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CAPÍTULO 2: EDUCAÇÃO INFANTIL E A CRIANÇA

3.1 A literatura infantil na educação infantil

3.2.2 Como as histórias podem propiciar a autoria de pensamento e a criatividade nas

O pequeno ouvinte e leitor de uma história (é possível chamar a criança que não lê de leitor, pois mesmo sem ter esta habilidade, ela é capaz de escuta a narrativa e a ler em suas diversas significações e momentos) não é um crítico distanciado que analisa detalhes estéticos e adequações literárias e nem tem a bagagem histórica que lhe permitiria ter aquele distanciamento que o faria pontuar erros ou aspectos reducionistas no corpo da narrativa. Contudo, Bedran (2012) salienta que acontecem inúmeras releituras por parte da criança, e ela acaba por refazer, em vez de reviver, a experiência da leitura anterior.

A criança quer ouvir/ler novamente e experimentar a nova chegada da história na sua percepção e entendimento, e essa experiência já implica uma reconstrução. Bedran (2012) aponta que podemos dizer que este processo é o famoso e insistente pedido da criança, quando acaba de ouvir uma história que lhe agrada, o “conta de novo!”. A autora aponta que isto significa a memória da criança trabalhando no sentido de reconstruir o passado, revelando outras cores e formas à percepção da mesma narrativa.

Durante todos estes anos de trabalho em escola, pude perceber o quanto a narrativa/ contação de história e as atividades pedagógicas se completam. Os processos criativos meus e das crianças geraram, por muitas vezes, poemas, canções, histórias, teatros, desenhos entre outras atividades. Pude perceber que no processo ensino- aprendizagem, as atividades que nascem do trabalho com as histórias desenvolvem aspectos cognitivos, sensoriais e afetivos do indivíduo em formação, estimulando também o seu potencial criativo e de autoria.

Bedran (2012) aponta que o encontro dos personagens e das situações que a história contém com o imaginário da criança ao redor do professor- contador “engendra uma teia, um tecido, um mosaico reveladores de expressão e criatividade” (BEDRAN, 2012, p.109). Desse modo, podemos considerar que a narrativa é um estímulo que gera

99 uma diversidade de respostas dentro de cada aluno, que após ouvir, ver e sentir a história, é capaz de transformar a imagem mental em algo concreto, enriquecido de sentidos. Esta criação pode se dar por meio de desenhos, esculturas, bonecos, maquetes, textos, entre outros que revelam uma percepção singular da realidade interna e externa da criança.

É interessante perceber que todo este processo envolve o aluno numa produção criativa individual, única e verdadeira, que ecoa a expressão da narrativa em sua alma. Porém, ao mesmo tempo, esta experiência insere a criança/ aluno no coletivo, pois Bedran (2012) aponta que durante o processo de observação das produções dos colegas a criança realiza uma livre e transformadora apreciação estética, observando visões diferentes de uma mesma situação, são lugares diferentes de olhar e sentir, “são formas e sentidos que se entrelaçam e tecem um novo sentido” (BEDRAN, 2012, p. 109).

Ao narrar a história, o professor é capaz de provocar nas crianças interesse, concentração e o despertar da imaginação criadora. As crianças são capazes de se envolverem profundamente em uma atividade seguida da contação de história, sendo autoras de algo próprio, trabalhando com prazer, entusiasmo e mostrando o que pensa. A riqueza da autoria e da criatividade dentro da sala de aula é a confirmação que a história marcou aquela criança em sua profundidade.

Podemos observar que a contação também é essencial para os jogos e as brincadeiras simbólicas, costurando com a criatividade e a autoria de pensamento. A criança aprende de maneira lúdica, na relação dela com outras crianças, em um exercício de descentralização e sociabilidade. A criança, neste processo, desenvolve um esquema de organização onde dá vida própria a cada personagem e características especificas, criando, uma interação entre os personagens, desenvolvendo narrativas, pensamentos, falas e atitudes.

O jogo simbólico atua como um elemento de diálogo entre o subjetivo e o que é objetivamente percebido. (WINNICOTT,1975) Motivado por processos íntimos, como os desejos, problemas e ansiedades, ele é capaz de permitir a aprendizagem prazerosa, a socialização, o desenvolvimento da linguagem, a possibilidade de expressar-se, o exercício de diferentes papéis sociais, o desenvolvimento de diferentes habilidades e da criatividade.

Piaget (1978) analisa o jogo simbólico como a representação de um objeto ausente, a partir da comparação entre um elemento dado (real) e um imaginado (imagem mental). No jogo simbólico ocorre o início da ficção, mostrando claramente o

100 desenvolvimento da inteligência na criança.

Já a perspectiva histórico-social, estudada por Vygotsky (1988), define que no brincar a criança cria e expressa uma situação imaginária. A criança não pode agir como adulto, mas no jogo simbólico, a criança pode “fazer de conta” que é, criando assim, situações semelhantes ao comportamento de um adulto, interagindo com padrões distantes daqueles que demarcam o seu espaço social –ser criança.

Desse modo, o brincar propicia o surgimento da aprendizagem à formação da criatividade, imaginação e autoria de pensamento, com isso, o brincar desenvolve a formação de conceitos morais, sociais, valores, a socialização e a comunicação. Na idade pré-escolar o brincar é fundamental, por meio da brincadeira a criança além de manipular os brinquedos, ela confere sentidos a estes objetos, ao fazer isto, ela inicia a sua formação do pensamento abstrato.

Nesta idade, a criança manipula os objetos, fazendo de conta que é outro, como por exemplo, ela pode manipular uma escova de cabelo, fingindo ser um celular. Nesta situação os objetos perdem o seu sentido concreto e entra no mundo do “faz de conta”. Vygotsky (1989) salienta que é no brinquedo que a criança aprende a agir em uma esfera cognitiva, ao invés de uma esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos.

Vygotsky (1989) também considera que a situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento. Por meio desta imitação, a criança realiza um elo com a realidade. Os jogos simbólicos tornam-se jogos de regras e as regras têm que ser respeitadas para que se alcance o objetivo do jogo.

Desse modo, ao aprender a trabalhar com as regras, as crianças passam a desenvolver a apropriação das normas sociais. Por meio do respeito às regras do jogo, são assimilados conceitos do mundo real e das relações concretas, e então, a criança passa da individualidade para a socialização. Por meio desse jogo simbólico a criança imita comportamentos sociais, sejam eles quais forem negativos ou positivos, desenvolvendo ações que podem interferir no seu futuro, pois, criam conceitos sobre o mundo a partir daquilo que já conhece sobre seu meio.

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Capítulo 4: O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA Pretendo neste capítulo discutir alguns paradoxos aqui implicados, conflitos que envolvem os processos identitários circunscritos em contextos ideológicos, históricos e emocionais. Contextos que fazem parte de um processo de construção de uma identidade imbricado nas relações interpessoais que são estabelecidas no decorrer da vida, pois mexe com todas as dimensões do ser: psíquicas, sociais, políticas, estéticas. Inclusive essa discussão no tempoespaço do cotidiano pode acontecer tendo como cenário as crianças da educação infantil.