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Como aprendemos a lidar com os textos instrucionais? Qual é o papel da escola?

Como dissemos, desde cedo estamos inseridos em situações em que os textos instrucionais circulam. Parece-nos, portanto, que é no processo de interação cotidiano que começamos a aprender a enten- der tais textos e a produzi-los. Dessa forma, pelo menos os gêneros orais que permeiam nossas relações interpessoais passam a fazer parte de nossa bagagem de saberes.

De fato, Val e Barros (2003) evidenciaram que crianças oriundas de famílias de baixa renda, com acesso muito restrito a material im- presso, já conseguem produzir textos instrucionais, mesmo antes de aprender a escrever. Nesse estudo, as autoras analisaram textos pro- duzidos por 10 alunos de uma escola pública em Belo Horizonte. As crianças cursavam a 1a série do ensino fundamental e, como não haviam freqüentado a pré-escola, estavam ainda em processo inicial de apropriação da escrita alfabética (não sabiam escrever convencio- nalmente). Nessa pesquisa, as crianças foram solicitadas a: (1) fazer de conta que estavam lendo receitas culinárias, receita de soro casei- ro e instruções de jogos e brincadeiras e (2) ditar para a pesquisadora registrar, por escrito, instruções de brincadeiras e uma receita de re- médio caseiro, para a produção de um livro sobre cada tema.

Na tarefa em que as crianças “faziam de conta” que estavam lendo receitas culinárias em um livro ilustrado, receita de soro caseiro em um panfleto ou instruções de jogos, elas revelaram noções ade- quadas dos temas, formas composicionais e estilos próprios desses gêneros textuais. O mesmo ocorreu em relação à tarefa de ditar os textos desses gêneros para a professora. Em relação às receitas, por exemplo, as pesquisadoras comentaram que:

[...] as crianças, em geral, ditaram, com fluência, textos comple- tos, ordenados, com especificação dos ingredientes e do modo de fazer, correspondendo, pois, com freqüência, à “forma com- posicional” prevista. (p.144)

Apesar de demonstrarem tais conhecimentos, havia, no entan- to, certa dificuldade para lidar com informações que, na modalidade oral, seriam mais facilmente expostas por meio de gestos e manipula- ção de objetos. Por exemplo, a tarefa de ditar ou fazer de conta que estariam lendo instruções de jogos e brincadeiras parece ter sido muito complexa para as crianças, sem recorrer a gestos e ilustrações presentes nos portadores textuais oferecidos ou às peças dos jogos. Segundo as autoras, foram muitas as marcas de oralidade, as hesita- ções, incompletudes e reestruturações de frases próprias do discur- so oral coloquial. Assim, Val e Barros (2003, p. 164) comentam que:

[...] a produção de textos destinados ao funcionamento escri- to traz dificuldade para as crianças, na medida em que requer a representação verbal, lexicalizada e sintaticizada, de ima- gens visuais que se traduziriam mais facilmente por gestos e movimentos. Esse processo exigiria a capacidade de abrir mão do concreto imediato para operar com níveis mais altos de abstração e, por isso mesmo, mostrou-se mais difícil para a maioria dos sujeitos da pesquisa.

Apesar do estudo de Val e Barros (2003) demonstrar claramente o quanto crianças pequenas sabem a respeito de textos injuntivos, sem nunca ter sido formalmente ensinadas sobre esses textos, tam- bém fica evidente que o conhecimento de que elas dispõem não é suficiente para que produzam textos escritos dos gêneros receitas ou regras de jogos passíveis de ser seguidos com sucesso por outras pessoas. Em outras palavras, há muito trabalho pela frente para que elas consigam elaborar e/ou ler os diversos gêneros do tipo injuntivo com maior competência.

Assim, na escola, as crianças podem aprender, por exemplo, so- bre a importância de organizar seqüencialmente as informações nes- sas espécies de texto; aprender a distinguir o que é essencial e merece ser dito daquilo que é menos importante e, portanto, pode ser omitido; aprender a flexionar os verbos nos modos imperativo e infinitivo com

maior domínio; aprender a usar os articuladores textuais pertinentes aos propósitos; aprender a estruturar sintaticamente as frases, aten- dendo às exigências dos textos escritos; aprender a elaborar inferên- cias nos casos em que as informações não estão explicitamente colo- cadas no texto, entre outros.

Além dos aspectos apontados acima que, em princípio, se aplicam aos diversos gêneros incluídos na categoria de textos do tipo instrucio- nal ou injuntivo, também é importante considerar certas especificidades no trabalho com esses textos. Por exemplo, há itens que podem ser inclu- ídos em certos gêneros, mas não em outros. Numa receita culinária, o item “rendimento” (20 ou 40 docinhos) faz sentido. O mesmo item, porém, não seria adequado num manual de uso de um aparelho eletrodoméstico qualquer. Outro tópico relevante é a utilização de desenhos nos textos instrucionais. Em alguns casos, o desenho pode ser peça-chave para a compreensão: imagine ler ou explicar como se faz um aviãozinho de papel ou como se joga academia (amarelinha) sem o apoio de desenhos. Outras vezes, no entanto, a ilustração pode ser apenas um complemento ou mesmo um elemento para persuadir o leitor, como, por exemplo, quando se inserem fotografias dos pratos prontos num livro de receitas culinári- as. Também é importante conhecer o vocabulário pertinente aos diver- sos gêneros, assim como reconhecer que, em alguns casos, por exemplo, na redação de certos contratos ou regulamentos, é interessante buscar outros modelos desses textos, já que, como lembram Kaufman e Rodri- guez (1995, p. 36), “a construção de muitos desses textos ajusta-se a modelos convencionais cunhados institucionalmente”, havendo, por- tanto, pequena variação entre eles.

Como argumentaremos a seguir, acreditamos que os conheci- mentos necessários para o acesso a tais textos de modo mais efetivo podem ser construídos em atividades planejadas na escola, que devem familiarizar os alunos cada vez mais com esses gêneros no modo escrito e falado.