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CAPÍTULO 4 FRITZ MÜLLER E SUA INFLUÊNCIA NO TRABALHO

4.1 Correspondências de Darwin e Müller

4.1.3 Seleção sexual

Darwin tratou de forma breve em Origin o tema seleção sexual; porém foi em Descent of Man (cuja primeira edição data de 1871) que ele estabeleceu melhor o conceito, utilizado para resolver questões levantadas à época como a presença de caracteres diferenciados (nomeados de caracteres secundários) encontrados principalmente nos machos de diversas espécies. De maneira geral, seleção sexual refere-se à “vantagem que certos indivíduos possuem sobre outros do mesmo sexo e espécie com respeito à reprodução” (DARWIN, 2002, p. 249). Para Darwin, a seleção sexual era evidente nos caracteres sexuais secundários, expressos em determinado sexo de uma espécie e ausentes no outro, distinguindo-se dos caracteres sexuais primários, representados pela diferença existente entre machos e fêmeas quanto aos órgãos de reprodução. Os caracteres sexuais secundários, que não tem conexão direta com a reprodução, podem ser órgãos sensoriais ou locomotores presentes em uma determinada espécie apenas em um sexo (no macho ou na fêmea), bem como o desenvolvimento de determinada estrutura em uma espécie, ausente em um sexo e presente no outro (DARWIN 2002, p. 247). Darwin ainda distinguiu dois mecanismos pelo qual a seleção sexual poderia agir, seleção intra-sexual e inter- sexual. Na seleção intra-sexual, indivíduos do mesmo sexo (machos) lutariam ativamente para eliminar os rivais e assegurar a fêmea, passiva no processo; já na seleção inter-sexual os machos buscam atrair a preferência das fêmeas, que possuem um papel ativo na escolha do parceiro (DARWIN, 2002, p. 247-255).

Em consulta às correspondências entre Darwin e Müller notamos que o tema seleção sexual já era debatido entre os dois naturalistas por cartas desde 1867, ou seja, quatro anos

antes da publicação do Descent. Em 01 de abril de 1867, Müller informa a Darwin acerca do dimorfismo sexual que ele observou em algumas espécies de animais invertebrados, tais como: o caranguejo Gelasimus (crustáceo superior), em que os machos apresentam o cefalotórax de cor branca, podendo ser alterado para um cinza escuro ou preto, enquanto as fêmeas apresentam apenas a cor cinza-marrom, sem mudança de cor34; o copépodo Sapphirina (crustáceo inferior), em que os machos são coloridos e as fêmeas sem variedade de cores; e espécies da família Syllidae, de vermes anelídeos, com diferenças tão grandes entre machos e fêmeas que muitas vezes os sexos eram classificados em gêneros diferentes.

Em 17 de julho de 1867, Müller responde uma pergunta anterior de Darwin quanto à diversidade sexual de animais invertebrados, fornecendo as diferenças entre machos e fêmeas. Também comenta acerca de um peixe encontrado no mar de Santa Catarina que produz um som muito melódico, ao qual ele atribui a função de uma provável atração ao sexo oposto. Vejamos o excerto:

Quanto à sua pergunta sobre as diferenças sexuais entre os animais inferiores35, talvez um de nossos anfípodos, Brachyscelus diversicolor F.M.

possa ser aqui mencionado36 O macho desta espécie […]37 se diferencia não

apenas pelas antenas, visto que o primeiro par é muito grosso, enquanto que o segundo é extraordinariamente longo (este segundo par falta nas fêmeas e nos jovens machos), senão também através de sua cor. A fêmea é geralmente de um branco leite ou de uma cor amarelada, o macho é de um marrom escuro avermelhado ou enegrecido. A espécie tem olhos excepcionalmente grandes, como de fato a maioria das Hyperina, e por isso não é improvável que a fêmea seja atraída pela cor do macho.” Carta n. 5583A38.

Em correspondência de 31 de julho de 1867, Darwin pede ajuda a Müller quanto às cores brilhantes de planárias e se estas possuíam alguma possível relação com a seleção sexual – Darwin supunha tratar-se de indivíduos hermafroditas (que possuem ambos os sexos). Müller provavelmente respondeu a esta carta, visto que Darwin agradece as

34 Darwin utilizou-se deste dado em Descent 1 p, 333 e 336.

35 Provavelmente houve uma carta anterior de Darwin em que este apresenta a pergunta, não disponível na literatura de consulta.

36 Francis Darwin nos diz que o nome Brachyscelus diversicolor nunca foi publicado por Müller. 37 Suprimiu-se a classificação taxonômica da espécie, presente no original.

38 Was Ihre Frage über Geschlechtsverschiedenheiten bei niederen Thieren betrifft, so mag vielleicht eine unserer Amphipoden, Brachyscelus diversicolor F.M.,hier zu nennen sein. Das Männchen dieser Art, welche auf einigen unserer grösseren Acalepheen lebt (Rhizostoma cruciatum Less. = Rhacopilus cruciatus und cyanolobatus Agass. und Chrysaora Blossevillei Less. = Lobocrocis Blossevillei Agass.), unterscheidet sich nicht nur durch seine Antennen, deren erstes Paar sehr dick und reichlich mit Riechhaaren versehen ist, während das zweite ausserordentlich lang ist (dies zweite Paar fehlt den ♀ und den jungen ♂)—sondern auch durch seine Farbe. Das Weibchen ist gewöhnlich von milchweisser oder mattgelblicher Farbe, das Männchen dunkelröthlich- braun oder schwärzlich. Die Art hat aussergewöhnlich grosse Augen, wie in der That die meisten Hyperina sie haben, und so ist es nicht unwahrscheinlich, dass das Weibchen durch die Farbe des Männchens angezogen wird.

observações em carta de 30 de janeiro de 1868, e em Descent (1871, p. 322) ele utiliza os dados informados. No entanto, esta correspondência de Müller não foi encontrada.

Müller também enviou diversas observações sobre o número desigual entre espécimes machos e fêmeas encontrados para diversos grupos de crustáceos. Darwin agradece o comentário em 03 de junho de 1868; mudando de grupo de interesse, ele solicita a Müller verificar se os bicos dos tucanos (de ambos os sexos) apresentavam-se mais coloridos durante a época de reprodução do que em outras épocas do ano.39

Em 22 de fevereiro de 1869, Darwin escreve que está preparando uma discussão sobre seleção sexual e queria entender quão baixo na escala animal se estende a seleção sexual de um tipo particular. Ele escreve para Müller:

O senhor sabe de algum animal inferior, no qual os sexos são separados, e nos quais o macho difere da fêmea em armas de ataque, como os chifres e presas dos animais mamíferos, ou numa plumagem pomposa e ornamentos, como nos pássaros e borboletas? (ZILLIG, 1997, p. 179).

Em 14 de março de 1869, Darwin escreve que o tema de seleção sexual estava se desenvolvendo e que se tornaria uma obra muito extensa. Finalmente em 28 de agosto de 1870, Darwin escreve para Müller acerca da publicação do livro Descent of Man, que já estava em processo editorial.

Através da consulta às correspondências, percebemos que Müller não só foi influenciado pelo conceito de seleção sexual de Darwin como o ajudou a construí-lo. Ambos compartilhavam notícias sobre o tema e remetiam suas observações e comentários reciprocamente, os quais foram incorporados por Darwin em Descent, principalmente em relação aos artrópodes e suas diferentes ordens, grupo com o qual Müller possuía grande familiaridade.

Anos depois, em 19 de outubro de 1877, Müller escreve acerca dos caracteres sexuais dos insetos que Darwin descrevera em Descent e acrescenta que as asas dos machos de diversos gêneros de lepidópteros apresentam manchas que exalam perfume que promovem a atração da fêmea. O conceito de seleção sexual é utilizado por Müller para explicar a presença dos órgãos odoríferos em diversas regiões do corpo dos lepidópteros e também para explicar o dimorfismo sexual. Ele publicou diversos artigos acerca dos órgãos odoríferos, buscando estabelecer a relação destes com uma possível função sexual para as espécies que o apresentam. No século XIX, muitos desses órgãos foram descritos, porém não

correlacionados às funções específicas; esse trabalho foi realizado por Müller e já analisado pela autora (SOUZA, 2017). O próximo capítulo trará uma descrição sucinta a respeito desse tema.