassos dos veículos jornalísticos também não deveriam prescrever, especialmente se cometidos por ideologia ou apuração duvidosa. 50 anos depois e a mídia ainda não foi punida ou julgada pelos seus crimes, poderiam começar por uma desculpa e uma manchete coletiva: “ERRAMOS”, ainda que isso não anule ou apague a tragédia de mais de duas décadas que ajudaram diretamente a estabelecer e a perpetrar.

Fonte: Bruno Maron (2014)

Em 18 de novembro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.527, de Acesso a Informações Públicas, e a Lei nº 12.528, para a criação da Comissão Nacional da

Verdade. Em 16 de maio de 2012, o Decreto nº 7.724 regulamenta as leis, sendo assinado pela presidenta e com a Comissão Nacional da Verdade devidamente instalada. Essas podem ser consideradas como memoriais, tornando-se, especialmente a última, reais agentes e atores nas guerras de memórias, juntas, em alguma medida, com a Lei n° 6.683 de 1979, nomeada Lei da Anistia, que concede perdão amplo e irrestrito a todos que cometeram crimes em decorrência de ideologia e política de 1961 até o dia de sua promulgação.

A Lei de Acesso a Informações Públicas visa pôr fim ao sigilo eterno de documentos públicos, estabelecendo o tempo máximo de 50 anos para que toda informação seja acessível por qualquer indivíduo, mesmo aquelas classificadas como ultrassecretas – existentes em três situações: ameaça à soberania nacional, integridade do território e risco às relações internacionais. A proposta, enviada ao Congresso Nacional ainda na gestão do presidente Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva, em 2009, padroniza o acesso a informações públicas no país, obrigando as instâncias federais, estaduais e municipais a disponibilizarem os documentos requisitados por todo cidadão brasileiro. Os estados e municípios tiveram 180 dias – desde a publicação da lei até o seu decreto de regulamentação – para estarem aptos a garantir o acesso a essas informações públicas quando solicitadas. Observa-se uma relação próxima desta lei com a Comissão da Verdade, tendo em vista que nenhum material contendo violações dos direitos humanos, inclusive os conteúdos da ditadura militar, deve ser mantido sob sigilo em nenhuma circunstância.

A Comissão Nacional da Verdade, por sua vez, investigou e tornou públicas as violações contra os direitos humanos de 1946 e 1988 cometidas pelos agentes do estado no Brasil. A primeira proposta para sua implantação foi realizada ainda no governo do presidente Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva pelo 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, em dezembro de 2009. Todavia, até sua aprovação no final de 2011, o texto teve várias transformações, sobretudo por causa dos militares, que exigiam a inserção dos atos da luta armada pelos movimentos de esquerda na averiguação da Comissão da Verdade e temiam um revanchismo e visão unilateral dos fatos.

Formada por sete membros nomeados pela presidenta Dilma Roussef, com advogados, escritores, ex-ministros, professores e psicanalista, produziram um relatório das violações descobertas ao final de dois anos, previsto para ser publicado em maio, mas adiado para dezembro de 2014, quando todas as suas atividades foram concluídas. A intenção era efetivar o direito à memória nacional e à verdade histórica, apenas no âmbito da investigação e divulgação dos dados, não tendo nenhum poder punitivo – nem sugestivo para punição. Durante os dois anos de averiguação, os integrantes tiveram acesso a todo documento e

arquivo em poder do estado, além de convocar para depor, mesmo que de modo não obrigatório, vítimas e suspeitos pelos crimes.

No dia 10 de maio de 2012, seis dias antes da instalação e efetivação da comissão, a presidenta revelou os seus sete integrantes: Cláudio Lemos Fonteles, procurador-geral da república de 2003 e 2005; Gilson Lagaro Dipp, Ministro do Superior Tribunal de Justiça de 1998 até 2014; José Carlos Dias, advogado e Ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso; José Paulo Cavalcanti Filho, advogado, escritor e Ministro da Justiça no governo de José Sarney; Maria Rita Kehl, jornalista e psicanalista; Paulo Sérgio Pinheiro, professor e pesquisador de ciência política da Universidade de São Paulo; e Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada, escritora e professora da Universidade Federal Fluminense. Fonteles renunciou em 17 de junho de 2013, sendo substituído por Pedro Dallari, advogado e professor da Universidade de São Paulo.

Em 10 de dezembro de 2014, a Comissão da Verdade publica seu relatório final em três volumes, sem nenhum poder punitivo, porém, com reconhecimento e reparação histórica das violências perpetradas pelos agentes oficiais do estado, sobretudo durante o período da ditadura militar. O relatório foi dividido em três volumes: o primeiro em 976 páginas, com cinco partes e 18 capítulos, sobre aspectos estruturais e conjunturais da Comissão Nacional da Verdade e, principalmente, dos períodos em que os crimes foram cometidos pelos agentes do estado, com seus métodos e práticas detalhados; o segundo, com nove textos temáticos em um total de 416 páginas; e o terceiro, com praticamente 2 mil páginas sobre os mortos e desaparecidos políticos. Foram divulgados as cassações, as prisões, os exílios, as torturas, os desaparecimentos, as mortes e as ocultações de cadáveres, além de identificadas as circunstâncias, as estruturas, as instituições e os locais relacionados às violações de direitos humanos, modificando, desta maneira, partes da história oficial encobertas pelos militares, no caso da ditadura de 1964 até 1985. Entre os dados principais, 434 civis foram desaparecidos e mortos e 6591 militares perseguidos, sendo 3340 da Aeronáutica e 2214 da Marinha, com 230 locais para essas violações, com 39 no Rio Grande do Sul e 38 no Rio de Janeiro.

O volume 1 trata, inicialmente da Comissão da Verdade, desde a sua criação até as suas atividades, ainda que a ênfase seja nos crimes contra os direitos humanos. A estrutura do estado e o histórico em que essas violações aconteceram são detalhados ao se apontar os locais, além das instituições e dos órgãos do estado que proporcionaram isso, com relações e conexões até internacionais, especialmente com os Estados Unidos. O relatório ainda detalha os métodos e as práticas empregados pelos agentes públicos, desde tortura, desaparecimentos, execuções e violências sexuais até crimes específicos contra crianças e adolescentes. Por fim,

alguns casos emblemáticos são apresentados, com um capítulo apenas para a Guerrilha do Araguaia, e a atuação do poder judiciário na época da ditadura militar.

O volume seguinte apresenta textos temáticos sobre essas violações dos direitos humanos ao relacionar: militares, trabalhadores, camponeses, igrejas cristãs, povos indígenas, universidades, homossexuais, além dos civis que colaboraram com a ditadura e daqueles que resistiram, com ênfase aos movimentos artísticos, culturais, estudantis, religiosos, sindicais e trabalhistas, além das censuras aos livros e, sobretudo, aos jornais e às revistas de caráter alternativo. Por fim, o volume 3 possui detalhes dos 434 desaparecidos e mortos desde 1950 por motivações políticas e ideológicas, com especial atenção ao período da ditadura militar, uma vez que apenas os 11 primeiros aconteceram antes do início do golpe de 1964. Nas quase 2 mil páginas, temos informações básicas como nome da vítima e de seus pais, data e local de nascimento e de morte ou desaparecimento, atuação profissional e organização da qual fazia parte, além de uma imagem da vítima. Com em média quase cinco páginas para cada desaparecido ou assassinado, o livro traz uma biografia, as informações sobre o crime até o início da Comissão da Verdade, as circunstâncias da morte, o local do desaparecimento ou da morte, a identificação da autoria após os trabalhos recentes de investigação, as fontes principais consultadas – além de documentos, foram ouvidas mais de 600 pessoas em mais de 100 audiências e sessões públicas, contando ainda a apresentação dos relatórios preliminares –, por fim, as conclusões e as recomendações da equipe.

No último capítulo do volume 1 do relatório, que identificou praticamente 400 agentes do estado envolvidos em alguma medida nesses crimes contra os direitos humanos, a Comissão Nacional da Verdade faz 29 recomendações para que violações desta natureza não ocorram novamente, entra as quais destacamos: reconhecimento pelas Forças Armadas de sua responsabilidade; julgamento criminal, civil e administrativo dos agentes públicos; proibição de eventos oficiais em celebração ao golpe e à ditadura; promoção da democracia e direitos humanos nos currículos das escolas civis, para crianças, jovens e adultos, e militares; desmilitarização das polícias estaduais; criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura; preservação das memórias dessas violações; abertura total dos arquivos da ditadura militar; prosseguimento das localizações e identificações das vítimas; além das mudanças e revogações de algumas leis, como a da Anistia e Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, conhecida como de Segurança Nacional.

A sétima recomendação exigia um posicionamento para correção dos óbitos e causas de morte das vítimas. Os presidentes Juscelino e Jango tiveram seus casos reabertos nesse período. A morte do Juscelino Kubitscheck ainda é uma controvérsia, uma vez que a

Comissão Nacional da Verdade publicou no relatório final que foi acidental, pois não há provas suficientes para afirmar e confirmar o inverso, enquanto a Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, da cidade de São Paulo, defende que os documentos que possuem já permite criminalização e responsabilização pelos agentes militares do acidente de carro que vitimou o presidente em 22 de agosto de 1976. O presidente João Goulart morreu em 6 de dezembro de 1976, na Argentina, vítima de um ataque cardíaco. Essa versão oficial, contudo, nunca foi completamente aceita. Em 27 de janeiro de 2008, uma reportagem (GOULART…, 2008) da Folha de S. Paulo traz uma entrevista com Mario Neira Barreiro, ex-agente do serviço de inteligência do governo uruguaio, ao revelar que Jango havia sido envenenado a pedido do governo brasileiro. A Comissão Nacional da Verdade, após fortes indícios de envenenamento de Jango pelos militares, solicita a exumação do seu corpo, que aconteceu em 13 de novembro de 2013. O resultado foi inconclusivo, tendo em vista que a substância já teria se deteriorado.

O desaparecimento de Rubens Paiva também esteve entre os casos investigados, uma vez que o deputado federal foi cassado logo após o golpe de 1964. A Comissão Nacional da Verdade revelou que o político foi assassinado no DOI-CODI do Rio de Janeiro e seu corpo jogado em um rio. A ocultação teve a participação de diversos militares na ação, como os já falecidos Júlio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do Doi-Codi do Rio de Janeiro, e o agente Antônio Fernando Hughes de Carvalho, além do coronel da reserva Raymundo Ronaldo Campos, que confessou a participação na ocultação do corpo, o coronel Ronald Leão e o major José Antônio Nogueira Belham, então diretor do DOI-CODI, que negou em depoimento a participação, uma vez que estava de férias, ainda que um documento do Ministério do Exército revele que cancelou as férias e recebeu diárias para uma viagem de caráter sigiloso no dia da morte de Paiva. O Ministério Público Federal denuncia ainda em 2012 quatro militares, além de Belham e Campos, os irmãos e ex-sargentos Jacy e Jurandyr Ochsendorf, adicionando, em 2014, o nome do coronel Rubens Paim Sampaio, ex-integrante do Centro de Informações do Exército.

A estilista internacional Zuzu Angel, mãe do militante Stuart Angel desaparecido e morto em 1971, faleceu em um acidente de carro na madrugada de 14 de abril de 1976. A versão oficial de acidente foi contestada inclusive pelos EUA em documento de 10 de maio de 1976, revelado apenas em 2013. Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do DOPS do Espírito Santo, publica um livro em 2014 em que confessa participação na morte da estilista e apresenta uma foto em que aparece o falecido coronel Freddie Perdigão Pereira próximo ao

suposto acidente. A imagem foi utilizada pela Comissão da Verdade como prova da ligação dos militares na morte de Zuzu Angel.

Em seu depoimento, o coronel reformado do Exército Paulo Malhães admitiu tortura, assassinato e ocultação de cadáver – inclusive de Rubens Paiva –, além de revelar que essas práticas eram de total conhecimento dos militares com alta patente. O ex-major do Corpo de Bombeiros Valter da Costa Jacarandá confessou que participou de torturas com choque elétrico e pau de arara. O escrivão de polícia de 1969 até 1978 Manoel Aurélio Lopes revelou que as torturas eram constantes no Dops e no DOI-CODI de São Paulo, com os presos forçados a se equilibrar em latas de leite e eletrocutados na “cadeira de dragão”. Outros dois militares bastante acessados pela Comissão Nacional da Verdade foi o major da reserva Sebastião ‘Curió’ Moura, sobretudo por causa dos seus documentos sobre a Guerrilha do Araguaia, que ajudou a aniquilar. Carlos Alberto Brilhante Ustra foi reconhecido como violentador em diversas ocasiões, chegando a ser condenado como sequestrador torturador em 2008. Durante seus depoimentos à Comissão da Verdade, grita e defende que as mortes aconteceram em combate e que não houve tortura, ao menos não com seu conhecimento.

O caso mais emblemático, entretanto, deve ser o do jornalista Vladimir Herzog, que se tornou o “marco da resistência política” (DIAS, 2015). Enforcado com o próprio cinto, morreu no DOI-CODI de São Paulo em 25 de outubro de 1975. A versão oficial de suicídio nunca convenceu ninguém, não só porque seus familiares e amigos relatarem que Herzog nunca demonstrou predisposição física e mental para tal ato, nem mesmo durante a prisão, mas tendo em vista ainda que estava com os joelhos no chão, impossibilitando o suicídio. Em 24 de setembro de 2012, o registro de óbito foi retificado, passando a constar que a “morte decorreu de lesões e maus-tratos”, explicitando ainda exatamente o local: “em dependência do 2º Exército-SP”, conforme pedido da Comissão Nacional da Verdade. A justiça reconheceu a culpa dos militares em sua morte, alterando a história oficial e realizando uma revisão desse recente passado trágico.

Em trabalho anterior (MARTINS; MOURA, 2014), verificamos de que maneira dois dos maiores jornais do país, Folha de S. Paulo e O Globo, posicionaram-se discursivamente sobre o caso da mudança de óbito do jornalista Vladimir Herzog, sendo um dos mais emblemáticos da ditadura militar e um dos primeiros acontecimentos a compor esse momento de reparação histórica ao se (re)discutir o passado recente mais controverso do Brasil. Antes dos trabalhos da Comissão da Verdade, a Folha de S. Paulo publicou “O instante decisivo”, em 05 de fevereiro de 2012, uma reportagem com Silvaldo Vieira, o fotógrafo da célebre imagem de Herzog morto.

O caso do jornalista Vladimir Herzog sempre pareceu interessar ao jornal de São Paulo. Dias (2015) aponta que o veículo não emitia opinião desde poucos anos após o início da ditadura militar, inclusive, suprimindo o espaço antes destinado ao editorial. Todavia, após um ato ecumênico em homenagem a Herzog, volta a publicar um texto opinativo, em 01 de novembro de 1975. O caso do jornalista ainda seria rememorado anualmente pelo jornal até 1981, relembrando a morte do jornalista em 1985, 1995 e 2005. Este engajamento fez com que o veículo publicasse 18 textos, no período de 2012 até 2014, nos quais Herzog aparecia como assunto principal, três vezes mais do que o jornal carioca. A Folha de S. Paulo assumiu posições claras e opiniões contundentes, enquanto O Globo produziu efeitos de sentido que buscam a objetividade, sobretudo com seus títulos informativos. O veículo de São Paulo criou uma narrativa na qual, além de enunciador, era também engendrador e partícipe da reparação e construção da história; a estratégia de legitimar o discurso das fontes era também uma forma de reforçar a sua credibilidade.

Esses processos de reconhecimento, revisão e reparação da história do golpe e da ditadura, mesmo que se intensifiquem nos últimos anos, existem e são manifestados ainda durante o período de repressão. O Grupo Tortura Nunca Mais, por exemplo, surge de forma clandestina ainda em 1976, três anos antes da Lei da Anistia, com a intenção de esclarecer os desaparecimentos e as mortes, além das torturas, daqueles que eram contra o regime autoritário e de fazer com que o estado se responsabilizasse pelos crimes dos seus agentes. Porém, foi apenas 11 anos depois da sua criação que o grupo foi registrado, sendo reconhecida a sua utilidade pública e passando a defender a legitimidade dos movimentos sociais de esquerda que combateram os militares, evitando a criminalização deles.

Em 1995, a Lei nº 9.140, dos Desaparecidos, foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para reconhecer oficialmente as prisões, os sequestros, os exílios, as torturas, os desaparecimentos e as mortes durante a ditadura militar como responsabilidade dos agentes do estado. A lei propiciou ainda a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos (CEMDP) que visava à investigação dessas violações com motivações ideológicas e políticas. Mesmo assim, essas vítimas eram identificadas a partir do trabalho dos familiares, não obrigando o estado a realizar essas pesquisas ou mesmo culpando os responsáveis. Após essas comprovações pelas vítimas e pelos familiares, o CEMDP indenizou mais de 300 pessoas.

A exigência por não apenas admissão, mas, principalmente, reparação da narrativa histórica, ampliou o entendimento de que se deve rever todos os resquícios da ditadura militar em nossa sociedade, com especial atenção para o movimento das alterações de nomes de

cidades, bairros, ruas, escolas, praças, pontes e demais espaços públicos, além da destruição de estátuas e de monumentos que homenageiem os militares e seus apoiadores. Durante as revisões conduzidas por comissões da verdade ou transições de regimes políticos, disputas e negociações emergem com as versões silenciadas do passado. Os lugares de memória passam a ser questionados e até destruídos – como a estátua de Stalin demolida em Praga e o engajamento no Brasil para a ressignificação dos lugares memoriais consagrados aos personagens repressores da ditadura militar.

Com base nos dados do Censo Escolar de 2012, o portal UOL aponta que 717 escolas no Brasil homenageiam presidentes da ditadura militar (RODRIGUES, 2014), das quais apenas 20 são privadas e 697 são públicas, com Castello Branco sendo o mais homenageado com 347 instituições em seu nome, Costa e Silva com 209, Médici com 120, Geisel com 23 e Figueiredo com 18 (ver Figura 6). Os estados do Nordeste da Bahia e do Maranhão possuem, respectivamente, 138 e 99 escolas em homenagem aos ditadores. Nomes da resistência como João Goulart e Vladimir Herzog têm, respectivamente, 27 e 3 instituições de ensino em seu nome. Getúlio Vargas, presidente do país em duas ocasiões, nomeia 336 escolas.

Fonte: Rodrigues (2014)

Antes dos 50 anos do golpe, o Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici, inaugurado em 1972 na cidade de Salvador, mudou seu nome no dia 14 de fevereiro de 2014 para Colégio Estadual do Stiep Carlos Marighella, segundo Ingrid Machado (2014), em homenagem ao principal guerrilheiro e opositor da ditadura, assassinado pelos militares em 4 de novembro de 1969. Até o momento da mudança, apenas duas escolas no país recebiam o nome de Marighella que, na instituição de ensino capital baiana, concorreu contra o geógrafo Milton Santos para a escolha da alteração do nome, vencendo com quase 70% dos mais de 400 votos de professores, funcionários, estudantes e pais dos alunos. Em 2015, o estado do Maranhão alterou o nome de dez instituições de ensino (NO MARANHÃO…, 2015). O governador Flávio Dino propôs o rebatismo das escolas estaduais que reverenciavam os presidentes militares, considerados pelo político como violadores dos direitos humanos, com o novo nome escolhido pelos membros da escola. Entre os homenageados estão: o poeta e músico Vinicius de Moraes, o pedagogo Paulo Freire e o ex-governador do estado Jackson Lago.

Em uma visita à cidade onde nasci, João Pessoa – nomeada em homenagem a um político e historicamente com manifestações que exigem sua alteração –, é possível captar