• Nenhum resultado encontrado

Como os educadores podem lidar com essa situação? Apontamentos sobre as alternativas de combate à violência

4 VIOLÊNCIA NA ESCOLA: INTRODUZINDO A DISCUSSÃO A PARTIR DO COTIDIANO

4.1 Como os educadores podem lidar com essa situação? Apontamentos sobre as alternativas de combate à violência

Para que o caos e a violência não completem um círculo vicioso; para que a cada ação violenta a resposta não seja outro ato violento; para que as nossas crianças vejam/ouçam a notícia dos atentados e não pensem serem atitudes comuns da constituição dos seres humanos, é preciso trabalhar para o fortalecimento de uma cultura que preze os princípios da moral e ética para com os outros cidadãos do mundo.

Sabemos que muitas escolas ainda não trabalham com as questões de violência que atravessam o nosso dia-a-dia. Atribuímos isso ao fato de que talvez os educadores não saibam como trazer para dentro da sala de aula uma temática tão forte como essa. Em algumas escolas brasileiras, crianças não queriam mais frequentar a escola com medo de que a qualquer momento iria entrar pela porta um assassino atentando a vida das mesmas, a partir do acontecido no Realengo.

Jares (2007) aponta algumas alternativas para que os educadores enfrentem as situações desconfortáveis que a violência causa. Para ele, os educadores podem/devem

Sob a perspectiva da educação para paz, devemos reforçar as nossas inequívocas propostas em favor de uma cultura de não violência, que começa pelo respeito à vida dos demais e aos princípios democráticos. A busca da verdade tem de nos levar necessariamente à análise das causas dos problemas. Como já manifestamos (JARES, 2001), o primeiro passo para resolver os conflitos é compreendê-los em toda a sua extensão, sem apriorismos e preconceitos. Analisar as causas deve levar-nos a levantar um mapa do conflito, que nos sirva de guia para a resolução. O ódio é contrário a uma cultura de paz e convivência respeitosa. O ódio nega, em sua essência mesma, o sentido educativo. Por isso, diante da

63

política do ódio, do “busca-se vivo ou morto”, devemos enfrentar os conflitos de maneira duradoura. Nesse sentido, devemos pedir a nossos alunos formas alternativas de resolução de conflito que não seja a guerra, que retroalimenta a espiral da violência ao gerar mais destruição e mais ódio. (JARES, 2007, p. 132-138)

Seguindo a perspectiva de resolução de conflitos apontada por Jares (2007), percebemos que pequenas atitudes se modificam em objetos de transformação da realidade. Por sua vez, os professores desempenham papel fundamental na sociedade em que vivemos, por eles passam milhões de crianças em idade na qual estão em processo de formação de caráter, costumes, hábitos. Com essa afirmação não queremos eximir a responsabilidade da família na formação humana de seus filhos, pois a cultura primeira é elaborada no seio da mesma e tem de ser ratificada todos os dias. E nem mesmo quero (re)adotar à figura do educador uma “autoridade moral”, como definia Durkheim (1952). Entretanto, penso que o professor pode ser um agente disseminador de uma cultura de paz, como já proferida por Jares (2007), e como se os mesmos fossem mosquitos que transmitissem ao invés de doenças, noções da construção de um bom habitus19, como comentado por Bordieu (1990).

Educar numa perspectiva de valorização da vida, mapear as origens dos conflitos – tanto os assistidos pela televisão, quanto os vivenciados no dia a dia, seguir a orientação de que o ódio não é a melhor opção para acabar com um conflito, são opções que um professor – assim como demais membros da sociedade, interessados por um mundo melhor - podem adotar como prática de suas ações diárias profissionais e pessoais.

Queremos dizer que em uma época em que o ter é mais valorizado do que o ser é preciso programar um política em sala de aula que valorize o capital cultural, não fazendo diferenciações entre os alunos, mas tentando aproximar as diferenças de um modo que o que seja gritante se torne amenizado.

Segregar os alunos em um canto da sala porque possuem dificuldades de aprendizagem; encaminhá-los à biblioteca, como castigo, porque agiram de forma agressiva com os demais colegas; ou até mesmo negá-lo porque não tem a mesma raça ou religião do restante do grupo são atitudes que só fazem aumentar a desigualdade no mundo e reforçar a instituição de uma cultura que provoca o ódio.

19 “Configuração de um esquema de ação, como estruturas incorporadas, gostos formados e

consolidados ao longo da vida escolar” (WERLE, et al, 2007). “Basta-lhe ser o que são para ser o que é preciso ser” (BORDIEU, 1990).

64

Ao contrário disso, elaborar situações problema para os alunos sobre a realidade que estamos vivendo é uma boa alternativa para testar as reações dos alunos e um momento oportuno para conduzir os alunos a atitudes que fomentem a paz. Além disso, trazer as tragédias do mundo todo para dentro da sala de aula, não como incentivo e disseminação da guerra, mas como tema de pesquisa para investigar as causas dos conflitos, a fim de desenvolverem em seus alunos o senso crítico para análise dos fatos ocorridos na sociedade em que vivem e constituem.

Talvez, seja oportuno o professor compreender os tipos de violência para saber prevenir e informar aos seus alunos sobre os riscos que correm e as maneiras de se proteger ou enfrentar a violência. Segundo Faleiros20 (2007),

A violência contra crianças e adolescentes é praticada de várias maneiras, por diferentes autores/atores e em distintos lugares. A classificação mais usual das geralmente denominadas formas de violência é: violência física, psicológica, e sexual. Classifica-se a violência sexual em abuso sexual e

exploração sexual comercial; o abuso sexual em intra e extra-familiar; a

exploração sexual em prostituição, pornografia, turismo sexual e tráfico de pessoas para fins sexuais. [...] a violência sexual é também violência física e psicológica; a violência física sempre é também psicológica. [...] Por fim, a violência simbólica estimula todas as formas de violência (FALEIROS, 2007, p. 29, [grifos do autor]).

O autor apresenta alguns tipos de violência que foram possíveis identificar durante a sua caminhada investigativa. Fazemos adesão as suas ideias sobre a identificação dos tipos de violência e anuímos à afirmação de que a violência simbólica incita outras violências. O conceito de violência simbólica traduzido pelo sociólogo francês Pierre Bordieu (1990), está por trás das coisas que são trazidas à tona em termos de decisões políticas, entre outras decisões que influenciam na vida de milhões de pessoas.

“A escola, como formadora, tem papel fundamental na desconstrução da violência simbólica e da cultura da inferiorização de gênero, de raça, de classe social, e de geração.” (FALEIROS, 2007, p. 31) Assim, os professores, que são elementos fundamentais e constituintes dessa instância que se chama escola, são os agentes de transformação de uma sociedade que valorize as suas origens sem caracterizá-las como inferior ou superior às origens dos seus pares.

20 FALEIROS, V. P.; FALEIROS, E. S. Escola que Protege: enfrentando a violência contra crianças e

adolescentes. Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007.

65

Uma das formas de sensibilizar os alunos para a construção de uma sociedade respeitosa e igualitária é oferecer o acesso às informações contidas no Estatuto da Criança e Adolescente, no qual será possível conhecer os seus direitos e deveres, bem como respeitar o direito alheio. O Estatuto compreende e abrange situações possíveis do cotidiano dessas pessoas que estão asseguradas por essa lei. Podemos perceber que devido à criação desse Estatuto os seres humanos ganham em relação à proteção de seus direitos e abrangência de seus deveres deixando um legado para gerações futuras.

No que se refere às questões de violência, destacamos no Estatuto, os artigos 16, 17 e 58, entre outros, que definem o direito à liberdade, à integridade física e os direitos no processo educacional da seguinte forma

Art. 16

O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I- ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II- opinião e expressão; III- crença e culto religioso;

IV- brincar, praticar esportes e divertir-se;

V- participar da vida familiar comunitária, sem discriminação; VI- participar da vida política, na forma da lei;

VII- buscar refúgio, auxílio e orientação. Art. 17

O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 58

No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura (ECA, 1990).

Pensamos que a simples inclusão transversal de informações como essas no cotidiano escolar e o planejamento de um projeto político pedagógico baseado no culto aos direitos humanos seja uma possível estratégia a ser adotada pelos professores para diminuir a violência na escola. As relações de poder exercidas através da violência entre as pessoas podem ser transformadas a partir de um enraizamento de bons costumes nos nossos jovens alunos.

66