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COMO INDICADOR DE TENDÊNCIA DA INFLAÇÃO * Carlos Robalo Marques**

No documento Textos de política e situação económica (páginas 80-82)

Textos de política e situação económica Quadro 3

COMO INDICADOR DE TENDÊNCIA DA INFLAÇÃO * Carlos Robalo Marques**

João Machado Mota** 1. INTRODUÇÃO

Recentemente Marques et al. (1999) introduzi- ram novos critérios para avaliar potenciais indica- dores de tendência de inflação e mostraram que a média aparada que tem vindo a ser usada pelo Banco de Portugal como instrumento de análise da inflação, apresenta um enviesamento com carácter sistemático relativamente ao nível médio da pró- pria inflação.

Este artigo discute o uso de médias aparadas enquanto indicadores de tendência da inflação no caso em que a distribuição das variações de preços é assimétrica e mostra que este enviesamento da média aparada resulta do facto de a distribuição das variações de preços ser em Portugal, habitual- mente, assimétrica positiva.

Esta conclusão é utilizada como ponto de parti- da para o cálculo de diversas médias aparadas que obedecem a todas as condições estabelecidas em Marques et al. (1999), e que, em particular, não apresentam um enviesamento com carácter siste- mático face à taxa de inflação.

Entre estas, a média aparada assimétrica a 10 por cento centrada no percentil 51.5, isto é, a mé- dia calculada excluindo 11.5 por cento da aba es- querda e 8.5 por cento da aba direita da distribui- ção ordenada das variações de preços, é a menos

volátil. Por esta razão é recomendada como um in- dicador de tendência da inflação. Deve, todavia, notar-se que este indicador apresenta alguma irre- gularidade e, consequentemente, pode ser difícil chegar a conclusões definitivas a partir da análise do seu comportamento de curto prazo.

Este artigo está organizado da seguinte forma. Na secção 2 são revistos brevemente os argumen- tos teóricos invocados para justificar o uso da mé- dia aparada como indicador de tendência da infla- ção. Na secção 3 caracteriza-se a distribuição das variações de preços no caso português em termos da assimetria e achatamento. Na secção 4 discu- te-se o cálculo e a utilização de médias aparadas no contexto de distribuições achatadas e assimétri- cas. Na secção 5 são avaliadas as diversas médias aparadas assimétricas que não apresentam um en- viesamento sistemático relativamente à inflação e, finalmente, na secção 6 apresentam-se as princi- pais conclusões.

2. ARGUMENTOS TEÓRICOS PARA O USO DA MÉDIA APARADA COMO INDICADOR DE TENDÊNCIA DA INFLAÇÃO

Esta secção revê brevemente os principais argu- mentos para a utilização de médias aparadas na

medição da tendência da inflação. Seja Pit o índice

de preços da “classe elementar i” eai o respectivo

peso no cabaz. Por definição temos:

Pt i itP i N = =

å

a 1 (1)

onde Pt representa o índice de preços no consumi-

dor (IPC) e N o número de classes elementares. É

Banco de Portugal / Boletim económico / Setembro 2000 89

Artigos

* As opiniões expressas no artigo são da inteira responsabilida- de dos autores e não coincidem necessariamente com a posi- ção do Banco de Portugal.

** Departamento de Estudos Económicos.

*** Os autores agradecem os comentários e sugestões de Scott Roger, Luc Aucremanne, Afonso Silva e José Ferreira Macha- do, bem como a disponibilidade de Fátima Teodoro e João Barrambana, na elaboração do programa usado nos cálculos apresentados.

fácil demonstrar que a partir de (1) se pode escre- ver: pt w pit it i N = =

å

1 (2) onde pt t t P P =æ - è çç öø÷÷ -12 1 100. pit i t i t P P =æ - è ç ç ö ø ÷ ÷ - , , . 12 1 100 (3) wit ai i t t P P = - - . , 12 12

Repare-se que a equação (2) apresenta a taxa

homóloga de inflação pt na forma de uma soma

ponderada das taxas de inflação de cada uma das classes que entram na constituição do IPC. Toda-

via os pesos wit, embora somem 1, são variáveis

de mês para mês.

A generalidade da literatura admite que a taxa de inflação pode ser vista como o resultado da soma de dois efeitos. O primeiro corresponde a uma alteração do nível geral dos preços, relaciona- da com factores monetários, a que se chama ten- dência de inflação. O segundo corresponde a alte- rações nos preços relativos de uma ou mais das classes que entram na constituição do IPC, em re- sultado de fenómenos limitados a mercados restri- tos, provocados por factores económicos de curto prazo ou problemas de medição. Com base nestes efeitos, as variações de preços da classe i do IPC podem escrever-se como:

pit=pt*+uit (4)

ondept*representa a tendência da inflação euit os

desvios da classe i relativamente à tendência, ocor-

ridos no período t. Multiplicando (4) porwit, so-

mando e notando que wit

i N = -

å

1 1 , obtemos a condi- ção p p- = w u = -

å

t it it t i N u * 1 (5)

onde uté, por hipótese, uma variável estacionária

de média zero.

Assumidamente a política monetária deve pre-

ocupar-se com a tendência da inflação, pt*. Este

facto explica porque razão a procura de indicado- res de tendência da inflação se tornou recentemen- te numa área activa de investigação em muitos Bancos Centrais.

Por definição, um indicador de tendência deve procurar eliminar alterações de preços resultantes dos fenómenos de curta duração, que provocam alterações erráticas na inflação observada. Um dos métodos propostos na literatura para a construção de tais indicadores que mais atenção tem chama- do, devido à sua simplicidade de cálculo, apelo in- tuitivo e potencial consiste no cálculo de médias aparadas.

No contexto da equação (2) a média aparada é obtida a partir da eliminação de uma dada percen- tagem das maiores e das menores variações de preços. Assim, por exemplo, a média aparada a 10 por cento obtém-se de (2) excluindo as 10 por cen-

to menores variações (pit) e as 10 por cento maio-

res variações, ou seja, tomando apenas 80 por cen-

to (calculados levando em conta os pesos wit) das

variações centrais.

O uso de médias aparadas enquanto indicador de tendência de inflação é geralmente justificado quer em termos económicos quer em termos esta- tísticos. Os argumentos económicos baseiam-se ge- ralmente em modelos de comportamento das fir- mas na fixação de preços, na presença de custos de alteração dos preços(1).

Os argumentos estatísticos invocados para jus- tificar a utilização de médias aparadas baseiam-se na ideia, corroborada empiricamente, de que a dis- tribuição das variações dos preços das diversas classes do IPC é mais achatada que a normal (lep- tocúrtica). Sempre que a distribuição dos preços é leptocúrtica pode demonstrar-se que estimadores da média da população que atribuam mais peso a observações no centro da distribuição são mais efi- cientes que a média amostral. Tal acontece porque numa distribuição achatada existe uma maior pro- babilidade de se verificar uma grande contributo para a inflação de variações ocorridas numa das

(1) Uma breve discussão destes modelos pode ser vista em Mar- ques e Mota (2000).

abas da distribuição, não compensado por um contributo com um peso equivalente e de sinal

contrário, na outra aba da distribuição de preços(2).

Assim sendo, o estimador mais eficiente da mé- dia da distribuição das variações de preços (identi- ficada como a tendência da inflação) poderá não ser a taxa de variação homóloga do IPC (a média da amostra) mas um estimador que dê mais peso às observações amostrais próximas do centro da distribuição. A média aparada e a mediana são os mais simples destes estimadores. Bryan et al. (1997) mostraram que quanto mais achatada for uma distribuição menos eficiente é a média amos- tral. Mostraram, igualmente, que, em geral, quanto mais achatada for uma distribuição maior deve ser o aparamento (percentagem de observações a ex- cluir ou a “aparar” nas abas da distribuição). A ideia é a de que quanto mais achatada for a distri- buição maior a percentagem de variações de pre- ços não “representativa” da tendência da inflação que se pretende identificar.

Estes argumentos estatísticos, apresentados, por exemplo, em Cecchetti (1997), partem da ideia que a distribuição subjacente de preços é simétri- ca. Todavia, como veremos nas secções seguintes, estes resultados não são imediatamente generali- záveis quando a distribuição de preços é não só achatada mas também assimétrica, dado que neste caso alterações da percentagem de “aparamento” alteram o valor esperado do estimador, o que não sucede nas distribuições simétricas. Devido a este facto, as médias aparadas usadas nas próximas secções devem ser vistas principalmente como ins- trumentos estatísticos para construir indicadores de tendência da inflação que potencialmente res- peitem os critérios de avaliação apresentados na secção 5.

3. CARACTERIZAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DAS VARIAÇÕES DE PREÇOS

Nesta secção analisam-se as principais caracte- rísticas da distribuição das variações de preços subjacente ao IPC recorrendo às medidas tradicio- nais de achatamento e assimetria. Uma análise equivalente foi realizada por Coimbra e Neves (1997).

Representando o momento central de ordem k

por mkt temos

(

)

mkt it it t k i N =

å

w p -p (6)

e os coeficientes de assimetria (St) e achatamento

(Kt) vêm dados por

(

)

S m m t t t = 3 2 3 2 (7)

(

)

K m m t t t = 4 - 2 2 3 (8)

No gráfico 1 apresentam-se os valores obtidos para o coeficiente de assimetria e de achatamento, no período de Julho de 1993 a Maio de 2000. O co- eficiente de assimetria tem sido variável ao longo do tempo com alternância de períodos de assime- tria positiva e negativa. Em termos médios a assi- metria foi positiva tendo apresentado um valor de

Banco de Portugal / Boletim económico / Setembro 2000 91

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