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Como a Agroecologia alterou os Meios de Vida dos agricultores

Mapa 01: Localização dos municípios de Acaiaca e Divino na mesorregião da Zona da Mata de Minas Gerais.

3. AGROECOLOGIA: UM CAMINHO PARA MEIOS DE VIDA MAIS SUSTENTÁVEIS

3.5 Como a Agroecologia alterou os Meios de Vida dos agricultores

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A necessidade de superar as diversas situações de crise ou dificuldades, enfrentadas pelos agricultores que constituem o corpus desta pesquisa, associada à busca de mais qualidade de vida e saúde, influenciou, sobremaneira, a construção de novas estratégias de vida e, assim, iniciaram o processo de transição agroecológica como uma forma mais sustentável de reprodução socioeconômica. Nesses parâmetros, estes agricultores tornaram-se protagonistas de suas próprias histórias, não se tornando vítimas de uma situação social e econômica desfavorável.

Durante as entrevistas, todos os agricultores relataram que a Agroecologia trouxe mudanças qualitativas para as suas vidas, incentivando melhorias na alimentação como maior utilização de alimentos naturais e frescos, que reduziu a incidência das doenças e que, melhorou a renda da família, ao deixar ou reduzir a compra de insumos externos, ao mesmo tempo em que aumentou a renda decorrente da diversificação da produção:

“É muito bom saber que você está plantando da forma certa, colher e comer

na hora. Igual a gente vende para a alimentação escolar, só as coisas da época” (VIOLETA, 51, Acaiaca-MG).

“A gente come muitas coisas saudáveis como a serraia16

, que é muito bom para a saúde, pois limpa o sangue. Essas coisas como macarrão carregam muito o sangue, eu evito essas coisas misturadas, refrigerantes e suco de

pacotinho, eu não tomo isso não” (MARISOL, 50, Acaiaca-MG).

“Eu falo que a saúde vem da natureza, se a gente plantar as coisas para

comer está fazendo economia, pois não precisa comprar remédio”

(HORTENCIA, 56, Divino-MG).

“Alimento é muito importante, na verdade a gente nunca viveu sem alimento,

só que hoje em dia não é só o alimento não, antes a gente comia, hoje a gente pensa sobre o que comer. Igual a gente tem aquela moita de morango ali, então eu fico pensando será que é bom comer uns dois, três morangos por dia. Para mim alimento ou comida é saúde mesmo, pode pôr isso aí, eu

e a Júlia conversamos muito sobre isso” (ALBERTO, 28, Divino-MG)

Quantitativamente, pode-se perceber como a Agroecologia contribuiu para mudar a vida dos agricultores quando se observa os recursos gastos com alimentação. Neste estudo, percebeu-se que a diversificação da dieta dependia, principalmente, daquilo que era produzido pelas próprias famílias, e que ao diversificar a produção, a alimentação também ficava

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variada. A família que apresentou a menor diversificação de produção de alimentos, também tinha o consumo menos diversificado. O desequilíbrio nesta dieta, decorrente da pouca variedade de alimentos consumidos, elevou o gasto, apresentando, o maior gasto per capita com alimentos para o município de Divino. Em Acaiaca, a família que apresentou o maior gasto per capita com alimentação tinha uma produção bastante diversificada e neste, caso o gasto com alimentação não estava associado à baixa produção de alimentos. Pode-se justificar este gasto, pelo fato de um membro da família ter necessidade alimentar diferenciada, decorrente de diabetes. Todavia, ainda assim, o maior gasto familiar com alimentação foi menor quando comparado com o maior gasto entre as famílias pesquisadas em Divino. Esse dado é muito importante, pois mostra que a produção diversificada, mesmo que para autoconsumo, além de reduzir os gastos das famílias com alimentação tem contribuído para a SANS das famílias.

Um dos fatores que pode ter contribuído para elevar os gastos com a alimentação no município de Divino está relacionado à monocultura de café, que reduziu as possibilidades de diversificação dos alimentos produzidos. Com a transição agroecológica, os alimentos voltam a ser produzidos. Entretanto, como isso ocorre de forma processual ainda vai levar algum tempo para que todas as famílias pesquisadas conquistem a autonomia alimentar a partir da produção de seus sistemas.

Embora tenha efetuado o levantamento dos valores gastos em alimentação, em todas as famílias pesquisadas, esse dado pode não ser exato, pois, em alguns domicílios, a forma de registro, por parte dos entrevistados, nem sempre era precisa. Já em algumas famílias até os lanches, realizados fora de casa, foram registrados.

Outro valor que interfere nos gastos com alimentação é a quantidade de visitas recebidas. Nesta pesquisa percebeu-se que medir a segurança alimentar pelo valor declarado para a aquisição de alimentos não é uma alternativa fidedigna, pois grande parte dos alimentos consumidos é colhida na propriedade ou são trocados ou ganhados e não são valorados. Ao calcular o valor mensal per capita despendido com bens alimentares (Tabela 03), objetivou- se verificar o valor gasto com alimentação, por estas famílias e analisar se a diversidade alimentar encontrada realmente possibilitava a redução dos gastos com a alimentação.

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TABELA 03- Gasto mensal per capita com alimentação em Acaiaca e Divino-MG, 2012. Gasto total em R$ Nº de famílias em Acaiaca Nº de famílias em Divino

De 20 a 30,00 1 (16,66) 1 (8,33%) De 31 a 40,00 1 (16,66) 3 (25,0 %) De 41 a 50,00 0 (0,0%) 4 (33,33) De 51,00 a 60,00 1 (16,66) 0 (0,0%) De 61,00 a 70,00 2 (33,33) 3 (25,0 %) De 100 a 200,00 1 (16,66) 0 (0,0%) Acima de 200,00 0 (0,0%) 1 (8,33%)

Obs.: Ao calcular o gasto per capita foi considerado o número total de moradores na residência. Fonte: Resultados da pesquisa, 2012.

Em Divino, a família que apresentou o menor gasto com alimentação não tem filhos. Possuem uma bela horta, e uma diversidade de frutas e vegetais comestíveis, tanto no quintal como no meio da lavoura. No município de Acaiaca, a família que apresentou o menor gasto com alimentação produz quase todos os alimentos que consome, exceto o trigo. Esta família produz, inclusive, o arroz. No entanto, compram este alimento, eventualmente, quando está chovendo e fica difícil para levar o arroz para limpar, na comunidade vizinha, onde existe uma máquina para beneficiar arroz.

No município de Acaiaca, foi verificado que a principal forma de comercialização dos bens produzidos é para a alimentação escolar. Todos os entrevistados estavam inseridos nesta política pública. A família da Antônia e do Sebastião, além de comercializar com o PNAE onde obtêm uma renda mensal em torno de R$ 600,00, quase um salário mínimo da época, ainda faz entregas em domicílios, semanalmente, na sede do município. Alguns alimentos são produzidos em maior quantidade, como por exemplo: o amendoim e o café, que são vendidos para comerciantes do município. Em Divino, das doze famílias entrevistas, oito comercializavam para o PNAE; uma já havia comercializado e parou pela dificuldade de transporte; outras duas já tinham a clientela fixa e a produção era toda comercializada com esta clientela. O Vicente vende, semanalmente, na feira do município de Divino e entrega em restaurantes e em um sacolão (denominação local para estabelecimento onde vende frutas, legumes e verduras), do município vizinho de Carangola-MG.

Com a introdução do Calendário Agroecológico, os registros sobre a produção de alimentos, principalmente o que estava diretamente relacionado ao trabalho das mulheres, passou a ser mais sistematizado. Não obstante a tudo isso, a maioria dos registros não constava, quantitativamente, números exatos. Foi comum encontrar anotações do tipo: um balde, uma sacola, um cacho, um punhado, ou mesmo em unidades que não permitiram

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quantificar e valorar de forma padronizada, como por exemplo: nove unidades de jiló, uma abóbora, uma yacon, etc. Raramente as agricultoras valoravam a produção dos produtos consumidos e doados, relatando inclusive que “tem coisa que a gente nunca vendeu”. A quantificação exata das vendas restringia àquelas de maior volume como o café e nas vendas efetuadas para a Associação (em Divino), e nos dois municípios, os alimentos comercializados para o PNAE. Além de estimular o registro das quantidades exatas dos alimentos comercializados e seus valores de venda, o valor venal efetuado para o PNAE, passou a ser a referência para o preço a ser comercializado nas demais vendas.

Percebeu-se ainda, que essa política pública interferiu em vários aspectos na vida dos agricultores, ressignificando o consumo de alimentos, valorizando a produção e estimulando a prática de registrar as receitas financeiras oriundas da produção de alimentos, o que não havia sido conseguido mesmo com a implantação dos Calendários Agroecológicos. Vale ressaltar, que esta política vem interferindo, inclusive, na utilização de alimentos considerados pouco atrativos, mas muito consumidos no passado, ou mesmo desqualificados socialmente, como o lobrobo. Com o PNAE uma família de Acaiaca passou a vender lobrobo, com isto passou também a consumir essa verdura semanalmente, sendo que antes era consumida eventualmente. Com a venda para o PNAE, as famílias começam a dar novo valor aos seus produtos e os mesmos passaram a ser mais vendidos entre os vizinhos, amigos, etc.

A Tabela 04 mostra os principais alimentos comercializados para o PNAE nos dois municípios.

TABELA 04- Alimentos vendidos para o PNAE, no período de fevereiro a Junho de 2012, em Acaiaca e Divino-MG, e nº de famílias que comercializam esses produtos. Alimento Nº de famílias que

comercializam em Acaiaca (%) Nº de famílias que comercializam em Divino (%) Batata doce 1 (16,66) 1 (8,33) Doces caseiros 0 (0,00) 2 (16,66) Farinha de mandioca 0 (0,00) 1 (8,33) Feijão 2 (33,33) 1 (8,33) Frango 2 (33,33) 0 (0,00) Frutas 2 (33,33) 2 (16,66) Fubá 2 (33,33) 1 (8,33) Inhame 1 (16,66) 0 (0,00) Legumes 5 (83,33) 3 (25,00) Mandioca 3 (50,00) 1 (8,33) Ovos 3 (50,00) 3 (25,00) Quitandas 3 (50,00) 1 (8,33) Rapadura 0 (0,00) 1 (8,33) Verduras 5 (83,33) 4 (33,33)

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Além dos Calendários Agroecológicos, utilizados para o registro da produção e consumo de alimentos, algumas famílias mantêm o registro em cadernos. No município de Acaiaca, o Salvador (43) registra todas as entradas e saídas em um caderno, inclusive os valores financeiros recebidos como presentes são registrados. Em Divino, na comunidade de Carangolinha, a Sr.ª Gláucia (77) tem um caderno onde ela faz anotações há mais de trinta anos. Nele, ela registra os nascimentos dos bezerros, dos porcos, dia que ela colocou a galinha para chocar, principais vendas efetuadas, quantidade de rapadura produzida, etc., desta forma a própria história vai sendo registrada e narrada em datas e números. No entanto, nem tudo que é comercializado é registrado, talvez por considerar como pouco importante.

Ainda em Divino, uma família substituiu o caderno e está utilizando o computador para registrar todas as receitas financeiras que entram na propriedade, sejam elas oriundas da agropecuária, prestação de serviços, ou mesmo das diárias recebidas pelos dias que desenvolveram atividades no Sindicato, na Cooperativa de Crédito Solidário (CRESOL) ou CTA-ZM. Todas as compras também foram registradas, tanto de bens duráveis, como alimentos, vestuário, presentes e até IOF. O casal tem ainda um diário eletrônico onde registram todas as atividades realizadas no dia, sejam elas de trabalho ou de lazer.

Assim, pode-se concluir que a Agroecologia contribui para ressignificar estratégias já conhecidas de Meios de Vida e para adotar novas estratégias apropriadas aos novos Meios de Vida. Essas novas estratégias incluíram a diversificação das paisagens das unidades produtivas e, como resultado da diversificação da paisagem, a maior parte desses agricultores garantiu mais soberania e segurança alimentar e nutricional de forma sustentável. O que permite então concluir que, a monocultura é um fator importante de insegurança alimentar. Inclusive a monocultura do café, principal componente das paisagens agrícolas do município de Divino.

Ao mesmo tempo que diversificam as paisagens, estes agricultores criam novas redes sociais que fortalecem seus Meios de Vida, na medida em que passam a acessar mais informações, trocam experiências com diferentes atores sociais, incorporam novas condutas em relação ao ambiente em que vivem. Contudo, algumas contradições continuam presentes, principalmente em relação ao consumo alimentar onde parte das famílias continua comprando alimentos industrializados, muitos deles com elevados teores de sódio, gordura e açúcar. Os alimentos transgênicos, associados como prejudiciais à saúde também foram encontrados em todas as propriedades pesquisadas. Por meio do levantamento dos alimentos produzidos e comercializados, percebeu-se que para as famílias com aproximadamente as mesmas

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condições sociais, a renda foi maior naqueles domicílios com mais diversidade. Além da diversificação agrícola, em Divino, três das doze famílias pesquisadas, diversificavam a renda de outras formas como o atendimento com as terapias alternativas, e a venda de doces e quitandas. Em Acaiaca a diversificação das rendas se deu principalmente pela venda de artesanatos.

Nesta pesquisa, percebeu-se, ainda, que quanto mais os agricultores se envolvessem nas atividades de formação, propiciadas por suas organizações, pelo CTA-ZM e pela UFV, seus Meios de Vida se alteravam e estes ficaram mais autônomos e ciosos dos cuidados com a alimentação. E ao fortalecer os novos Meios de Vida, inclusive materialmente, estes deram novos sentidos à vida. Percebeu-se que, ao adotarem os sistemas agroecológicos para produção de alimentos, mais que uma prática, os agricultores inseridos nesta pesquisa adotou um novo estilo de produzir alimentos de forma mais sustentável ambiental e economicamente. Embora, atualmente, todos os agricultores possuam terra, os relatos permitem também concluir que, a insegurança alimentar no passado, estava associada à falta de autonomia em lidar com terra já que eram empregados e não podiam decidir como e o que plantar, assim compreende que não basta ter acesso a terra é necessário ter a sua titularidade.

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