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Mapa 01: Localização dos municípios de Acaiaca e Divino na mesorregião da Zona da Mata de Minas Gerais.

3. AGROECOLOGIA: UM CAMINHO PARA MEIOS DE VIDA MAIS SUSTENTÁVEIS

3.3 Diferentes trajetórias: um só destino

Do total das dezoito famílias entrevistadas nos dois municípios, selecionou-se apenas duas histórias, sendo uma de cada município pesquisado para representar as diferentes possibilidades e caminhos para que as famílias iniciassem a transição agroecológica.

A Senhora Marisol, 50 anos, agricultura do município de Acaiaca, nasceu na roça, na mesma comunidade e no mesmo lugar em que vive hoje. Aos 16 anos, saiu de casa para trabalhar de doméstica na capital paulista. Casou-se, e foi morar em Belo Horizonte, onde teve seus três filhos. Trabalhou também como costureira na capital mineira. Ela relata que, quando morava na cidade, sempre ficava se perguntando: porque não podia voltar para a roça e viver como os outros familiares que tinham ficado em Acaiaca? E assim, um dia tomou coragem e retornou; sem trabalho e com três filhos pequenos. Na bagagem, o medo e a lembrança dos sofrimentos vividos na cidade. De volta à Acaiaca, foi morar na casa da sua mãe. Começou a se envolver com a igreja da sua comunidade, onde as atividades e o aprendizado neste espaço fizeram com que ela se tornasse uma grande liderança. Aproximou- se também do Sindicato de Trabalhadores Rurais, onde se tornou presidente. Construiu sua casa, nas terras da mãe, onde vive com os filhos e com uma tia, aposentada. Atualmente, seus três filhos estudam na região. O mais velho, faz gestão de meio ambiente, à distância, numa faculdade particular de Viçosa, sendo ainda monitor na Escola Família Agrícola do município, mesma escola em que se formou em técnico em agropecuária. A filha do meio, já terminou o ensino médio, estava estudando com vistas a ingressar na Universidade. Aos finais de semana faz um curso de manutenção de computadores em Belo Horizonte, o que mostra que mesmo nas comunidades rurais há de modo geral, uma procura pelo acesso às novas tecnologias. O filho caçula é estudante do ensino fundamental na Escola Família Agrícola do município vizinho. Quando estão em casa todos ajudam a cuidar da horta, do quintal, da pequena plantação de milho consorciada com feijão e mandioca, bem como de todas as atividades necessárias para que tudo funcione bem. Atualmente, a vida da família da Marisol está bem estabilizada, e ela realizou o seu sonho de viver na roça. Da sua horta, do quintal e

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do roçado colhem uma diversidade de alimentos que têm contribuído para a soberania e segurança alimentar e nutricional da família. Além de satisfazer as necessidades alimentares da família, parte da produção é comercializada por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), gerando renda e orgulho de serem agricultores. Aquilo que eles não produzem, preferem comprar dos seus amigos agroecológicos, por não ter veneno. O desafio atual dessa família é como manter os três filhos na terra após a conclusão dos cursos universitários visto que, talvez queiram exercer a profissão escolhida e na comunidade em que vivem não tenham oportunidade.

Em Divino, a história do Sr. Pedro e Sr.ª Hortência ilustra como a Agroecologia tem mudado a vida dos agricultores transformando dificuldades em oportunidades. Eles se conheceram quando a Sr.ª Hortência era ainda uma menina, se casaram bens jovens e foram tentar a vida. O Sr. Pedro conta que teve uma infância com muitas privações financeiras. Por não conseguir sustentar os filhos, sua mãe teve que deixá-lo com outra família, onde ele trabalhava e tinha uma cama para dormir e alguma comida para não passar fome. O Sr. Pedro se lembra que era alguma comida mesmo, pois carne era só para os donos da casa. Ele só sentia o cheiro e ficava imaginando o dia que poderia ter uma casa com fartura, o que levou muitos anos, pois só com 17 anos ele foi morar sozinho, em uma casa em terra alheia e a fartura ainda não estava lá. Sr.ª Hortência também se lembra do passado como uma época de muitas dificuldades. Ela conta que carne era só de vez em quando, e que, como no passado era tão difícil hoje eles gostam muito, e mesmo sabendo que não faz muito bem para a saúde não conseguem deixar de comer, possivelmente pelo valor simbólico e sensorial associado a este alimento. A Sr.ª Hortência aproveitava das dificuldades para inventar comida e foi assim que ela serviu mingau de banana verde passando por batata para os companheiros13 que estavam trabalhando na lavoura. O mesmo aconteceu com umbigo de bananeira; para ela, isto era, até então, algo que se dava aos animais. Mas um dia ela estava tão nervosa, sem o que ter o que cozinhar, que pegou um umbigo e foi descascando até chegar numa parte branca igual a um palmito então ela resolveu experimentar e gostou.

O primeiro encontro da família da Sr.ª Hortência e Sr. Pedro com a Agroecologia aconteceu em 1982, naquela época agricultura alternativa. Ano em que já eram donos da terra adquirida com o próprio trabalho. Sr. Pedro foi vítima de intoxicação por agrotóxico, quando cultivava café sob a orientação do Instituto Brasileiro do Café (IBC). Perdeu um rim e quase

13 Termo local para denominar trabalhadores contratados para algum serviço eventual na propriedade,

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morreu. Para salvar o marido Sr.ª Hortência começou a fazer o curso de medicina alternativa e a vida deles foi tomando outro rumo até chegar à Agroecologia pelo intermédio do CTA-ZM, a quem o Sr. Pedro fala que deve tudo, a vida e os bens adquiridos ao longo dos anos. Hoje a família vive bem, com uma renda financeira compatível à classe média urbana; consegue fazer pausas na rotina de trabalho e viajam para descanso. Segundo afirmam, podem comer o que querem. Todos os bens, inclusive carros, foram adquiridos com as rendas geradas na propriedade provenientes da venda de café, frutas, ovos, doces, acrescidos das receitas advindas do trabalho de terapeuta alternativa da Sr.ª Hortência. A família está comercializando para o PNAE, onde vende frutas, legumes, verduras, quitandas e doces.

Atualmente, em Divino, todos os agricultores pesquisados vivem em suas próprias terras. Três famílias, são proprietárias de pequenas extensões, neste caso além de cultivarem suas próprias terras, ainda plantam em outras terras, na condição de parceiros, quase sempre à meia, ou seja, dividindo metade da colheita com o dono das terras. Em Divino, metade das famílias adquiriram suas terras por herança, ou seja, seis das doze famílias entrevistadas. Outros adquiriram com recursos próprios, com o auxílio do trabalho dos membros da família. Sr.ª Helena e Sr. Augusto compraram seu pedaço de terra com os recursos adquiridos na capital do Estado de MG, onde o Sr. Augusto trabalhava como motorista e Sr.ª Helena tinha uma pequena cantina onde, contando com a ajuda de toda a família, vendia refeições. As famílias da Sr.ª Luzia e a Sr.ª Valentina e Sr. Braz conseguiram adquirir suas terras com recursos advindos do pagamento por trabalhado realizado em outras propriedades. O Alberto e a Júlia compraram as terras com os recursos do crédito fundiário, por intermédio de uma associação com oito amigos. Alberto relata que tudo que conseguiu na vida foi participando dos espaços coletivos, até a sua esposa ele conheceu por meio da participação nos movimentos sociais. A participação nos movimentos sociais e nos espaços de formação promovidos pelo CTA-ZM e pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais possibilitou aos agricultores um aprendizado diferenciado e a multiplicação de capital social conforme conceituado por Bourdieu (1980), para quem capital social é o agregado dos recursos atuais ou potenciais, vinculados à posse de uma rede duradoura de relações familiares ou de reconhecimento mais ou menos institucionalizados (BOURDIEU, 1980, p.02). Estas diferentes formas de inserção social, via sindicatos de trabalhadores rurais, igreja, cursos e oficinas oferecidos por grupos externos, também são elementos constitutivos dos Meios de Vida e são recursos utilizados pelos agricultores.

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Embora autores como Scoones (1998), Cabell e Oelofse (2012), tenham utilizado a expressão capital para simbolizar o acúmulo de recursos atuais ou potenciais, outros autores como Hebinck (2007) prefere utilizar o termo recursos, por considerar "capital" como uma metáfora econômica que não consegue expressar, totalmente, a diversidade de recursos que as pessoas podem ter disponíveis. Para esse autor, a noção de recursos é mais adequada, principalmente, quando se deseja analisar os Meios de Vida e, como estes são utilizados pelos atores sociais, refletindo todas as relações que podem ser ocultadas na expressão capital.

Ainda relacionado à questão da terra, no município de Acaiaca a forma de acessá-la, também se deu, principalmente, por herança. Apenas a família da Sr.ª Antônia e do Sr. Sebastião comprou suas terras por meio de recursos próprios decorrentes da venda de sua força de trabalho, seja como empregado em outras propriedades, seja trabalhando em uma granja de suínos na região. Ao trabalho do Sr. Sebastião somou-se a renda advinda do comércio dos artesanatos da Sr.ª Antônia. Outra agricultora de Acaiaca, Bárbara, trabalha nas terras de sua irmã mais velha, que comprou o sítio para que a Bárbara pudesse mudar-se de Belo Horizonte e realizar o seu sonho de viver no campo. No caso da Bárbara, não existe a obrigação de partilhar a produção. No entanto, ela sempre destina alguns alimentos para a irmã, principalmente o feijão. Para que a Bárbara pudesse acessar o Programa Nacional de Habitação Rural e construir a sua própria casa, a irmã lhe doou um pequeno terreno.

Quanto ao tamanho das propriedades, como se observa na Tabela 01, em Acaiaca elas são menores, quando comparadas com as propriedades do município de Divino. Ressalta-se que, em Divino, a maior propriedade (50 hectares), é decorrente de herança. Parte dos herdeiros (cinco) preferiu não dividir as áreas destinadas às pastagens, a plantação de mandioca, e para o canavial, dividindo, no entanto a renda oriunda destas atividades. Apenas o cultivo do café tem área demarcada e a renda é individualizada. O café para o consumo familiar é retirado da produção de qualquer herdeiro, geralmente do café que apresentar melhor qualidade.

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TABELA 01-Tamanho das propriedades pesquisadas, em hectares, nos municípios de Acaiaca e Divino-MG, 2012. Tamanho em Ha Nº de propriedades em Acaiaca Nº de propriedades em Divino ≥ 5 4 (66,67 %) 5 (41,66 %) 5,1 – 10 0 (0 %) 4 (33,33 %) 10,1 -15 2 (33,33 %) 0 (0 %) 15,1-20 0 (0 %) 1 (8,33) 20,1 -25 0 (0 %) 1 (8,33) 25,1-49,9 0 (0 %) 0 (0 %) 50 0 (0 %) 1 (8,33) Total 6 (100 %) 12 (100 %)

Fonte: Resultados da pesquisa, 2012.

Em relação aos bens de consumo, todas as famílias utilizam energia elétrica e possuem equipamentos domésticos, o que facilita o dia a dia, como geladeira, liquidificador, ferro de passar roupas e eletroeletrônicos, que proporcionam lazer e informação como televisão, rádio, e, em algumas casas, computador. Pela televisão, dentre outros programas, assistem principalmente jornais e programas relacionados à agropecuária. Em todas as residências existem, pelo menos um, telefone celular. Em Acaiaca uma família tem computador com acesso à internet. No município de Divino, quatro famílias têm computador em casa e duas delas têm acesso à internet. Mesmo famílias que não têm internet em casa, têm o hábito de acessar este meio de comunicação, seja no sindicato, nas escolas ou em outros pontos de acesso gratuitos.

A energia elétrica favoreceu ainda, o trabalho com as criações de animais. Em Acaiaca, três famílias têm picadeira elétrica utilizada para o preparo da alimentação animal. Em Divino, nas propriedades em que havia criação de bovinos, as picadeiras também estavam presentes.

A maioria das famílias visitadas conta com fogão a gás. Em Acaiaca, apenas uma família não tem fogão a gás, por opção. Mesmo com a possibilidade de utilizar o gás, o fogão à lenha é a principal forma de preparar os alimentos. Em Divino, todas as famílias contavam com as duas possibilidades de preparar os alimentos, com fogão a gás e à lenha. Em todas as famílias, a lenha é obtida dentro da propriedade, principalmente advinda de podas das árvores. Neste sentido, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) têm apresentado um importante papel de fornecimento de lenha para cozinhar, reduzindo as necessidades de acessar fontes externas de energia para preparar os alimentos, gerando mais autonomia, pois reduz o consumo de gás de cozinha. Preocupados com a questão da saúde, na maioria dos casos os fogões são construídos

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visando reduzir a quantidade de fumaça. No passado, nenhum dos entrevistados, que vivia na zona rural, tinha fogão a gás. Assim, o fogão à lenha era a única alternativa de preparar os alimentos, o que pode justificar a preferência relatada pela comida preparada no fogão à lenha visto que as preferências alimentares estão associadas às questões culturais (BRAGA, 2004).

Todas as famílias contam com abastecimento de água encanada, não tratada quimicamente. Em Acaiaca, duas famílias utilizam água de um poço artesiano14 que atende outras famílias da comunidade, o qual foi construído pelo poder público municipal. Uma família é abastecida com água de nascente, e as demais contam com poços artesianos construídos em suas propriedades, sendo que, em pelo menos um caso, a água é compartilhada com mais famílias, neste caso, limitando o uso para a horta, principalmente no

período de secas. Embora o município tenha participado do “Projeto Renascentes: recompondo matas e sustentando vidas”, desenvolvido pelo CTA-ZM em parceria com o

Sindicato de Trabalhadores Rurais de Acaiaca e com a Escola Família Agrícola Paulo Freire, localizada no município; a água das nascentes não tem sido suficiente para o abastecimento de todas as demandas, sendo utilizada, principalmente, para os animais e irrigação das hortas. Como esse projeto, aconteceu recentemente, acredita-se que, em breve, a quantidade de água aumentará, uma vez que, as nascentes foram cercadas e árvores foram plantadas em seu entorno. No município de Divino a maioria das casas contam com água em abundância e em sua maioria de nascentes, que são cuidadosamente preservadas.

Durante esta pesquisa, diversos impressos que tratam da questão da Agroecologia foram encontrados em todas as casas dos agricultores. Dentre esses impressos, destacam-se principalmente os produzidos pelo CTA-ZM e os informativos das instituições locais dos agricultores como do Sindicato e ainda jornais locais ou outros de maior circulação no Estado. A prática da leitura tornou-se uma importante ferramenta para a construção do conhecimento agroecológico, pois os agricultores acessam experiências exitosas de outros municípios e podem experimentar estas práticas em seus sistemas. A Fotografia 01 retrata um desses momentos de leitura, compartilhado e discutido pela família.

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Fotografia 01- Leitura de Jornal em Acaiaca-MG, 2012.