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Optamos por iniciar este subtóptico questionando o porquê de sempre procurarmos os culpados pelos problemas. Seja qual for a situação-problema, é de praxe tentarmos encontrar o responsável antes de buscar solucioná-la, e isso não é diferente na seara escolar. Significa dizer que o professor é, quase sempre, julgado por todas as falhas no ensino de seus alunos. Antes de culpá-los, o convidamos para investigar mais de perto os reais problemas enfrentados pelos alunos, pois se a “falha” (ou a lacuna) existe, o mais sensato, a nosso ver, é tentar procurar identificá-la para, assim, poder resolvê-la, e não simplesmente emitir julgamentos de valor ou procurar responsáveis, sem nada propor para minimizar a problemática.

Considerando a temática destacada acima, a qual foi discutida por Bueno (2009), também concordamos com Rojo (2003), ao considerar essas nuances que englobam o trabalho com a linguagem oral. A autora diz que este é um ponto obscuro para os autores e também para os editores de livros didáticos de Língua Portuguesa. Sendo assim, há para os autores objeção em sistematizar atividades de natureza oral; com isso, os editores ficam perdidos, os professores, por sua vez, apresentam dificuldades de ensinar a oralidade, por serem escassas as propostas voltadas para esse objeto, e, consequentemente, o aluno, muitas vezes, não tem muitas oportunidades de praticá-la, na escola, de maneira formalizada.

Assim, é preciso considerar a existência de uma complexa teia em relação ao trato da oralidade, pois, como observamos, o problema não está somente nas mãos do professor que tem poucos subsídios para a concretização do ensino da língua oral, uma vez que tem de seguir indicações de manuais, de coordenadores pedagógicos, do grupo gestor; tem de cumprir carga horária, planos da escola, além, de, muitas vezes, não ter oportunidade de aprender na academia como ensinar a língua oral.

Acerca dessa problemática, Hümmelgen (2008) constata, com base em Haverlock

(1995), que “de fato, os educadores não têm realizado práticas que desenvolvam a oralidade

em sala de aula, muito embora essa temática seja sugerida pelos Parâmetros Curriculares

Contudo, com base em Mendes (2005), pensamos que a oralidade esteja presente pelo menos nos Livros Didáticos de Português (LDP), pois neles há uma atenção para a oralidade como objeto de ensino, seja para explorar estratégias de leitura, produção ou compreensão de gêneros na modalidade escrita da língua, seja para o ensino de conteúdos linguísticos. Assim, não seria justo afirmar que os professores não têm realizado práticas que visem ao trabalho com a oralidade. Inferimos que, diante de tais percalços, seja realmente complexo para o

professor exercer esse ensino com eficácia e plenitude, já que se reconhece “que não há uma

tradição de ensino da linguagem oral nas nossas escolas; daí não ser espantoso que a maioria dos professores tenha uma visão pouco clara desse desafio.” (MENDES, 2005, p.83). Acrescentamos a isso que, além de não existir esta tradição, não há uma sistematização concreta de como se ensinar a oralidade.

Mas, em relação à formação dos professores em geral, principalmente no que toca à aliança entre teoria e prática, Costa-Hübes e Swiderski (2009) realçam que houve uma internalização do tipo de sujeito para o qual o docente de língua portuguesa está sendo preparado para formar na academia. Vejamos o que as autoras salientam a este propósito.

[...] ainda percebemos um distanciamento entre teoria e prática, ou seja, só o conhecimento teórico não subsidia uma ação consciente e transformadora. É preciso mais. Por mais que pareça redundante esse comentário, insistimos que é preciso levar o conhecimento teórico até a prática docente, pois só quando houver a relação efetiva entre teoria e prática é que o educador poderá ter parâmetros para mensurar os resultados do processo de formação, bem como os resultados da atuação prática como docente, e então posicionar-se como profissional qualificado para um trabalho didático significativo com a língua(gem). (p.113)

Concordamos com as autoras ao afirmarem ser necessário estabelecer um diálogo entre teoria e prática, pois, com isso, os professores em formação saberão como agir em suas práticas docentes. Os alunos, dessa forma, terão acesso aos conhecimentos essenciais ao seu desenvolvimento escolar e, provavelmente, também, ao desenvolvimento humano, que pensamos ser possível iniciá-lo através das interações entre os sujeitos em sala de aula.

Ainda sobre essa questão, Magalhães (2008) constatou, ao analisar livros didáticos, que a maioria deles não está vinculada ao que recomendam os PCN, mas ao que indica o Guia do PNLD/2005, no qual toda e qualquer menção, atividade, reflexão sobre a língua oral é vista como exercício de oralidade. A autora enfatiza que essas práticas são oralizações da

língua escrita e assegura que “assim como os professores não desenvolvem o trabalho com a

língua falada em sala de aula, os livros didáticos não contemplam atividades nessa

livros didáticos não veem atividades práticas com a oralidade na escola, os professores que, muitas vezes, seguem os livros didáticos ou manuais escolares, não conhecem caminhos para desenvolver atividades que englobem o ensino da oralidade em sala de aula.

A autora conclui que há uma discrepância entre os documentos oficiais, que apresentam conceitos diferenciados de oralidade, e isso termina por refletir de forma complexa para o professor, que fica sem saber qual documento deve seguir. Ainda ressalta que, provavelmente, para as coleções serem aprovadas pelo Guia PNLD, tiveram de cumprir rigorosamente os critérios estabelecidos pelo Guia; caso contrário, correriam o risco de não receberem a aprovação. Além do mais, se o Guia fosse tão específico quanto os PCN, muitas coleções poderiam ser reprovadas.

Em outro estudo, Magalhães (2008), no intento de delinear os argumentos principais à incorporação da oralidade no trabalho escolar, declara seu posicionamento sobre essa incorporação pedagógica, por parte do professor.

Acreditamos que os professores tomaram conhecimento de muitos dos avanços trazidos principalmente nas últimas décadas, mas, na maioria das vezes, não se apropriaram de forma consistente deles nem os incorporaram à sua prática. É preciso, portanto, que os professores cheguem à sala de aula com uma reflexão consistente sobre como transpor as propostas acadêmicas, de tal modo que seu trabalho resulte numa orientação segura e eficaz de como abordar, com seus alunos, as questões pertinentes ao desenvolvimento da modalidade falada.

Ou, em outros termos, a teoria é clara e acessível, mas ainda não é colocada em prática devidamente. De um modo geral, o professor não foi recapacitado após o advento das múltiplas contribuições. (MAGALHÃES, 2008, p.150-151)

De fato, como afirma Magalhães (2008), muitos professores ainda não se apropriaram da modalidade oral e não incluíram o ensino da oralidade em suas práticas escolares. Contudo, embora seja destacado que o professor ainda não passou por uma nova capacitação acerca desses conceitos, acreditamos, diferentemente da autora, que a não incorporação dos conhecimentos à prática docente ainda não ocorreu devido à falta ou às falhas na sistematização de como proceder com atividades que ensinem a língua oral; além disso, não vislumbramos tal clareza e acessibilidade no que concerne à teoria para essa área.

Podemos dizer que há documentos oficiais que regem o ensino da língua oral (PCN, 1998), há muitas pesquisas que merecem destaque no cenário da área (FIAD, 1997; RAMOS, 1997; CASTILHO, 1998; FÁVERO, ANDRADE, AQUINO, 2003; MARCUSCHI, 2003b; SWIDERSKI, R. M. S.; COSTA-HÜBES, 2009; SANTOS, RICHIE, TEIXEIRA, 2012; GOMES-SANTOS, 2012) e apresentam, nas obras citadas de 2012, fontes de aplicabilidade

de ensino no que concerne à leitura e à produção de textos orais, as quais consideramos pertinentes por serem inovadoras e por oferecerem caminhos para a prática docente.

Todavia, preocupações nesse viés ainda são reduzidas. A proposta de ensino mais conhecida na seara acadêmica, e que não poderíamos deixar de destacar como um dos fatores instigantes para a nossa tese, é a proposta de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a qual deve e precisa ser valorizada, mas poderia sistematizar com maior clareza seu objeto de ensino de natureza oral.

Ressaltamos as informações acima para retomamos as palavras de Magalhães (2008),

nesse mesmo estudo, quando diz que “cabe a nós, pesquisadores, colaborar com estudos que

versem sobre a aplicação dessas teorias linguísticas ao ensino, de modo a auxiliar o professor

a realizar um trabalho produtivo na sala de aula.” (MAGALHÃES, 2008, p. 151), ou seja, a

questão parece ser principalmente relativa às sistematizações de propostas que possam direcionar o ensino da língua oral, que, para nós, não são muitas e nem são tão claras quanto deveriam.

Como tentamos ilustrar, o problema não se encontra apenas na pouca atenção voltada ao ensino da oralidade, mas também na dificuldade dos professores em como proceder com esse ensino. Assim, aparentemente, o problema é bem maior, pois, por trás dessa questão, parece haver limitações no que tange à preparação para o trabalho com oralidade em sala, possivelmente pelo número reduzido de propostas que possam englobar as necessidades decorrentes das práticas de ensino.

Entretanto, como já ressaltamos, não seria pertinente investigar a origem de tal lacuna, mas, sim, procurar uma forma de reverter a atual situação que perdura durante um longo período, tempo bastante considerável para a trajetória educacional. Por isso, investigamos uma maneira que possa conceber a oralidade como objeto de ensino na escola a partir das dificuldades que os alunos enfrentam na produção do gênero oral, nesse caso, em específico, com o gênero debate.

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D

O DIALOGISMO BAKHTINIANO AOS GÊNEROS ESCOLARIZADOS NO

INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO

ARGUMENTO 2

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso. [...] os gêneros do discurso: estes são tão indispensáveis para a compreensão mútua quanto as formas da língua. (BAKHTIN, [1953] 1997, p. 285).

Como nossa preocupação recai sobre o ensino da língua oral, mais especificamente sobre o tratamento metodológico concedido ao trabalho com gêneros orais, assim como Bakhtin (1997), consideramos que, quanto mais domínio tivermos sobre a produção de gêneros, mais desenvoltura teremos nas mais variadas situações de comunicação, nas quais tivermos de agir por meio do discurso oral ou escrito.

Embora Bakhtin fosse um filósofo da linguagem e não tivesse preocupação com o processo de ensino-aprendizagem, os PCN (BRASIL, 1998) utilizam-se dos preceitos bakhtinianos para o ensino de língua portuguesa no Brasil, a partir de um estudo com base em gêneros. Além disso, esses documentos oficiais sugerem em que momento escolar devem ser ensinados determinados gêneros. Para a etapa pesquisada, mais precisamente nos 6º e 7º anos no ensino fundamental, um dos gêneros formais e públicos sugeridos é o debate.

Com isso em vista, este capítulo é dedicado à explanação do conceito de língua e de gênero que embasam nossa pesquisa e, na sequência, apresentamos uma breve explanação sobre o gênero debate. Iniciaremos com os pressupostos de Bakhtin (1997), que é a fonte para diversas correntes da análise de gêneros, inclusive para a interacionista sociodiscursiva, que contempla os estudos de Schneuwly e Dolz (2004) e a proposta de sequência didática proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a qual constitui o último ponto a ser abordado neste capítulo.