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CAPÍTULO 5 A TEORIA EVOLUTIVA À LUZ DAS CONTRIBUIÇÕES

5.1 Como as espécies mudam?

A primeira premissa defendida por Darwin em Origin refere-se a mudança das espécies no decorrer do tempo. Em suas próprias palavras,

Ao considerar a Origem das Espécies, é bastante concebível que um naturalista, refletindo sobre as afinidades mútuas dos seres orgânicos, em suas relações embriológicas, sua distribuição geográfica, sucessão geológica e outros fatos semelhantes, possa chegar à conclusão de que as espécies

existentes não foram criadas independentemente, mas descenderam, como variedades, de outras espécies (DARWIN, 1859, 3)1.

Dessa forma, em todo o seu livro, Darwin busca explicar como ocorreram essas variações que levaram à especiação (formação de novas espécies a partir de uma espécie ancestral pré-existente), baseando-se em diferentes mecanismos, sendo o mais importante a seleção natural, e apontando como as causas da variação o isolamento geográfico, a disponibilidade de recursos (alimentos) e as mudanças climáticas. Convém ressaltar que a seleção natural não era o mecanismo exclusivo para variação no pensamento darwiniano (DARWIN, 1859, p. 6)2. Ele também explicava as variações através da lei do uso e desuso (DARWIN, 1859, p. 43), em que o “uso de certas partes nos animais domésticos fortalece e amplia o tamanho delas, enquanto o desuso as diminui, e que tais modificações são herdadas” (DARWIN, 1859, p. 134).3

A lei do uso e do desuso é geralmente atribuída a Lamarck; principalmente em livros didáticos que comparam sua teoria de evolução com a de Darwin, demonstrando o quanto seu pensamento era errôneo (ALMEIDA E FALCÃO, 2010). Porém, como bem discutido por Martins (1993, p. 44), Lamarck possuía uma ampla pesquisa que perpassava explicações desde o surgimento da vida até o aparecimento das faculdades superiores dos animais e do homem, não resumindo suas pesquisas apenas aos tópicos geralmente apresentados no Ensino Médio. Os próprios conceitos de ‘herança dos caracteres adquiridos’ e a ‘lei do uso e do desuso’, que faziam parte da teoria de evolução de Lamarck, não eram suas próprias ideias, mas sim ideias que circulavam desde a Antiguidade e que continuaram a ser aceitas posteriormente aos trabalhos de Lamarck (MARTINS & BRITO, 2006, p. 255), tendo sido inclusive incorporadas por Darwin e por Herbert Spencer, que admitia que a herança dos caracteres adquiridos era um mecanismo mais relevante que o da seleção natural (MARTINS & BRITO, 2006, p. 256). Darwin explicava muito das estruturas dos animais baseado nessa premissa equivocada, em que o uso contínuo reforçaria e levaria ao desenvolvimento de uma estrutura enquanto o seu desuso a atrofiaria.

O mecanismo mais importante proposto por Darwin para explicar as variações na

1 In considering the Origin of Species, it is quite conceivable that a naturalist, reflecting on the mutual affinities of organic beings, on their embryological relations, their geographical distribution, geological succession, and other such facts, might come to the conclusion that each species had not been independently created, but had descended, like varieties, from other species.

2 Furthermore, I am convinced that Natural Selection has been the main but not exclusive means of modification.

3 ... that use in our domestic animals strengthens and enlarges certain parts, and disuse diminishes them; and that such modifications are inherited.

natureza foi a seleção natural, considerado um conceito único ou a ‘grande ideia de Darwin’ (MAYR, 2006). Apesar de concordarmos com Mayr acerca da seleção natural ser uma ideia revolucionária, há de se considerar que o termo já havia sido empregado anteriormente para explicar variações existentes na natureza. Um exemplo é o do naturalista escocês Patrick Matthew, contemporâneo de Darwin, que tentou reclamar a si em 1860 o reconhecimento acerca do ‘descobrimento da seleção natural’, sem sucesso (WELLS, 1973). Há de se ressaltar que o mecanismo também foi apresentado simultaneamente por Wallace; ainda que ele não tenha utilizado o mesmo termo que Darwin, descreveu o processo idêntico na apresentação simultânea de seu trabalho com o de Darwin em 1858.

O fato é que Darwin construiu um longo argumento acerca da seleção natural4. A seleção natural pode ser compreendida como a “preservação de variações favoráveis e a rejeição de variações prejudiciais” (DARWIN, 1859, p. 81)5, totalmente vinculada à luta pela existência (DARWIN 1859, p. 60) e com o ambiente que seleciona os indivíduos que apresentam maiores condições de lidar com as adversidades e mudanças (DARWIN 1859, p. 81-82). O processo tem um componente aleatório importante – o surgimento da variação – que não é determinado ou direcionado por forças sobrenaturais. A luta pela existência é essencial para que ocorra a seleção natural. Como nascem mais indivíduos do que o número dos que podem sobreviver, a competição entre indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes que convivem no mesmo habitat e ocupam o mesmo nicho é intrínseca ao processo. Para que ocorra seleção natural, é necessário que os organismos se reproduzam, que suas características sejam hereditárias e que exista variação de aptidão do organismo, isto é, o número médio de descendentes diretos deixados por um membro da população (RIDLEY, 2006, p. 104).

O conceito de seleção natural não foi aceito de imediato pela comunidade científica após o lançamento de Origin; já comentamos que o próprio Huxley não o aceitava. O geólogo Charles Lyell (1797-1875), amigo de Darwin e um dos influenciadores para a apresentação do trabalho em 1858 na Linnean Society6, também nunca admitiu a seleção natural como mecanismo evolutivo. De fato, o conceito só foi amplamente utilizado após a década de 1940,

4 Na primeira edição de Origin, o termo seleção natural é utilizado 322 vezes.

5 Darwin ainda considerou que existiam variações que eram neutras, ou seja, não traziam vantagens nem desvantagens. Nesse caso, essas variações poderiam ou não aparecer na descendência, mas não comprometeriam o processo.

6 Após a leitura do trabalho de Wallace , por pressão e sugestão dos amigos Thomas Huxley (1825-1895), Charles Lyell (1797-1875) e Joseph Dalton Hooker (1817-1911). O trabalho de Darwin foi apresentado junto ao de Wallace em uma publicação simultânea na Sociedade Linneana de Londres, presidida por Thomas Bell, no dia 01 de julho de 1858. O trabalho de Darwin foi lido pelo secretário da Sociedade, visto que Darwin não compareceu ao evento devido aos problemas de saúde em sua família.

no período denominado Síntese Moderna da Evolução (MAYR, 2006), que considerou a seleção natural como o principal mecanismo na evolução dos organismos e adotou a genética mendeliana para explicar a herança particulada, lacuna importante na obra de Darwin. A Síntese Moderna discute como os organismos se transformam na dimensão do tempo (evolução), bem como se adaptam, explicando as variações através das mutações e recombinações gênicas aleatórias.

Recentemente, novas pesquisas têm demonstrado que a seleção natural não é o mecanismo principal de variação (sintetizado em SILVA & SANTOS, 2015). Outros fatores interferem na proporção genotípica, como a regulação gênica, a herança epigenética e a plasticidade fenotípica, o que levou diversos autores a adotar o termo Síntese estendida da evolução (WEST-EBERHARD, 2003) englobando estes processos que atuam em conjunto com a seleção natural. Ao propor a possibilidade de ocorrência de mudanças rápidas (do ponto de vista geológico) e de herança não particulada, a descrição desses novos mecanismos tem desafiado conceitos evolutivos clássicos – como o gradualismo e a inviabilidade da herança de caracteres adquiridos. Porém, o mecanismo de seleção natural ainda é conceitualmente forte e capaz de explicar grande parte da diversificação biológica encontrada no planeta.