• Nenhum resultado encontrado

Sirlei um exemplo de (re)significação: da violência à superação

7 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA

7.2 Sirlei um exemplo de (re)significação: da violência à superação

Na seção da metodologia, atribuí como característica elementar à professora Sirlei o ato de (re)significar, dar outro, novo e/ou significar novamente experiências do passado. Sirlei sofreu violência em sua infância devido à sua descendência alemã, nem por isso desistiu de seus objetivos e nem mesmo guardou algum tipo de rancor ou desesperança na escola/educação. Optou pela carreira do magistério e mesmo tendo passado muitas dificuldades de acesso a escolas situadas em meio rural não desistiu de sua profissão. Adquiriu uma doença grave e apesar de tê-la combatido ainda tem cuidados bastante frequentes com a sua saúde.

Na prática pedagógica de Sirlei, destaco que ela acredita ser necessário conhecer a realidade do aluno para entender as atitudes que eles tomam dentro da sala de aula, bem como, para ela saber como trabalhar com eles diariamente. Para ela, visitar as famílias e mostrar a importância da escola e da educação é uma estratégia eficiente e que tem dado retorno positivo em sua atuação com as crianças. Atribuo essa característica de sensibilizar-se com a história do outro justamente pelo fato da (re)significação de passagens ruins e difíceis que viveu e pelo fato de não querer que histórias como a dela se repitam ou se perpetuem.

108

Eu costumo questionar bastante a família, faço visitas nas casas. Teve o caso das irmãs que eu já relatei, a avó dela não estava comparecendo na escola, então eu resolvi ir na casa delas. Antes disso, eu falei paras as meninas que eu iria na casa delas e elas desacreditaram, disseram que eu era mentirosa. Na saída da aula, elas embarcaram no ônibus e eu fui de carro. Quando elas chegaram em casa eu já estava a espera delas, a avó até mexeu com elas dizendo que a professora não era mentirosa. Elas ficaram super envergonhadas, mas ao mesmo tempo ficaram felizes, mostraram-me o quarto delas. Uma realidade muito triste, pois são 5 crianças, mais os avós, totalizando umas 7 pessoas. Agora elas já sabem que devem se comportar devido essa proximidade que eu demonstrei indo até a casa delas. Elas até falam que: Né profê que se agente não se comportar tu vai lá falar com a vó? E desde a minha visita na casa elas brigam menos em sala de aula (Entrevista de Sirlei, 2011).

Como visto na entrevista, a estratégia de visita na casa aproximou a professora das alunas e da família, quebrando a distância e a desarticulação que existia entre família e escola. Esse ato tornou as alunas conscientes, que aprenderam a respeitar a professora, a escola e os colegas, não tomando mais atitudes que provocavam desentendimento entre os demais colegas da classe. Isso também colaborou para que a professora Sirlei atuasse em sala de aula de uma maneira mais compreensiva quando os seus alunos demonstram algum tipo de comportamento agressivo que se não contornado pode resultar em uma situação violenta.

Além de importar-se com a realidade do aluno para saber como lidar com eles em sala de aula, Sirlei representa ser uma educadora comprometida com a função primeira da educação: educar para vida. Ela procura incluir transversalmente no currículo as questões da cultura através de atividades envolvendo a agricultura, mobilização para a paz, o folclore e a ludicidade.

109

Figura 17: Professora Sirlei em suas intervenções pedagógicas na escola.

Fonte: Arquivo pessoal de Sirlei (2010), organizado por Thaís Marchi (2011).

Essas fotos ilustram parte das estratégias pensadas e executadas pela professora Sirlei, inclusive a “Caminhada para a Paz”, que aconteceu com a colaboração de todos os professores dessa escola. A caminhada ocorreu no distrito de São Valentim/RS, nas ruas da comunidade e tinha o propósito de manifestar o desejo dos professores e instigar os alunos a pensar em uma comunidade e em mundo de uma forma menos violenta.

Não há como não mencionar os escritos de Paulo Freire (1987) para referendar a prática pedagógica e as estratégias utilizadas por Sirlei, pois análoga às experiências da professora Goretti, Sirlei também compreende a educação a partir da realidade do aluno e vê na reciprocidade de afeto uma maneira de continuar ensinando seus alunos.

Sirlei exemplifica o que Freire (1987) aponta como uma prática de educação libertadora

A educação autêntica, repitamos, não se faz de “A” para “B” ou de “A” sobre “B”, mas de “A” com “B”, mediatizados com o mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a outros. Originando visões ou pontos de vista sobre ele. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperança ou desesperanças que implicitam temas significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo programático da educação (FREIRE, 1987, p. 48).

A forma de trabalhar os conteúdos programáticos engajada à realidade dos alunos está basicamente relacionada ao modo como o professor planeja e ensina.

110

Longe do conceito de educação bancária proferida por Freire (1987), Sirlei deposita as suas esperanças e aposta na metodologia que utiliza para trabalhar numa perspectiva da paz e da aceitação do outro.

Eu, na pré-escola, tenho trabalhado a questão de respeitar o outro, e aceitação do colega como ele é. Tento mostrar que ninguém é igual e que é preciso respeitar, porque nós temos que conviver todo o ano juntos. Essa é uma forma de conviver de maneira harmônica (Entrevista de Sirlei, 2011).

Esta professora (re)significou a violência sofrida e, partir da sua prática pedagógica refletida, tenta mostrar para os seus alunos que a escola é um espaço de aprendizagem e também um lugar de ser feliz, respeitando e valorizando o outro. O sentido da educação que Sirlei tenta mostrar para os seus alunos está na relação “educador-educando com educando-educador (FREIRE, 1987, p. 39[grifo meu])”, sem exercer uma relação de imposição e poder vertical sobre os alunos.

As estratégias investigadas nessa pesquisa e relatas por elas, expressam a força que um educador possui para resistir à realidade educacional brasileira ainda mais aqueles que não receberam em tempo a formação inicial necessária para lidar com a violência e muitas outras dificuldades do ensino.