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6. Questões

6.7. Como prevenir?

O relatório fala em prevenção, também ela numa dupla dimensão: primeiro por parte do próprio Estado, só depois por parte da comunidade inrernacional. Ora se o próprio Estado não se mune dos meios adequados para prevenir os quatro tipos de crimes que cabem na Responsabilidade de Proteger, pode a comunidade internacional intervir sem existir qualquer ameaça ou perigo iminente, mas apenas com base na não existência de meios preventivos nesse Estado? Como aferir essa falta, como legitimar tal decisão e como permitir tal ingerência?

Não podemos simplesmente afirmar que a prevenção tem sempre de ser assegurada, como faz o relatório, mas temos de pensar na realidade prática de tal afirmação.

Ora, diz-nos o parágrafo 3.2 que esta prevenção consiste ―nos esforços para assegurar responsabilização e boa governação, para proteger os direitos humanos, promover o desenvolvimento económico e social e assegurar a justa distribuição de recursos através dos meios necessários.‖ (tradução minha).

Esta prevenção pode ser feita através das organizações regionais e sub-regionais, que por estarem presentes no terreno, parecem ser as entidades com maior capacidade de intervenção ao nível preventivo. Porém, muitas destas organizações, para se conseguirem manter, têm de fazer acordos com os governos locais, acabando muitas vezes por se diluir nos interesses das várias facções existentes…apoiando esta ou aquela, e desfocalizando-se dos seus objectivos originais. Esta é uma das grandes falhas do sistema preventivo, que é dificilmente colmatável, na medida em que as organizações locais precisam da aprovação da autoridade local. E a Autoridade pode jogar com essa fragilidade para conseguir da organização que ela reduza o seu campo de intervenção até ao minimamente necessário para manter uma aparência de que algo está a ser feito.

Apesar de poderem corromper-se, as ONG’s têm um importante papel como agentes internacionais, sendo reconhecidas timidamente na CNU (art. 71º35), mas, não possuindo qualquer poder decisório na sua relação com as NU, acabam por limitar a sua acção ao exercício de pressões que influenciem a opinião pública e a própria ONU.

Temos por outro lado a opinião pública internacional que vai exercendo a sua pressão principalmente através dos meios de comunicação social. Este é também um factor de prevenção, mas não tão eficaz como seria uma acção organizada. Repórteres e ONG’s presentes no local relatam as situações de perigo com uma maior proximidade, alertando todo o Mundo para uma realidade que por vezes não lhe chega por demasiado

34 distante, e desta alerta nascem por vezes movimentos em prol da paz e da defesa de direitos.

Mas a nível prático, real, concreto…o que pode ser feito? Se em princípio não nos devemos imiscuir nos assuntos internos de cada Nação, deverá haver uma maneira de assegurar que essa Nação reúne todos os meios necessários para prevenir a ocorrência de conflitos que ameacem a paz e desrespeitem os direitos fundamentais… O relatório fala em prevenção, mas não concretiza. Eis a minha proposta de uma metodologia da prevenção:

O primeiro passo é detectar a ameaça ou possibilidade de emergência dela. Aí os melhores agentes serão mesmo as organizações regionais ou sub-regionais. São elas as entidades que primeiro se apercebem da questão e que com ela contactam directamente.

O segundo passo será ter a percepção da crise. Conhecer os seus moldes, delinear os seus contornos, nomeadamente através de enviados da ONU ao terreno, para melhor conhecimento da situação.

O terceiro passo ao nível preventivo será tomar uma medida, em tempo útil, que impeça o desenvolver da questão que está no cerne da ameaça. Isto pode passar por negociações, propostas de paz, ou sugestão de alternativas que minimizem o descontentamento e evitem o conflito.

Michel Rocard, antigo primeiro-ministro francês, propôs no Parlamento Europeu em 1995 a criação de um centro de análise para a prevenção das crises que estaria encarregue de ―uma missão principal de diagnóstico das situações de crises potenciais, de preparação da diplomacia preventiva e das acções públicas ou humanitárias eventualmente necessárias‖36: Não consegui encontrar nada acerca da efectiva criação

de tal instituto, pelo que depreendo que não tenha chegado a realizar-se.

Por outro lado no seu recente discurso, a 2 de Fevereiro na Universidade de Oxford37, o Secretário-Geral Ban-Ki Moon vê a prevenção que tem sido feita com olhar positivo, referindo que ―só em 2010 as NU apoiaram 34 diferentes esforços de mediação, facilitação e diálogo, incluindo a flexibilização da crise no Quirguistão e a manutenção da transição para uma democracia em curso na Guiné‖. ―Trabalhar nesta área envolve adaptar doutrinas, capacidades e treino bem como colaborar com parceiros e organizações regionais‖, afirma o Secretário-Geral.

Já antes, em 2009, Gareth Evans defendera que a vertente preventiva da responsabilidade de proteger se deve limitar aos casos de clara iminência da comissão de atrocidades em grande escala38, não devendo ser esforços prolongados por muito tempo. Isto porque, ao generalizar a responsabilidade de proteger, ao a aplicar a todo e qualquer caso, logo à partida, está-se a ―diluir a sua capacidade de mobilização nos casos em que realmente é necessária‖39.

As críticas a este argumento não se fizeram esperar e desde logo se apontaram dedos a Evans, defendendo que aí (na iminência de tais atrocidades) a prevenção já não será possível, e que a prevenção precisa de acção muito antes de um grito por ajuda ter sido solto.

36 Mario Bettati, ―O direito de ingerência, mutação da ordem internacional‖, Instituto Piaget, 1996, pp. 256 e ss.

37 Discurso de Ban Ki-Moon disponível em

http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=37454&Cr=responsibility+to+protect&Cr1=, consultado em 20/02/2011.

38 Gareth Evans, The Responsibility to Protect in International Affairs: Where to From Here?‖, citado por Alex J. Bellamy em ―Responsibility to Protect - Five Years On‖, nota 51.

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No documento Joana Pereira da Graça de Sá Alcântara (páginas 44-46)