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CAPÍTULO I VIVÊNCIAS E ORIGEM DA PESQUISA: BRINCAR E JOGAR

CAPÍTULO 5 RESULTADOS E ANÁLISES: A APROPRIAÇÃO DO JOGO

2. Como aconteceu a apropriação do jogo de regras?

As transformações das práticas docentes só se efetivam na medida em que o professor amplia sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula e a escola como um todo.

Pimenta, 2008, p. 7.

Desde os primeiros encontros com a professora e com as crianças, tentei conter minha felicidade e empolgação diante de todos os momentos e descobertas junto deles, muitas vezes chegava a interferir nas jogadas. O entusiasmo não se findou. Senti

vontade de continuar pesquisando, pois a professora a cada encontro conhecia mais suas crianças e se envolvia na busca por novos desafios e também se via diante deles. Ela foi desenvolvendo a escuta das crianças durante as jogadas e se intrigava com o conhecimento que construíam (antes não observado atentamente) e que muitas vezes não era esperado, no entanto, havia espanto e alegria ao visualizar as elaborações matemáticas durante os jogos por ela apropriados.

Vários momentos de reflexão e aprendizagem ocorreram conosco. Percebo que o autoconhecimento, o pensar sobre o fazer pedagógico e a aceitação do imprevisível são primordiais para nosso avanço. A professora, com seu movimento, intrigava suas colegas, que nos observavam durante as entrevistas e iam conhecer os jogos e aos poucos se entusiasmavam por eles, inclusive, uma delas foi completamente mobilizada pela professora participante. Depois de terminar a pesquisa de campo, quase sempre ia à escola, assim, pude acompanhar seu entusiasmo durante as falas diante da nova abordagem junto das crianças. As duas professoras e seus alunos passaram a desenvolver atividades coletivas com jogos.

No entanto, no meio desse processo fascinante, tive de me afastar daquele ambiente para compreender e analisar as informações conseguidas a fim de tentar responder os questionamentos:

Como o professor se apropria do jogo de regras para desenvolver a aprendizagem matemática na criança? Ele adapta e produz novos jogos?

Como o professor acompanha a construção desse ser matemático durante as atividades com jogos?

Os jogos de regras participam do processo de avaliação por parte do professor? Como?

Desse modo, pesquisei o referencial teórico, principalmente em Brougère (1998a, 1998b, 2002), Grando (1995, 2000, 2004, 2007), Huizinga (1954), Kishimoto (1998, 2002, 2005), e Muniz (1999, 2001, 2006, 2008a, 2008b) no que diz respeito ao jogo, buscando outros autores importantes para articular as comunicações entre a criança, a aprendizagem e a formação docente.

A essa abordagem foi destinado o estudo de caso, propiciando o conhecimento da realidade em questão em seus vários aspectos e, a partir das informações advindas da pesquisa de campo, busquei organizar, analisar e interpretá-las.

Ao longo da investigação foi possível acompanhar o processo de seleção e apropriação dos jogos pela professora pesquisada para o favorecimento da aprendizagem matemática das crianças que, inicialmente, priorizava o divertimento, a

fixação de conteúdos desenvolvidos em sala de aula, sem o objetivo de observar como cada criança construía a matemática.

Com o desenrolar das atividades e de nossos encontros, ela foi se interessando em conhecer o processo, como cada uma delas construía e registrava seu pensamento, observava e mediava, percebendo o desenvolvimento, os avanços e dificuldades de cada uma; assim, além do divertimento e da fixação, houve a inserção de jogos para trabalhar conteúdos matemáticos novos.

Nos momentos de planejamento, que se tornaram mais reflexivos após cada encontro, a professora selecionava os jogos a partir dos seguintes critérios:

Interesse da criança: escolhia os jogos considerando as preferências das crianças: comidas, brincadeiras, cultura lúdica com situações simulando a vida real e objetos que gostavam de brincar como: dados, tabuleiros, cartas, piões, entre outros que compunham quase todos os jogos.

Tipos de conhecimentos matemáticos desenvolvidos pelo jogo (Apêndice 24): escolhia os jogos que envolviam desafios, conceitos que estavam sendo trabalhados com as crianças e conceitos novos, como multiplicação e divisão. Além disso, escolhia jogos com estrutura física e componentes diferentes, por exemplo, xadrez (batalha matemática), futebol (goleando a matemática) e ábaco (casa da matemática: em busca do ábaco perdido) que não foram explorados, já que somente ao final do jogo a criança era desafiada a resolver com ele e isso aconteceu unicamente com Bianca. Ela utilizou-o sem mediação por parte da professora, apenas contou somando as bolinhas, juntando uma quantidade em cima e outra embaixo e depois contando todas.

A adaptação e/ou produção de jogos pela professora acontecia em algumas situações específicas, afinal, não foram produzidos por ela e sim por alguns alunos do curso de Pedagogia da UnB. Sendo assim, os objetivos dos criadores de cada jogo não eram os mesmos de quem se apropriaria deles, no caso, a professora do 3o ano do

Adaptação do jogo: adaptava os jogos considerando seus objetivos com as crianças:

1. No caso do jogo “batalha matemática”, ela reproduziu mais um para que toda a turma jogasse simultaneamente.

2. Nos jogos “conte e ande” (Apêndice 9) e “aprendendo com as frutas” (Apêndice 14), retirou-se a marcação de tempo para que o jogador solucionasse a situação, sugerida por quem o criou.

3. Nos jogos “batalha matemática”, “jogo do sorvete”, “aprendendo com as frutas”, “conte e ande”, “patinhos na lagoa” e “quantos azulejos cabem na parede?”, a professora acrescentou o material dourado para desafiar as crianças a utilizá-lo da forma convencional. No caso, do jogo “casa da matemática: em busca do ábaco perdido” propiciou-se a manipulação do ábaco sem a mediação pedagógica e em nenhum outro momento foi disponibilizado esse recurso.

4. No jogo “patinhos na lagoa”, ela criou novas cartas com situações- problema acerca da subtração, pois o que estava elaborado não possibilitaria avanço para as crianças.

Imagem 13: Cartas elaboradas para o jogo “patinhos na lagoa”

Produção de jogo: criou o jogo “corrida da tábua” e suas regras, confeccionou-o, objetivando trabalhar a memorização da multiplicação. Ela inseriu relógio e ampulheta para marcar o tempo de resolução da operação multiplicativa de cada jogador na dupla, o que não ocorreu durante as jogadas, pois as crianças se envolveram tanto no ato de solucionar a operação que estes instrumentos foram esquecidos. A criança que teria que marcar o tempo do colega também se sentia desafiada, então, ficava pensando e ajudando-o a contar e assim esquecia essa marcação.

O processo de mediação pedagógica era concebido pela professora como intervenções junto às crianças com objetivo de acompanhar e auxiliá-las na resolução das situações e desafios matemáticos. Esse momento possibilitava apreciar o processo de aprendizagem, ou seja, como as crianças construíam seus conhecimentos, quais estratégias utilizavam durante as jogadas e resoluções e, além disso, conhecia em que deveriam avançar. Dessa forma, acompanhava como cada criança estava diante da matemática e poderia desenvolver atividades e estratégias para adiantar a aprendizagem, permitindo às crianças “brincar” com a matemática.

Retomando as idéias de Pozo (2002) quando enfoca que o professor deve ser quem pensa e quem se conscientiza das dificuldades de aprendizagem no sentido de ser

mediador, é necessário destacar que a professora ao longo da pesquisa foi tomando consciência de seu papel junto às crianças e se colocando como parceira. Ela não se eximiu do seu papel de mediadora, pois durante as jogadas das crianças estava quase sempre atenta às construções, provocando-as e oferecendo outras possibilidades de resolução dos desafios, por meio dos materiais concretos para manipulação já dispostos na caixa de jogo e outros acrescentados por ela. Ao disponibilizar outros materiais concretos para as crianças no momento de resolução, a professora mostrou compreender a riqueza propiciada por cada um deles no processo, além de desenvolver conhecimentos matemáticos que não estavam explícitos nas regras dos jogos. Por meio do jogo de regras, como é possível o professor desenvolver novas estratégias para ligar a elaboração do conhecimento matemático às outras atividades? Como o professor pode registrar a partir do jogo?

Ao longo desse estudo, foi possível constatar que os jogos se tornaram instrumentos de avaliação do conhecimento matemático. A professora permitiu conhecer como as crianças pensavam e resolviam as situações matemáticas. Esse processo gerou a reflexão acerca do fazer pedagógico dessa professora que percebeu a necessidade de presenciar, ouvir e dialogar com as crianças no momento das jogadas. Ela descobriu também que era primordial avançar e desenvolver atividades de registro a partir dos jogos. Afinal, os jogos estavam o tempo todo na fala e no brincar das crianças, desde a sala de aula, as cartas de jogo que circulavam escondidas da professora que ainda não havia considerado possibilidades a partir delas, o “Conselho das crianças”, abordado anteriormente, até as conversas durante as entrevistas realizadas no decorrer da pesquisa. E o processo de avaliação por meio do jogo de regras, como pode ser norteado?

Nota-se nesse estudo que existe um processo dinâmico em torno do jogo, de suas possibilidades e limites que carece de reflexão e principalmente informação para que possa tê-lo como estratégia criativa de produção do conhecimento matemático. O professor reflexivo revelou-se como aquele que ouve, pensa e reinventa seu fazer pedagógico, objetivando a troca entre as crianças e as possibilidades abertas por cada atividade proposta na escola. E, segundo Pimenta (2008, p. 23) “só a reflexão não basta, é necessário que o professor seja capaz de tomar posições concretas...”. O jogo de regras pode ser uma estratégia de grande valia no processo educacional, desde que concebido como facilitador, alargando as possibilidades de aprendizagem. O professor além de levar jogos de regras para a sala de aula, não poderia também desenvolvê-los junto às crianças?

Aprender por meio do brincar se torna agradável além de fazer parte da vida infantil. Tanto os jogos espontâneos e/ou de regras podem trabalhar a matemática com distração e divertimento, quanto possibilitar ao professor uma observação mais específica de como a criança matematiza. Foi desafiante trabalhar com jogos no contexto escolar e isso exigiu da professora um bom planejamento, organização e um olhar diferenciado sobre o brincar e o jogo na aprendizagem matemática; aprender matemática dessa forma pode ser muito divertido.

Como já destacado, ao pensar na formação de professores que atuam ou atuarão nos anos iniciais do Ensino Fundamental é extremamente importante destacar a relação do lúdico na constituição destes seres, além de propiciar maiores aproximações com o papel do brincar na escola, o que poderá trazer melhorias na qualidade educacional, bem como uma satisfação maior das crianças com o entusiasmo em aprender.

O lúdico, como já enfatizado, permeia toda a vida e consequentemente, podendo receber uma valorização no processo escolar. Porém, será que a formação inicial e continuada de professores oferece e discute momentos nos quais há um olhar sobre este aspecto da infância? Ao nos tornarmos adultos não brincamos, não jogamos mais, como podemos pensar essa relação entre o jogo e o conhecimento tratado na escola?

É importante destacar que a forma como o professor se apropria do jogo junto da criança não é a mesma concebida inicialmente pelo autor deste e, sobretudo, é bem diferente em relação à maneira como a criança desenvolve a atividade lúdica. O jogo ganha novas perspectivas por meio da ação planejada do professor, e em contato com o pensamento da criança este adquire novo sentido.

Dessa forma, ressaltamos o olhar e a concepção dos pais ao se intrigar e questionar a escola que valoriza o brincar na aprendizagem e que percebe a necessidade de conhecer essa matemática de sentidos, afinal ela é diferente da experimentada por eles e também exige uma nova postura sobre o que vem a ser aprender e fazer matemática. Qual a concepção dos pais acerca dessa “nova” matemática, cheia de vida e possibilidades de construção do conhecimento? Dessa forma, como conceber como séria a escola que se constitui a partir do jogo da criança promovido pela professora?