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Natureza Jurídica da Responsabilidade de Proteger

No documento Joana Pereira da Graça de Sá Alcântara (páginas 49-51)

Não é consensual a natureza jurídica da Responsabilidade de Proteger. Consoante a perspectiva ela pode ser vista como um conceito, um princípio, uma norma emergente, um instituto, uma doutrina…

Para analisar esta questão, resolvi tratar cada um dos três pilares da Responsabilidade de Proteger separadamente. Apesar de os três fazerem parte do mesmo instituto, parecem ter naturezas diferentes e mais, são aplicados em momentos diferentes.

Pilar I – a responsabilidade primária de cada Estado de proteger as suas populações Pilar II – a responsabilidade da comunidade internacional de prestar assistência aos Estados no cumprimento da sua responsabilidade de proteger

Pilar III – a responsabilidade da comunidade internacional de tomar uma acção atempada e decisiva nos casos em que o Estado falhou na protecção da sua população relativamente a um dos 4 tipos de crimes – genocídio, crimes contra a humanidade, limpeza étnica e crimes de guerra.

Seguindo a metodologia utilizada por Alex J. Bellamy no seu artigo ―Responsibility to Protect - Five Years On‖, falarei primeiro do pilar I e depois, em conjunto, dos pilares II e III.

Ora, o primeiro pilar, na medida em que estabelece a responsabilidade primária de cada Estado de defender as suas populações, não parece suscitar grande controvérsia. Trata-se de facto de uma norma assente de Direito Internacional e também de Direito Interno. É o princípio básico da fundação de qualquer Nação: que o seu governo se possa e consiga proteger, garantindo às suas populações o respeito pelos seus direitos fundamentais, enquanto seres humanos.

Por outro lado, os pilares II e III, dizendo respeito aos Estados enquanto membros da comunidade internacional, revelam uma tal indeterminação que parecem não poder ser qualificados como normas. Se os países sentissem tal responsabilidade como uma obrigatoriedade, que, quando não acatada acarretasse uma sanção, o mais normal seria agirem e, realmente protegerem, assistirem os Estados, e prevenirem os crimes. Porém, estes dois pilares, (ou estas duas responsabilidades), têm sido mais usados como um instrumento diplomático do que como uma verdadeira norma. Assim se viu no que aconteceu no Quénia bem como no Sudão (casos infra descritos).

Se por um lado o pilar I é bem claro na sua formulação (pretende-se que os Estados se abstenham de praticar ou impeçam que alguém pratique qualquer dos quatro crimes no seu território), já os pilares II e III não estão concretamente determinados em termos do que se deve ou não fazer. Deve dar-se assistência aos Estados, mas como concretamente?

Deve prevenir-se o acontecimento daqueles crimes, mas através de que medidas precisas? Como pôr em prática tais deveres? Como agir no caso concreto? E se nada se fizer, o que acontece? Há uma sanção? Qual? Como vemos agora, mais uma vez, na questão líbia, a comunidade internacional tarda em agir, não tendo invocado a ―norma

39 internacional de Responsabilidade de Proteger‖.

Deveria haver um elenco de acções a ser desenvolvido no caso de a responsabilidade de proteger dever ser empregue na fase reactiva. Uma espécie de agenda que guiasse a comunidade internacional no processo de procura da paz. Mesmo que não o fizesse exaustivamente, mas que, pelo menos, exemplificasse alguns dos procedimentos de cada etapa.

Já Gareth Evans, co-criador do conceito, afirma que já desde 2005, quando a comunidade internacional adoptou unanimemente o conceito na Cimeira Mundial, que ele deveria ser encarado como uma norma. Não só pela sua redacção nos parágrafos 138 e 139 do documento final da cimeira43 (que é claramente a redacção de uma norma) mas também pela própria adopção formal do conceito normalmente gerador de divisões, finalmente com unanimidade44.

Porém, o autor reconhece que alguns Estados têm dificultado este desafio, tendo mesmo recusado que o conceito tenha sido adoptado (em afirmações sem o mínimo sentido) procurando esvaziá-lo ou prejudicá-lo antes que ele se torne numa norma completamente preenchida e operacional.

Poder-se-ia colocar o problema no mesmo prisma em que se coloca relativamente ao Direito de Intervir. Isto é, questionar-se se se trata de um direito ou de um dever. Falamos em responsabilidade, podendo esta palavra indiciar que, ao haver uma responsabilidade há, como que implícito, um dever de agir. Uma obrigação de proteger que deve ser cumprida por todos os sujeitos internacionais. Será, porém, um dever sempre dependente de uma autorização por parte do CS. Se encararmos a Responsabilidade de Proteger como um dever, teremos sempre de referir que não é um dever cego, a cumprir sem certas limitações. É antes um dever que terá de ser cumprido em três fases diferentes, cada uma com o seu grau de intensidade: numa primeira fase temos a responsabilidade do próprio Estado de proteger o seu povo da prática dos quatro crimes visados pelo conceito; numa segunda fase, aquela em que o Estado falha na sua auto-protecção, temos o dever da comunidade internacional de prestar assistência ao Estado em perigo, na prossecução da protecção em falta; por último, quando não foi possível a prevenção, e a paz foi de facto posta em causa, existirá um dever da comunidade internacional de agir – em último caso à força das armas – no sentido de pôr fim às violações verificadas. Esta última fase do ―dever‖, terá de ter a consulta e aprovação do CS. Assim encarada, a Responsabilidade de Proteger, pelo menos na sua última vertente, só será verdadeiramente um dever quando e na medida em que o CS o decrete.

43 Ver Anexo III

44―We have something in place which can properly be described as a new international norm and perhaps on its way towards becoming a new rule of customary international law‖, ―Surely, with this kind of international endorsement, R2P now had the pedigree to be described, at the very least, as a broadly accepted international norm?‖., Gareth Evans in ―Responsibility to protect: an idea…‖, pp. 286 e 288.

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No documento Joana Pereira da Graça de Sá Alcântara (páginas 49-51)