• Nenhum resultado encontrado

Como avaliar os conselhos e visões de Ellen White

No documento Adventismo e Reforma Protestante (páginas 124-129)

Na lição anterior, estudamos quatro regras para interpretar Ellen White corretamente. De posse dessas regras, é possível agora aprender quais critérios devem ser usados para avaliar os escritos de Ellen White à luz da Bíblia. Essa avalição, como temos dito, é essencial, pois o Sola Scriptura nos ordena julgar a tudo e todos pela Bíblia, incluindo os profetas. E a única maneira de saber se um profeta é verdadeiro é pela Bíblia Sagrada.

Para deixar o estudo organizado, vamos dividi-lo em dois tipos de avaliação: a das visões e a dos conselhos. Ao final da exposição dos critérios de avaliação, falaremos do modo correto de valorizar os escritos de Ellen White.

1) Critérios de avaliação das visões

Podemos sintetizar os critérios de avaliação das visões em três perguntas: (a) a visão possui algum elemento que é negado pelas

Escrituras? (b) a visão traz uma nova doutrina? (c) a visão alte-ra alguma doutrina bíblica? Qualquer visão cuja resposta às três perguntas é negativa, não fere o Sola Scriptura.

É comum que esses critérios não sejam compreendidos corre-tamente. Por exemplo, muitos acham que o critério (a) quer dizer que uma visão jamais pode ter elementos que não estão na Bíblia. Mas é um erro achar que se a Bíblia não descreve algo, não é ver-dade. Há muitas informações históricas, geográficas e científicas que são verdadeiras, mas não estão na Bíblia. Assim, uma visão não precisa contar exclusivamente com elementos que se encon-tram na Bíblia. Ela precisa não ter elementos negados pela Bíblia.

Quanto ao segundo e ao terceiro critérios, muitos fazem con-fusão entre informação e doutrina. Assim, essas pessoas veem qualquer dado não doutrinário de uma visão como doutrina, o que torna o profeta um herege. Essa é uma forma ilegítima de avaliar e condenar um profeta.

Tomemos um exemplo para aplicar os critérios. Em certa visão, Ellen White relata ter visto que os anjos do céu possuem um cartão de ouro com o qual se identificam para entrar e sair das regiões celestes.1 Muitos alegam que esta visão seria heré-tica porque a Bíblia nada fala sobre isso. Mas apliquemos os cri-térios para avaliá-la.

A referida visão tem algum elemento negado pela Bíblia Sagrada? Não. Nenhuma passagem bíblica diz que os anjos não possuem esse cartão de identificação ou que isso não seria neces-sário nas regiões celestes. A referida visão forma uma nova dou-trina? Não. Crer ou não nesse dado não implica nenhuma nova informação sobre o caráter de Deus, a queda do homem, a salva-ção, a santificasalva-ção, etc. Também não gera qualquer nova prática, proibição ou norma. Por fim, a referida visão modifica alguma 1 WHITE, Ellen. Primeiros Escritos, p. 39.

LIÇÃO 15: COmO avaLIar Os COnseLhOs e vIsões de eLLen WhIte 125

doutrina? Também não. Deus continua sendo o Criador, a salva-ção continua sendo pela graça mediante a fé e por aí vai.

Passando pelos três critérios, o que impede a visão de ser ver-dadeira? Nada. Obviamente, só crerão aqueles que possuem con-vicção de que White realmente tinha o dom profético. Porém, o que está em discussão aqui não é a veracidade ou não do dom profético de Ellen White, mas sim se a visão necessariamente quebra o Sola Scriptura. E ela não quebra. Esse é o tipo de avalia-ção que precisa ser feita em relaavalia-ção a cada visão.2

2) Critérios de avaliação dos conselhos

Os critérios de avaliação dos conselhos também podem ser sinte-tizados em três perguntas: (a) o conselho é uma nova norma ou é a aplicação de um princípio bíblico? (b) o âmago do conselho é bom ou ruim? (c) os detalhes periféricos do conselho, como a linguagem, o tom, a explicação e as analogias, anulam o âmago do conselho?

Quanto ao primeiro critério, caso o conselho seja uma norma, isso não é problemático se ela for bíblica. Por exemplo, se Ellen White aconselha um marido a amar sua esposa, essa é a reprodu-ção de uma norma bíblica. O problema é quando o conselho é uma norma, mas não bíblica. Contudo, aqui entra a importância das regras de interpretação: há mesmo uma norma ali? Ou o que existe é a aplicação de um princípio bíblico? Por exemplo, se eu digo que é pecado beber um copo de leite todo dia, estou criando uma norma que não está na Bíblia. Mas se digo a um alérgico a lactose que é pecado ele beber um copo de leite todo dia, estou 2 No meu livro Conselhos de Ellen White sobre Sola Scriptura: o que a

mensagei-ra adventista realmente disse sobre o tema, eu avalio as visões mais polêmicas

aplicando pelo menos um princípio bíblico àquela situação espe-cífica: não tentar a Deus (Dt 6:16; Mt 4:7; Lc 4:12).

Assim, é importante saber se o conselho de Ellen White que parece criar uma norma, não está apenas aplicando princípios bíblicos a situações específicas. Lembremos: os princípios são eternos, mas as aplicações mudam. A própria Sra. White ensinou este conceito quando em certa ocasião disse:

É assim que é, e meu espírito tem sido muito agitado quanto à ideia: “Ora, a irmã White disse assim e assim, e a irmã White falou isto ou aquilo; e, portanto, procede-remos exatamente de acordo com isso”. Deus quer que todos nós tenhamos bom senso, e deseja que racioci-nemos movidos pelo senso comum. As circunstâncias alteram as condições. As circunstâncias modificam a relação das coisas.3

O segundo e o terceiro critérios pretendem averiguar se um conselho, ainda que estranho, pode ser considerado bom. É comum que alguns conselhos de Ellen White sejam mal avalia-dos por conta uma linguagem muito forte, uma analogia exage-rada ou uma imprecisão secundária. Mas a avaliação nunca deve girar em torno do que é periférico. O ponto crucial é se o âmago do conselho é bom. Por exemplo, um homem resolve gritar com fumantes, dizendo que eles devem parar de fumar, pois o cigarro causa câncer no pulmão e AIDS. Sem dúvida, há dois erros na mensagem desse homem: (a) não é uma boa abordagem gritar com as pessoas que queremos convencer; (b) o uso de cigarro não tem relação com o surgimento de AIDS. No entanto, ainda

3 WHITE, Ellen. “Manuscrito 7”, 1904. Entrevista de Ellen White sobre a idade ideal para entrar na escola. Presente no compilado Mensagens Escolhidas, V3, p. 217.

LIÇÃO 15: COmO avaLIar Os COnseLhOs e vIsões de eLLen WhIte 127

assim, o âmago do conselho é bom. O cigarro realmente não faz bem à saúde e deve ser rejeitado.

Os conselhos de Ellen White podem ser avaliados sob esse mesmo prisma. É digno de nota que esta avaliação do âmago do conselho, aliada à análise dos contextos, é muito útil para mostrar que alguns conselhos aparentemente estranhos de White faziam sentido e eram benéficos para o contexto histórico imediato.

Um bom exemplo para a aplicação desses critérios é o con-selho de Ellen White contra a leitura de romances. Analisando as razões que ela oferece, percebemos que ela lidava com alguns problemas de sua época. Um deles era o de que muitas meninas passavam o dia lendo romances, não querendo mais ajudar nos afazeres de casa. Além disso, quando se casavam, tornavam-se muito idealizadoras quanto ao matrimônio, criando expectati-vas irreais.4 White, então, recomenda que os romances dessem lugar à leitura da Bíblia.

Sabendo-se desse contexto é possível avaliar que o conselho não era uma norma, mas uma aplicação de princípios bíblicos como o de evitar a preguiça e não se deixar influenciar pelas pai-xões da juventude (Pv 6:6-11; Ec 10:18; II Tm 2:22). O âmago do conselho pode ser considerado bom? Sim. A ideia era libertar meninas de um vício que as fazia despreparadas para a vida. O possível exagero de Ellen White na linguagem e forma de abor-dar o assunto anula o âmago? De maneira alguma. O problema existia e a profetisa propôs uma solução útil.

White pode ter sido dura, imprecisa e até generalista neste e em outros conselhos. Há espaço para o leitor manter esse tipo de avaliação. Mas nós devemos ter em mente que (a) às vezes o contexto exige palavras duras e posturas radicais, (b) o profeta 4 Ver WHITE, Ellen G. Conselhos sobre Educação, p. 21; WHITE, Ellen G.

Testemunhos para a Igreja, V2, p. 302; WHITE, Ellen G. Conselhos para a Igreja, p. 173.

não é perfeito em seu modo de se expressar e (c) quase sempre o profeta é chamado para “apagar incêndios”.

Sobre esse último ponto, notemos: Deus não chama o pro-feta para ser um analista social. Deus não pede que o propro-feta gaste tempo fazendo uma longa análise sociológica e antropo-lógica para então propor teorias sobre as causas do problema, soluções distintas, abordagens variadas para cada grupo e ainda informar a todos que o problema possivelmente é contextual e que formas de lidar com ele podem mudar em função de tempo e lugar. Em vez disso, o profeta é uma ferramenta para não dei-xar problemas grandes se tornarem maiores. Cabe a outros atores sociais, depois, avaliarem se as asserções feitas pelo profeta eram atemporais ou aplicações de princípios a contextos específicos.

Em suma, passando por esses critérios, o conselho pode ser considerado coerente com o Sola Scriptura e, por conseguinte, crido como verdadeiro, útil e potencialmente inspirado.

No documento Adventismo e Reforma Protestante (páginas 124-129)