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Mapa 01: Localização dos municípios de Acaiaca e Divino na mesorregião da Zona da Mata de Minas Gerais.

4- QUANDO A PAISAGEM DIVERSIFICA, O PRATO FICA COLORIDO

4.7 Paisagem e Produção de Alimentos Agroecológicos

Um dos grandes desafios da humanidade é como garantir a todos, sem distinção, condições de acesso a alimentos de qualidade, permanentemente e em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais e respeitando a soberania alimentar (VALENTE, 2002, DE SCHUTTER, 2010).

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Nesta pesquisa, o alimento foi compreendido, não apenas como a matéria capaz de transformar-se em fonte de energia, essencial às funções vitais do organismo humano, mas, também, como um dos principais mediadores da relação do ser humano com a natureza, agregando dimensões que vão muito além da produção e do consumo e levantando questões sobre o modelo de produção e as relações estabelecidas durante este processo, bem como durante a preparação e o consumo dos alimentos (VALENTE, 2002; LEÃO, MALUF, 2012). Assim, as paisagens dos sistemas agroecológicos, geralmente, estão associadas a imagens onde é visível a diversidade de plantas e/ou plantas e animais, com a presença de pessoas trabalhando, geralmente a própria família. A Fotografia 03, conforme consta na página cinquenta e dois (52), apresentada anteriormente, representa uma paisagem de um sistema agroecológico com uma diversidade de bens alimentares, de árvores e de café que, além do consumo da família, pode gerar renda.

O café, principal cultivo para comercialização em Divino e presente em pequena quantidade em Acaiaca, tem características favoráveis para os sistemas diversificados, como os agroflorestais. O café ocorre naturalmente em floresta nativa semidecídual22 na Etiópia, em condições microclimáticas que são reproduzidas em sistemas agroflorestais. O período de florescimento do café, quando requer maior quantidade de radiação, coincide com a estação seca, quando as árvores perdem as folhas ou são podadas (FRANCO, 2000, p. 49). Por meio dos relatos e das caminhadas pelas propriedades, percebeu-se que atualmente a diversificação da alimentação se dá, tanto pelos componentes alimentares de origem vegetal, quanto o componente animal, presente em dezessete das dezoito propriedades visitadas.

As galinhas, importante fonte de proteínas, integravam quase todas as paisagens visitadas e estavam presentes nos pratos das famílias pesquisadas, tanto na forma de carne, como de ovos. Além da criação destinada ao consumo da família, os agricultores estavam investindo na criação de galinhas para a venda de ovos para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Em Divino, mesmo em famílias que ainda não comercializam para o PNAE, a paisagem já estava modificada, pois com vistas a aumentar a venda de ovos, a Associação dos Agricultores comprou uma quantidade grande de pintainhas (pintinhos de poucos dias, ainda sem plumagem) e distribuiu entre os seus associados. Na casa da Sr.ª. Olga (48) e Sr. Élcio (55) que só vendiam café no mercado convencional e mandioca para o PNAE, a esperança de aumentar a renda da família estava alicerçada nas pintainhas.

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As vacas estavam presentes em quatro propriedades das seis visitadas em Acaiaca, e, em Divino, em seis das doze propriedades estudadas. As cabras que foram importantes para a reprodução das famílias no passado, atualmente foram substituídas pelas vacas. Assim, tanto em Acaiaca como em Divino apenas uma propriedade ainda mantém a criação deste animal. Outros animais como patos, perus e peixes eram criados para o consumo das famílias; no entanto, em poucas propriedades.

Os porcos, que no passado eram produzidos por quase todos os entrevistados, deixaram de ser criados na atualidade, principalmente pela redução das áreas cultivadas com o milho, principal alimento utilizado para a criação deste animal. Embora sempre presente nos pratos, os porcos foram encontrados em seis propriedades do município de Divino e em apenas uma em Acaiaca. Essa constatação ratifica a afirmação de Serra (2001) e Silveira (2007), segundo os quais, as paisagens alimentares, a oferta e o consumo de alimentos também são determinados por componentes históricos, sociais, culturais, econômicos e ecológicos. Para Serra (2001), a disponibilidade, o custo, a produção e a distribuição do alimento condicionam seu consumo e integram sistemas normativos socialmente construídos por práticas alimentares distintas. Se por um lado ficou mais barato comprar a carne, a qualidade pode não ser a mesma do passado, pois, os agricultores nem sempre sabem a origem da carne adquirida no mercado, como os animais foram manejados e principalmente a ração utilizada para a criação dos animais.

Isto, acrescido ao fato de que o tripé alimentação - saúde - sustentabilidade deve ser construído em bases que favoreçam o equilíbrio nos agroecossistemas e a preservação da biodiversidade – princípio da Agroecologia e pilar para a produção diversificada de alimentos, inclusive da criação animal que servirá de fonte de proteínas para a alimentação das famílias.

A ação humana para a construção dos sistemas agroecológicos procura sempre manter as funções essenciais do meio ambiente (ALTIERI, 1989). No entanto, a relação homem- natureza, nos sistemas convencionais, tem se dado sobre bases insustentáveis, colocando em

risco o próprio conceito de “renovabilidade” dos recursos naturais, na medida em que a

superexploração destes recursos tem tornado os mesmos não renováveis. Conforme Rodrigues: alguns recursos que até recentemente eram considerados “renováveis” como a água, o ar, a vegetação e mesmo os solos, sofrem um processo irreversível de esgotamento, poluição e destruição, tornando-se hoje recursos “não renováveis” (RODRIGUES, 1993, p.80). (Destaques no original).

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Esta exaustão dos recursos ambientais está diretamente associada ao consumo de alimentos, e muitas vezes estimulada pela mídia e, inclusive, pelos nutricionistas que planejam refeições e/ou efetuam ações de educação alimentar e nutricional sem considerar a sazonalidade dos alimentos. Ao tratar da Agroecologia e alimentação, Khatounian (2001) mostra a necessidade de se relacionar a sazonalidade ou safra de alimentos. No passado, além de observar o tempo de plantar e de colher, as pessoas, moradoras das zonas rurais, comiam, principalmente, aquilo que estava em seu entorno, estabelecendo, portanto, estreita relação com as condições do ambiente circundante (paisagens alimentares) e os aspectos culturais, comiam aquilo que tinham disponível e que culturalmente era aceito como comida. Desta forma, as pessoas dependiam essencialmente da natureza imediatamente próxima, o que implicava em assegurar a permanência deste ambiente, minimizando, portanto, os impactos das práticas agrícolas e do uso dos recursos naturais. Para Khatounian (2001), safra, valor nutricional, aspectossociais e cultura se misturam e criam importantes eventos sociais:

Historicamente, a sazonalidade foi uma das marcas das dietas humanas. A natureza é cíclica, e o ciclo anual das estações foi evolutivamente incorporado ao ciclo de vida da quase totalidade dos organismos de que o homem se alimenta. Com isso, em todos os quadrantes geográficos do planeta, sempre houve os tempos de safra e entressafra de cada cultura ou criação, bem como dos alimentos obtidos por preação ou coleta. Na cultura alimentar do Brasil, por exemplo, estabeleceram-se o tempo do milho verde, o da manga, o das laranjas, o do umbu, etc. A sazonalidade da dieta, incorporada à cultura alimentar sob a forma de pratos de cada época, era um vínculo entre a alimentação humana e os ciclos da natureza. Essa sazonalidade incorporava também a esfera social, nos eventos ligados às safras, tais como as pamonhadas, as rodas de farinha, e as festas juninas (KHATOUNIAN, 2001, p. 54).

A desconsideração da safra dos alimentos e, consequentemente, do ritmo da natureza, têm contribuído para o uso de insumos químicos com consequente elevação dos custos de produção, à desvalorização dos produtos regionais, e ainda maior impacto ambiental. Assim, a sazonalidade e a regionalidade que eram linhas mestras da dieta dos humanos passam a ser desconsideradas (KHATOUNIAN, 2001).

Tanto no município de Acaiaca como em Divino, os agricultores associavam o consumo de alimentos da safra, qualidade dos alimentos e o respeito à sazonalidade, conforme pode ser observado nos relatos abaixo:

É muito bom saber que você está plantando da forma certa, colher e comer na hora. A gente vende para a alimentação escolar, só as coisas da época. É muito bom você saber que não precisa por nada na geladeira, comendo só as coisas da

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época, e quando eu não tenho uma verdura os vizinhos trocam” (Violeta, 51, Comunidade do Maracujá, Acaiaca-MG).

“Produzir agroecologicamente, é um pouco complexo, é respeitar tudo, não forçar a barra de nada, por exemplo, quiabo ele só dá uma vez por ano, então a gente tem que respeitar” (Lérida, 27, Carangolinha, Divino-MG).