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Como o ensino da oralidade pode ser efetuado em sala de aula?

Existem poucas propostas para o trabalho com a oralidade na escola. A questão, na verdade, é ainda muito delicada, tendo em vista que, como já mostramos na pesquisa de Bueno (2009), nem todos os profissionais sabem bem o que é essa prática social interativa. Cruz (2011) também traz questionamentos dessa natureza:

Abre-se, pois, uma discussão muito delicada: o que é “ensinar oralidade”? Formalizar as aulas de fonética? Apresentar falares de diferentes regiões do país e ensinar sotaques? Sem dúvida não é esse o efetivo trabalho com o oral, muito embora os PCN apresentem, sempre que possível, uma contraparte variacionista ao estudo da fala. (CRUZ, 2011, p.120-121)

Concordamos com Cruz (2011) que a discussão que engloba o ensino da oralidade não se enquadra nesses questionamentos, pois, como alega o autor, não se trata de avaliar a pertinência da associação da oralidade a estudos variacionistas, mas, sim, de fundamentar a questão da oralidade não somente nestes estudos, como parecem ter feito, com predominância, os manuais. O interessante é apresentar possibilidades de relação com o estudo dos gêneros, que, em suma, é o que ampara a perspectiva (interacionista comunicativa) abraçada pela escola.

[...] Como se pode facilmente constatar, os textos orais igualmente ocorrem sob a forma de variados tipos e gêneros, dependendo dos contextos mais ou menos formais em que acontecem. São bem diferentes a conversa coloquial, o debate, a exposição de motivos ou ideias, a explicação, o elogio, a crítica, a advertência, o aviso, o convite, o recado, a defesa de argumentos [...]. É útil ressaltar que o discurso formal das situações públicas da interação oral (aquilo que comumente se chama “falar em público”) precisa ser exercitado – em suas regularidades mais gerais –, pois tal discurso apresenta traços especiais, diferentes daqueles outros do discurso informal, próprio das situações coloquiais e privadas. Dentro dessa variedade, caberia também lembrar o imenso cuidado do professor para rejeitar, com firmeza, qualquer atitude discriminatória, seja de quem for, em relação às falas desprestigiadas. (ANTUNES, 2003, p.103)

Essas ressalvas são de cabal importância, pois, como apregoam os PCN/1998, a língua oral deve ser ensinada a partir de gêneros do campo público, pois, embora o aluno saiba se comunicar nas mais variadas situações comunicativas rotineiras, muitas vezes, apresenta

dificuldade de efetuar a comunicação oral em situações mais formais, “e a nosso ver, seria

fornecendo elementos para auxiliar na formação cidadã” (MENDES, 2005, p. 79), formação

esta que precisa ser desprovida de preconceitos.

Entretanto, o preconceito ainda persiste nas mais variadas amplitudes, principalmente o linguístico, que, em alguns casos, é praticado pelo professor em relação à utilização das variedades da língua menos prestigiadas. Cabe ao profissional dessa área ser bastante cauteloso quanto a esse assunto, como enfatiza Antunes (2003).

Essa precaução precisa ser incansável, pois informações acerca do emprego das variedades menos prestigiadas da língua podem gerar diversas deturpações, como ocorreu na polêmica do livro didático em 20116, em que houve opiniões dos mais variados campos sociais, sem, contudo, darem voz aos linguistas. Interessante também é que muitas das pessoas que foram convocadas a falar sobre o assunto não eram especialistas da área e terminaram por desvirtuar o real objetivo da discussão.

Para Marcuschi (1999), não se trata de ensinar a fala, mas de evidenciar a grandiosa riqueza e a diversidade de usos da língua. Sugere o autor que uma boa forma de determinar o espaço do estudo da fala em sala de aula seria especificar em que aspecto este estudo poderá contribuir para práticas pedagógicas voltadas para a oralidade. Ainda assegura que um dos propósitos do ensino de línguas deve ser o de evidenciar as características do contexto comunicativo para tornar os alunos capazes de adequar a língua às diversas situações de comunicação.

Pretendemos ressaltar, com tudo isso, que precisa ficar claro aos alunos que a língua é viva, heterogênea, multifacetada, variável e que, portanto, há variedades linguísticas e que todas merecem ser respeitadas. Todavia, mesmo sendo papel também da escola apresentar e discutir essas variedades da língua, por ser formadora cidadã, a exigência que regula sua atuação, de forma mais contundente, relaciona-se ao ensino de gêneros que fazem parte da esfera pública, e concordamos com isso, pois os alunos serão cobrados quanto a esse saber nas mais diversas situações formais pelas quais, provavelmente, irão passar. É necessário ao

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Naquele ano, a obra, cuja referência é AGUIAR, C. et al. Por uma vida melhor, coleção Viver, aprender. São Paulo: Global, 2011, foi polemizada pela mídia quando trouxe a discussão das variantes linguísticas, o que, para o senso comum, ainda parece ser uma barreira. A obra foi aprovada pelo PNLD 2011-2013 e adotada pelo MEC.

professor ter bom senso para saber como proceder quando for preciso entrar nesse âmbito do ensino de línguas. No que concerne ao ensino de língua oral, os PCN regulam que:

Ensinar a linguagem oral deve significar para a escola possibilitar usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que a palavra pública tem no exercício da cidadania (BRASIL/MEC, 1998, p.67)

Por acreditarmos que seja essencial o domínio dos gêneros orais nos campos públicos, e que esse direito deva ser concedido pela escola aos alunos, pensamos, com base em Antunes (2003), que, a partir do instante em que for reconhecido e compreendido o caráter interacional da língua oral e sua aplicação por meio de gêneros textuais, será possível intervir nas atividades voltadas para o desenvolvimento da modalidade oral de forma que a abordagem do professor contenha as características a seguir, segundo Antunes (2003):

- Uma oralidade orientada para a coerência global:

A escola precisa priorizar a unidade temática do texto como uma competência a ser ampliada. Isso também compete à identificação por parte dos alunos no tocante ao reconhecimento dos aspectos globais do texto e o intuito da interação. Com isso, será possível fazer perceber, aos alunos, o modo como a unidade temática do texto apresenta características diferentes nas mais variadas situações de comunicação.

- Uma oralidade orientada para a articulação entre os diversos tópicos ou subtópicos da interação:

A utilização de elementos reiterativos ou de conectores está presente também nos textos orais, mesmo com algumas particularidades. É importante destacar que o estudo do texto na escola, contemplando os elementos reiterativos, que são as repetições, as substituições pronominais e as substituições por sinônimos/hiperônimos, associações semânticas entre palavras, conjunções, propiciará a compreensão de que a oralidade também se encontra sob os preceitos da textualidade.

- Uma oralidade orientada para a variedade de tipos e de gêneros de discursos orais:

Os textos orais se realizam na forma de diversos tipos e gêneros, que serão mais ou menos formais a depender da situação comunicativa para a qual devam ser produzidos.

“Planejar – mais ou menos – e realizar essas formas de atuação verbal requer competências

que o professor precisa ajudar os alunos a desenvolver, para que eles saibam adequar-se às

condições de produção e de recepção dos diferentes eventos comunicativos”. (ANTUNES,

2003, p.102). Ao desenvolver essas potencialidades nos alunos, o professor fará com que os alunos aprendam a lidar com situações nas quais tenham de agir comunicativamente cooperando para com a construção do texto e respeitando os demais participantes dessa construção interativa.

- Uma oralidade orientada para facilitar o convívio social:

“O falante e o ouvinte são os atores do drama da comunicação e, nesse drama, cada um tem seu papel específico, que delimita suas possibilidades de atuação” (ANTUNES, 2003,

p.103-104). Significa dizer que os interlocutores, em uma dada situação de comunicação, possuem papéis diferentes e que essas atuações devem ser claras para cada participante, pois há uma espécie de divisão de papéis que não devem ser invertidos e nem ultrapassados. Com isso, podemos dizer que, ao ter seu papel definido, cada participante precisa saber qual o seu momento de falar, de interromper, pois o texto oral, quando é produzido em conjunto, precisa conter alternância de interações dos sujeitos para que seja elaborado. Isso nos remete a Bakhtin (1997), ao afirmar que o enunciado é definido pela alternância dos falantes da interação. A escola precisa transmitir essas informações e também ampliar as expressões que

são peculiares ao “comportamento linguístico polido para desenvolver a competência comunicativa de seus alunos.” (ANTUNES, 2003, p.104). Assim, se a escola tem a finalidade de desenvolver a competência comunicativa de seus alunos, precisa instigar as expressões peculiares de um comportamento linguístico, nas quais os elementos pragmáticos englobam amplos significados.

- Uma oralidade orientada para se reconhecer o papel da entonação, das pausas e de outros recursos suprassegmentais na construção do sentido do texto:

No processo de interação verbal, encontram-se presentes elementos de natureza suprassegmental, como a entonação, as pausas, e também as expressões fisionômicas de gestos e recursos de expressão cênica que contribuem para uma construção significativa de sentido e propósito da interação/situação comunicativa.

- Uma oralidade orientada para desenvolver a habilidade de escutar com atenção e respeito os mais diferentes tipos de interlocutores: (idem, 2003).

É interessante tentar desenvolver nos alunos a competência de saber ouvir o outro atentamente, pois, ao saber escutar, o aluno aprenderá a respeitar e a ter atenção para com o colega e com o professor. Este critério, inclusive, é um dos focos do nosso capítulo de análise, já que, como trabalhamos com o gênero debate, o ouvir o outro é um elemento fundamental para o bom desenvolvimento da produção textual oral.

Concordamos com todas estas ideias de Antunes (2003), e elas também nos despertam para a formulação das ideias desenvolvidas em nossa tese, as quais buscam elucidar o que deve ser ensinado no que diz respeito à língua oral, que até hoje parece ser lacunar, pois.

Sabemos que materiais didáticos capazes de resolver todos os problemas não existem, mas pensamos que, se se quer e se acredita na possibilidade de um ensino com um pouco mais de qualidade apoiado por materiais também de qualidade, é preciso colocar à prova, experimentar sucessivamente. (MENDES, 2005, p.191)

Por isso, pretendemos investigar, sistematicamente, como o ensino da língua oral pode ser efetuado de forma eficaz. Ensinar a oralidade seria, para nós, a tentativa de praticar a língua em atividades sistematizadas, nas quais o aluno saiba que há, nesse momento, intenção de experimentar situações interativas, estratégias textuais, recursos não verbais, ou seja, elementos que são utilizados durante o processamento da língua oral, e, que eles são diferentes dos da escrita, por se darem em momento real, os quais não podem ser apagados, mas reparados. Até mesmo para estes reparos, acreditamos que a prática pode tornar o aluno mais hábil para construir textos orais dotados de sentido. Por isso, a prática da modalidade oral da língua não só pode como deve ser realizada na escola, assim como a escrita. Essa prática, em nossa concepção, que tem por preceito epistemológico a língua como interação, realiza-se de forma profícua por meio de gêneros do discurso.

É por acreditar nas concepções apresentadas acima que objetivamos buscar, em nossa tese, os entraves enfrentados pelos alunos, durante situações de produção textual de debate na escola. Entretanto, antes de realizar nosso intento, consideramos pertinente refletir sobre a situação do profissional docente frente a essas adversidades.