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Proposta de Teresa Leal Coelho: reunião de sete pressupostos

No documento Joana Pereira da Graça de Sá Alcântara (páginas 54-56)

9. Alternativas caso o CS nada decida em tempo útil ou recuse uma intervenção

9.3. Proposta de Teresa Leal Coelho: reunião de sete pressupostos

Na opinião de Teresa Leal Coelho ―A defesa da exclusividade do Conselho de Segurança relativa à titularidade do poder/dever de uso da força armada, enquanto mecanismo de coercibilidade jurídico internacional, consubstancia um retrocesso na evolução dos mecanismos de tutela jurídico-internacional do Direito humanitário.‖50

Defendendo a existência de uma consciência universal de um perigo também ele universal e de que a nova ordem mundial trouxe consigo um novo tipo de guerra que não atende tanto ao território ou à nacionalidade, mas antes ao direito atentado, e que atinge civis indiscriminadamente, a autora inclui estas ofensas como uma violação de Ordem Pública Internacional, que tem de ser defendida através de uma partilha de responsabilidades entre todos (os Estados).

Para utilização da força armada na defesa desta Ordem Pública Internacional, defende Teresa Leal Coelho que devem estar reunidos sete pressupostos:

49 Relatório ―A Responsabilidade de Proteger‖-―When the Security Council fails to act‖, parágrafo 6.31 e ss., p.53

50 Teresa Leal Coelho, "O Direito Internacional e a Ingerência Humanitária: o poder/dever da intervenção armada", Jornal do Instituto da Defesa Nacional, nº105, Verão 2003, 2ª série.

44 “a) Verificação da gravidade e da natureza das violações do Direito imperativo, bem como das respectivas consequências a curto, médio e longo prazo de acordo com os Princípios da humanidade, da proporcionalidade e da necessidade;

b) Verificação da irredutibilidade do agressor contra o qual se intervém e da respectiva reincidência;

c) Enquadramento numa ―consciência universal‖ do reconhecimento de ameaça efectiva à segurança e à Ordem Pública internacionais. No contexto actual, já com envolvimento duma sociedade civil internacional e com a formação de uma opinião pública internacional;

d) Princípio do esgotamento, ou verificação da não adequabilidade dos meios de solução pacífica de conflitos;

e) Princípio do esgotamento ou verificação da não adequabilidade do recurso ao uso da força não armada, através do recurso a sanções, bloqueios, mensagens políticas e diplomáticas, etc., de acordo com os Princípios da proporcionalidade e da necessidade;

f) Respeito pela proeminência de um sistema internacional instituído;

g) Formulação de um ultimato ao agressor com firme pedido de reposição da legalidade.‖

Apesar de ter fundamento, a proposta desta autora parece-me menos prática, mais teórica, por um lado, menos inovadora, por outro e com maiores dificuldades de aplicação real. Senão vejamos:

Menos prática nos pontos

c) a verificação do apoio da opinião pública internacional surge naturalmente, mas não me parece que seja um pré-requisito exigível. Ela constitui um factor instável que nem sempre se alicerça no conhecimento verdadeiro das questões, mas antes em opiniões…

f) no sentido em que, se se vai agir ilegalmente, na medida que a questão é agir sem a autorização do CS, está-se, logo à partida, a ―desrespeitar a proeminência do sistema internacional instituído‖, na medida em que este falhou! Poder-se-á respeitar o sistema internacional em tudo o resto, mas a ―proeminência‖ deste é a primeira coisa que será atacada numa acção deste tipo.

Menos inovadora nos pontos

a) verificação que terá sempre lugar. Quer o CS dê autorização, quer não dê. As consequências de qualquer acção armada terão de ser sempre medidas.

g) este ultimato acontece sempre. Aliás, das primeiras coisas que o CS faz quando explode um conflito em qualquer parte do Mundo, é alertar para o seu descontentamento face a tal situação e pedir insistentemente a reposição da paz. Chegue a haver ou não interferência, este alerta é algo que vai sendo repetidamente feito.

45 b), d) e e) são todas questões que se terão de constatar antes de qualquer acção armada, mesmo com autorização do CS.

Como tal, não me parece que a autora tenha trazido qualquer argumento novo à discussão. Não surge aqui um ponto que diferencie a acção com a autorização da acção sem a autorização do CS. São todos aspectos relevantes, que porém não elevam o patamar da acção não autorizada, que terá de ser sempre mais criteriosa do que a acção legitimada.

9.4. “Código de mitigação”

Código ou direito de mitigação (um ―code of mitigation‖51) significaria que, apesar

de uma acção não ser legítima, por não ter cabimento legal (proibição do uso da força), mas que acabaria por ser legitimada pela força das circunstâncias (necessidade de prevenção de genocídio, ou limpeza étnica), que a comunidade internacional em geral deveria aprovar tal acção, mesmo que o CS não a autorizasse.

A ilegalidade do uso da força seria mitigada pela força das circunstâncias que, pela sua gravidade, exigem uma actuação urgente que previna um mal maior.

O governo dinamarquês fez em 1999 uma recomendação no sentido de se adoptar esta política de mitigação. Porém, parece óbvio que isto não poderia resultar. Primeiro porque não são estabelecidos quaisquer critérios, sendo de prever que uma acção com base nesta proposta daria azo a inúmeros abusos.

Depois, seria muito difícil obter a aprovação da comunidade internacional, quando não se conseguiu a aprovação do CS… uma coisa acaba por ser consequência da outra, não fazendo muito sentido em falar-se na necessidade de aprovação da comunidade internacional sem haver uma autorização do CS, que é menos do que a comunidade internacional.

No seu artigo, Nicholas J. Wheeler apresenta ainda duas críticas a esta proposta: 1º Permitir uma acção ilegal deste tipo seria minimizar toda a estrutura internacional de obrigações legais. Se um Estado desrespeita o capítulo VII da CNU, qual a necessidade de outros irem pedir autorização ao CS?

2º Em vez de permitir este tipo de acção, continuando a saber da sua ilegalidade e como que a contornando, não seria melhor e mais credível alterar de vez o sistema da CNU e permitir este tipo de acção, que assim deixaria de ser ilegal? Para quê prolongar a ilegalidade de algo que se crê legítimo e ―legalizável‖?

No documento Joana Pereira da Graça de Sá Alcântara (páginas 54-56)