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Textos que se sabe de cor e sua importância para a alfabetização

Além dos poemas escritos em livros, no campo da oralidade pode- mos destacar o interessante e importante acervo que compõe a poética popular, como: as adivinhas, as parlendas, os trava-línguas, os provérbi- os, etc., que, de forma prazerosa e descontraída, vão sendo memorizados e utilizados nas mais diversas situações de interação e brincadeira das crianças com os seus pares. Para ilustrar, quem não lembra, por exemplo, dos textos abaixo e o quanto eles estavam e, ainda hoje, estão presentes, dinamizando e enriquecendo as brincadeiras infantis e interpretações de fatos corriqueiros?

Em “Pelas Ruas da Oralidade”, Gomes e Ferreira (2003) ousam se apropriar de algo que, segundo os autores, “por natureza, é do povo e está tão arraigado em nosso imaginário, em nossa coletividade, e que, por isso mesmo, não nos damos conta de seus ritos, seus rit- mos” (p. 5). Os autores chamam a atenção para as origens, do ponto de vista teórico-histórico, bem como para as possibilidades de explo- ração didático-pedagógicas que essas formas populares de nossa poesia podem oferecer.

Portanto, no contexto de uma alfabetização em que se privile- gia não apenas os aspectos de decodificação do sistema alfabéti- co de escrita, mas também os usos interativos da língua, que fun- damentos psicopedagógicos podemos destacar, então, das atividades que englobam esse tipo de literatura e que devem ser considerados pelo professor na sala de aula? Qual o valor das atividades com esses gêneros para a didática da alfabetização?

Não apenas dados históricos sobre modos da leitura de ou- tras épocas, como dados de pesquisa mais recentes (REGO, 1988), põem em destaque o fato de que textos lidos com freqüência, pro- vocando a memorização, propiciam o estabelecimento e a descober- ta de relações importantes existentes entre a fala e a escrita, com conseqüências relevantes para a alfabetização. Com base nesse co- nhecimento, vêm sendo valorizados procedimentos de se colocar alunos que não sabem ler diante de textos que sabem de cor, vi- sando aproveitar os efeitos da memorização para fins de uma de- codificação que passa a ocorrer como resultante dos aspectos in- terativos antes mencionados.

Ao usar um texto que já conhece de memória, a criança vai ajus- tando o que já sabe (oralmente), ao que está escrito, atentando, por- tanto, para as relações envolvidas entre o oral e o escrito, ou seja, o que “falo” deve estar “escrito”, na ordem falada, favorecendo, nesse processo, a descoberta de novos padrões silábicos e a sistematiza- ção das devidas relações som-grafia. Isso ocorre num contexto no qual as estratégias utilizadas são significativas e eficazes por serem pautadas na busca de sentido possibilitada pelo texto “modelo” já memorizado, e não pelo artificialismo proveniente da descontextuali- zação da simples relação som-grafia.

Tomando como exemplo, podemos citar o tão conhecido tre- cho da parlenda “Quem cochicha, o rabo espicha, como pão com lagartixa” em que, mediante sua memorização, a criança termina por localizar, no texto escrito, fragmentos de palavras ou palavras intei- ras, pelo simples fato de seguir a seqüência das palavras do texto facilmente recitado.

Ao passar da leitura para a escrita desses textos memorizados, um aspecto a ser ressaltado constitui a “queima” de uma etapa nesse início do processo de escrita, uma vez que a criança não precisa “pensar” no que vai escrever (o texto já está pronto), cabendo a ela apenas a etapa do decidir o “como” escrever. Isso pode promover avanços e reflexões do ponto de vista ortográfico, para as crianças que já estão no nível alfabético de escrita, assim como contribuir para a superação de desempenhos que são próprios de crianças que estão no nível silábico, em fase de transição para o alfabético.

Outros aspectos da aprendizagem cognitiva a ser destacados correspondem, especificamente, ao que se refere às adivinhações, à oportunidade de a criança lidar com pistas para ir em busca do desco- nhecido, a oportunidade de ter contato com o espaço da criação. Como bem ressaltam Gomes e Ferreira (2003), através do jogo dos questionamentos: o que é, o que é... o ouvinte é conduzido à reflexão e organização de hipóteses. Buscando unir ou concatenar informa- ções diversas (idéias, conceitos, classificações e generalizações), mesmo sem se decidir pela resposta mais adequada, o refletir e o repetir as características da resposta propicia ao participante do jogo todo um universo elaborado por ele mesmo com base em regras dita- das pelo outro.

Quanto às parlendas, no que se refere ao processo ensino- aprendizagem, sua sonoridade é algo a ser enfatizado. Exercem atra- ção sobre as crianças por fazerem uso do jogo de palavras, além das onomatopéias e rimas, que tanto agradam a elas. O destaque ao lúdi- co, o questionamento de parâmetros da realidade mais imediata, pos- sibilitando, inclusive, a construção de jogos pedagógicos em que a brincadeira e a fantasia estão presentes, constituem requisitos impor- tantíssimos no despertar da criança para nuances inerentes à língua,

tanto do ponto de vista da estruturação lingüística como do ponto de vista de uma discussão mais cultural e ideológica.

Em relação ao trava-línguas, é inegável sua utilidade pedagógi- ca, uma vez que sua estrutura textual tem função lúdica, possibilitan- do, de forma crítica e criativa, segundo Gomes e Ferreira (2003), “enu- merar possibilidades de acertos e erros, que geram questionamentos quanto ao grau de dificuldade da fala, da língua, do discurso, ou seja, do conjunto cultural de determinada população”.

Por fim, enfatizamos o provérbio e a possibilidade de análise discursiva que ele proporciona: o teor cultural e a construção sintéti- ca são aspectos a ser refletidos e trabalhados, proporcionando con- duta criativa e domínio lingüístico.

Considerando o aqui exposto, ressaltamos ainda que é importan- te que haja equilíbrio entre o vivenciar o aspecto lúdico desses textos e o pensar sobre as questões didáticas implícitas, para não enveredar- mos novamente em erros de uma prática artificial e desmotivante.

Referências

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BORDINI, M. G. Literatura - a formação do leitor: alternativas metodoló-

gicas. 2. ed. Porto Alegre, 1993.

CAMARGO, L. A poesia infantil no Brasil. Artigo publicado no site <http:/

/www.blocosonline.com.br/literatura/prosa/artigos>. 1999

GOMES, L; FERREIRA, H. M. Pelas ruas da oralidade: adivinhas, parlen-

das, trava-línguas, provérbios e trancoso. São Paulo: Paulinas, 2003.

JOLIBERT, Josette. Formando crianças produtoras de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

JUNQUEIRA, R. Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 1996.

LAJOLO, M. Poesia – uma frágil vítima de manuais escolares. Revista Lei-

PAES, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 1990. PAIXÃO, Fernando. Poesia a gente inventa. São Paulo: Ática, 1996. REGO, Lúcia B. Literatura infantil: uma nova perspectiva de alfabetização

na pré-escola. São Paulo: FTF, 1988.

SAVARY, Flávia. A arca do tesouro. Rio de Janeiro: Litteris, 1998. SILVESTRIN, R. Poesia infantil. Rio Grande do Sul: Ed. Projeto, 1998.

A

literatura atual sobre questões relativas ao ensino e a apren- dizagem da leitura e da escrita mostra o quanto é importante que o professor trabalhe com os seus alunos diferentes gêneros textuais (PEREZ, 2001; ALBUQUERQUE, LEAL, 2004), propiciando a desco- berta dos usos e funções que esses possuem em nossa sociedade: Para quê, por quê e de que forma devemos ler e escrever?

Estamos cientes de que, cada vez mais, esforços para diversifi- car essas experiências têm sido realizados por professores isolada- mente e/ou em pequenos grupos, em suas salas de aula e em suas escolas, nas diferentes regiões deste país. No entanto, sabemos tam- bém o quanto se faz necessária maior sistematização e reflexão acerca dessas atividades, oportunizando a troca e uma mais abrangente ava- liação, bem como uma divulgação dessas experiências e seus efeitos, de modo a ampliar as discussões tanto teóricas como suas implica- ções para a prática pedagógica.

Visando colaborar nesse sentido, trazemos, neste espaço, uma reflexão acerca de algumas iniciativas ou práticas que vêm sendo

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