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PARTE I – Redes de poder e modernização (1903-1919)

3 COMO SE ORGANIZAVA A POLÍTICA LOCAL

3.1 - Rasgando o retrato do Imperador: a ascensão dos Albuquerque Maranhão

A implementação do governo republicano promoveu uma mudança na forma de atuação das redes de parentela que dominavam a política. Os estados adquiriram maior autonomia e o peso da circulação geográfica dos políticos, que era alto no período imperial, passou a dar lugar à consolidação de determinados grupos locais. Cruzando a análise da realidade norte-rio- grandense com o contexto do período, constatou-se como as ideias do republicanismo do tempo da propaganda330, que pregavam o liberalismo, o fim dos privilégios, a inclusão social, a

separação entre público e privado, a ampliação da participação popular, foram, em muitos casos, negligenciadas após a ascensão dos republicanos ao poder331.

De acordo com Edgar Carone, o federalismo implantado com o regime republicano levou ao fortalecimento de poderes locais. Segundo o autor, “o povoamento descentralizado, aliado à formação da grande propriedade, permite o fortalecimento de um sistema baseado nos domínios familiares e sociais, que substitui parcialmente o vácuo deixado pela ação pública”332.

Carone destacou que esse sistema coronelístico baseado na decisão pessoal foi comum a todos os estados brasileiros no período da chamada Primeira República (1889-1930), embora tenham existido peculiaridades em cada estado.

Carone também elucidou que a existência de oligarquias foi fundamental para consolidar o coronelismo. Para o autor, “oligarquia significa predomínio de grupos dominantes”333, e a ausência de condições democráticas permitiu que os grupos dominantes se

mantivessem no poder, apesar da existência de um sistema eleitoral e jurídico. Para o autor, não foi Campos Sales e a denominada política dos governadores que criou as oligarquias, elas já

330 Por republicanismo do tempo da propaganda denomina-se o movimento desencadeado nas décadas de 1870 e 1880 que antecedeu a proclamação. Nesse período tem-se o Manifesto de 1870, a organização de partidos políticos provinciais, a divulgação de ideias em jornais, revistas, conferências, a criação de clubes republicanos e outros mecanismos responsáveis por criar o que Maria Mello denominou de “solo republicano”. As ideias que começaram a circular nesse momento de transição foram importantes por relacionar a República à democracia, considerada pela autora a maior vitória da propaganda republicana. Para Mello, os propagandistas republicanos associavam a democracia a um governo de todos, “diferente de um governo de privilegiados, constitucionalmente representados”. Vale ressaltar que esse movimento era composto por tendências diversas, existiam os moderados, os históricos, os positivistas, entre várias outras vertentes. Para Mello, uma nova cultura democrática e científica foi incorporada, sobretudo na década de 1880, responsável pelo desenvolvimento de uma disposição mental para o novo regime. Ver: MELLO, Maria Tereza Chaves de. A república consentida: cultura democrática e científica no final do Império. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2007.

331 Sobre essas ideias, ver: MELLO, Maria Tereza Chaves de. A república consentida. Op. cit., p.131-149; FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano I- O tempo do

liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

2014. p.28-29.

332 CARONE, Edgar. A República Velha: II – evolução política (1889-1930). Rio de Janeiro: Difel, 1977. p.10 333 Idem.

existiam no período colonial e imperial, mas no governo republicano reforçaram-se, uma vez que obtiveram o comando político municipal e estadual334.

Utilizando como referência as obras História do Rio Grande do Norte e História da República no Rio Grande do Norte, ambas de autoria de Luís da Câmara Cascudo, Carone destacou que a liderança de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão na organização do movimento republicano em 1889, às vésperas da Proclamação, ocorreu quase como um acaso. Após a instauração da República no Rio Grande do Norte, Pedro Velho teria enfrentado contestações, conseguindo assumir o poder e consolidar “outra das grandes oligarquias do Nordeste” apenas por volta de fins de 1891, sobretudo em 1892, quando foi eleito governador335.

Para Raymundo Faoro, o regime republicano continuou restringindo a participação popular na política, que permaneceu como “ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para o comando das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas”336. Assim como Carone, Faoro observou permanências de características e instituições do governo imperial no regime republicano. Segundo o autor, o coronelismo não foi implantando apenas a partir do advento da República, mas ganhou um enfoque estadualista no novo regime. O coronelnão tinha poder de mando apenas por ser um homem rico, mas por que esse poder era reconhecido “num pacto não escrito. Ele recebe – recebe ou conquista – uma fluida delegação, de origem central no Império, de fonte estadual na República”337. A passagem do regime imperial para o republicano teria acentuado a função eleitoral do coronel, tirando-lhe “as albardas centrais não para automizá-lo, mas para entrega-lo aos poderes estaduais”338.

Para Faoro, com a República, a armadura estamental de tendência burocrática do período imperial foi quebrada, mas não surgiram os elementos autônomos pretendidos pelos liberais. Assim, “a linha entre o interesse particular e o público, como outrora, seria fluida, não raro indistinta, frequentemente utilizado o poder estatal para o cumprimento de fins privados”339. Nesse sistema, a figura do coronel era fundamental, “fazia a política e

complementava a administração pública, no âmbito municipal, dentro do partido, partido único

334 CARONE, Edgar. A República Velha: II – evolução política (1889-1930). Op. cit., p. 194.

335 CARONE, Edgar. A República Velha: II – evolução política (1889-1930). Op. cit., p.83. É importante ressaltar que, de acordo com Durval de Albuquerque Júnior, o uso do termo Nordeste para o período trabalhado por Carone não foi apropriado, ver discursão sobre isso em: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do

nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011.

336 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. v. 2. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975. p.241.

337 Ibidem, p.243. 338 Idem.

mas não monolítico, tumultuado na base por dissensões de famílias e grupos, sedentos da conquista do poder”340. Desse modo, para assegurar o poder do grupo dominante, Faoro

ressaltou ser fundamental o sistema de reciprocidade entre os coronéis e os chefes municipais de um lado, e a situação política dominante no estado do outro, que dispõe da força policial, do erário, de empregos, e de outros elementos fundamentais para garantir a perpetuação no poder. Faoro considerou que a realidade brasileira demonstrou a permanência secular da estrutura patrimonial, que teve sua origem em Portugal e foi empregada em moldes semelhantes no Brasil colonial, permanecendo até o governo de Getúlio Vargas341. Essa estrutura caracterizava-se pela confusão entre o público e o privado, e por um Estado centralizador que privilegiava os que estavam no poder. Assim, para o autor, “o poder – a soberania nominalmente popular – tem donos, que não emanam da nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre”342.

Para José Murilo de Carvalho, apesar de ter sido estabelecido sem a ação da iniciativa popular, o governo republicano despertou entusiasmos em relação às novas possibilidades de atuação desse grupo, como pode ser observado nas matérias dos periódicos da época analisadas pelo autor. A República era representada como regime da igualdade, da liberdade, da participação do povo. Contudo, essa expectativa inicial foi sendo paulatinamente frustrada. A implantação do sistema oligárquico abriu espaço para “os arranjos particularistas, para as barganhas pessoais, para o tribofe, para a corrupção”343. O autor ainda elucidou como a Constituição republicana de 1891 apresentava limitações sobretudo no tocante aos direitos políticos. A nova Constituição eliminava a exigência de renda, mas perpetuava a de alfabetização.

O governo republicano não conseguia abranger todos os cidadãos da cidade. A cidade não era concebida como uma comunidade no sentido político, “não havia o sentimento de pertencer a uma entidade coletiva. A participação que existia era de natureza antes religiosa e social e era fragmentada”344. É nesse sentido que Carvalho interpretou as mudanças

implementadas no Rio de Janeiro durante a administração do prefeito Pereira Passos. A pretensão era reduzir a promiscuidade social da população que vivia na cidade, sobretudo no centro da capital. Essa população vítima do “bota abaixo” de Passos teve que subir os morros adjacentes ou deslocar-se para os subúrbios345.

340 Ibidem, p.253.

341 Ibidem, p.363-366. 342 Ibidem, p.380.

343 CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p.37-38.

344 Ibidem, p.38-39. 345 Ibidem, p.40.

Conforme foi analisado no capítulo anterior, a capital norte-rio-grandense também vivenciou processo semelhante. Em Natal, os populares foram realocados, tiveram sua participação política reduzida, embora a presença dos mesmos em bairros urbanos da cidade, em eventos festivos e nas notas dos periódicos locais atestasse também a participação popular natalense. Essa participação estava longe de atingir o mundo da política oficial, conforme também observou Carvalho ao analisar a realidade da então capital federal. A ação popular ocorria fora dos mecanismos e canais impostos pela legislação e pelo arranjo institucional republicano, muitas vezes restringia-se a uma espécie de reação de consumidores de serviços públicos346.

Mas, para José Murilo de Carvalho, o governo republicano não representou apenas continuidades em relação ao regime anterior. Ao estudar a constituição e a atuação da elite política na formação do Estado imperial brasileiro, José Murilo de Carvalho apresentou diferenciações entre o comportamento dessa elite no governo imperial e no regime republicano. Para o autor, o que garantiu a unidade do país após o processo de Independência, ao contrário do que ocorreu com a América espanhola, foi justamente o tipo de elite existente. Tratava-se de uma elite caracterizada pela homogeneidade ideológica e de treinamento, fruto da vivência de uma educação, de espaços de sociabilização e de treinamento profissional comuns347.

A elite existente no Brasil, quando do processo de Independência, era homogênea, com formação na Universidade de Coimbra, participação e treinamento no funcionalismo público e isolada em relação às doutrinas revolucionárias. Ao longo do período imperial, essa elite conseguiu reproduzir condições semelhantes, formando seus membros na magistratura e retomando “a velha prática portuguesa de fazer circular seus administradores por vários postos e regiões”348. Para o autor, o deslocamento constante dos funcionários era fundamental para

evitar que eles se identificassem com as demandas locais e desenvolvessem ideias consideradas subversivas. A circulação era geográfica e por cargos. A ideia era impedir o desenvolvimento de perspectivas provincianas, garantindo a unidade da nação que começava a ser construída, reduzindo as possibilidades de conflitos profundos.

346 Ibidem, p.145. Eduardo Silva, em seu livro As queixas do povo, também destacou que a participação popular se dava via reclamações em jornais. Contudo, os reclamantes eram pessoas que se relacionavam de alguma maneira com a burocracia do Estado, fossem funcionários ou vítimas de funcionários. Essas queixas não demonstraram uma oposição direta ao governo. Tratava-se de reclamações contra o que concebiam como ação inadequada por parte dos agentes do Estado, ou pela ausência de ação do poder público em determinado aspecto (problemas no fornecimento de serviços urbanos como água, limpeza pública, transporte, problemas semelhantes aos discutidos no primeiro capítulo desta tese). Sobre isso, ver: SILVA, Eduardo. As queixas do povo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

347 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 20-22.

No período republicano, as pressões por representação mais direta passaram a dificultar a reprodução dessa elite imperial. Sendo assim, com a República, os interesses regionais puderam ter mais acesso ao poder. Para Carvalho, o Estado republicano seria mais liberal do que o imperial, “embora não mais democrático, pois a maior representatividade da elite faria com que a dominação social se refletisse com mais crueza na esfera política”349.

Trabalhos recentes, como o de Maria Efigênia Lage de Resende, também destacaram as limitações do advento da República no Brasil. Para a autora, a ideia de priorizar o interesse coletivo não foi colocada em prática na íntegra pelo governo republicano, que se tornou um sistema baseado na dominação de uma minoria, e na exclusão de grande parte da população do processo de participação política350. Para a autora, a grande inovação da primeira carta constitucional republicana foi o federalismo, que concedeu aos estados uma enorme soma de poder. As unidades federativas passaram a ter a propriedade de suas minas e terras devolutas, a poder cobrar impostos interestaduais, contrair empréstimos no exterior, decretar impostos de exportação, elaborar sistema eleitoral e judiciário particulares, organizar força militar, entre outras ações351. Contudo, a autora elucidou que o liberalismo presente nessa carta constitucional foi conservador, limitado, restritivo.

Diferentemente de Carone e de Faoro, Resende abordou o coronelismo como um fenômeno novo na política brasileira, que “não se confunde com práticas históricas como lutas de família e o mandonismo local – de exercício do poder privado no Brasil. Essas são práticas tradicionais, melhor dizendo, atemporais, que atravessam a história colonial e imperial”352. A autora seguiu a concepção do trabalho de Victor Nunes Leal353, considerando que o coronelismo configura uma mudança nessa dominação tradicional do poder privado, pois não é uma prática, e sim um sistema político e um fenômeno demarcado, datado, que foi inaugurado com a República e persistiu até a denominada Revolução de 1930, quando foi substituído pelo centralismo de Vargas e a nomeação de interventores para as unidades federativas354. Os

349 Ibidem, p. 235.

350 RESENDE, Maria Efigênia Lage de. O processo político na Primeira República e o liberalismo oligárquico. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano I- O tempo do

liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

2014. p.91 351 Ibidem, p.94. 352 Ibidem, p.95.

353 A obra Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil foi publicada inicialmente em 1948 no formato de tese universitária, com o título O município e o regime representativo no Brasil:

contribuição ao estudo do coronelismo. Em 1949 a obra foi publicada em formato de livro. Ver: LEAL, Victor

Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

354 Concepção também partilhada por José Murilo de Carvalho, que dedicou um artigo para explicar, também usando o trabalho de Nunes Leal como uma de suas referências, as diferenças entre os conceitos de coronelismo,

coronéis conquistaram o poder nos estados por meio de um amplo controle sobre seus dependentes e, em seguida, passaram a integrar as oligarquias estaduais. Essas oligarquias tiveram seu poder estruturado com base nos partidos estaduais e no uso da força militar sempre que necessário355.

Para os autores mencionados, o governo republicano não foi caracterizado apenas por mudanças. Muitas promessas do tempo da propaganda foram, após a conquista do poder, diluídas. O patrimonialismo, a confusão entre poder público e privado, também foi, segundo esses autores, uma constante, reforçado pelo coronelismo e pela política oligárquica predominante nos estados brasileiros.

Apesar desse sistema patrimonialista vigente no período estudado, pesquisas recentes como as de Surama Pinto, Vitor Fonseca, Paolo Ricci, Jaqueline Zuline, entre outras, têm demonstrado que a pretensa estabilidade conseguida ao longo da Primeira República via “política dos governadores” ou “política dos estados” e outros mecanismos, não neutralizou de forma definitiva os grupos oligárquicos nos estados. Ao analisarem a importância da competição política, da representação e do papel dos partidos e do voto, esses autores demonstraram como o período da Primeira República deve ser analisado de forma complexa, indo além da “caricatura de um sistema político marcado por fraude, violência, clientelismo, ausência de direitos e eternização de oligarquias no poder” 356.

A reflexão de José Murilo de Carvalho a respeito do modo de operação das elites na República é bastante elucidativa das mudanças políticas que aconteceram em estados como o Rio Grande do Norte. Com o novo regime e a ampliação de representatividade dos estados, os grupos locais puderam se fortalecer. De acordo com Renato Amado Peixoto, na última década do século XIX e na primeira década do século XX, uma nova organização familiar fincou raízes

de mandonismo e de clientelismo. Coronelismo deve ser encarado como um sistema que conecta município, Estado e União, coronéis, governadores e presidente, formando um jogo de coerção e cooptação exercido nacionalmente. O autor escreveu um dos prefácios da sétima edição do livro de Leal. Ver: CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Dados, Rio de Janeiro, v.40, n.2, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011- 52581997000200003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 setembro de 2018.

355 RESENDE, Maria Efigênia Lage de. O processo político na Primeira República e o liberalismo oligárquico. Op. cit., p.96-97.

356FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. Estado e oligarquias na Primeira República: um balanço das principais tendências historiográficas. Revista Tempo, v.23, n.3, set./dez. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tem/v23n3/1980-542X-tem-23-03-422.pdf. Acesso em: 20 set. 2018. p.17. Parte do trabalho desses autores pode ser consultada nos capítulos da obra A República revisitada. Ver: ALENCAR, José Almiro; VISCARDI, Cláudia M. R (Org.). A República revisitada: construção e consolidação do projeto republicano brasileiro [recurso eletrônico]. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016; PINTO, Surama Conde Sá. Só para

iniciados: o jogo político na antiga capital federal. Rio de Janeiro: Mauad X/Faperj, 2011; FONSECA, Vitor. Voto e competição política na Primeira República: o caso de Minas Gerais. Tese (Doutorado em História). Programa

no aparelho de Estado, aproveitando-se de condições que somente foram possíveis a partir do advento do governo republicano. Peixoto analisou uma série biográfica composta pelos políticos que exerceram mandatos de governador, senador e deputado federal no Rio Grande do Norte entre 1890 e 1930, bem como representações historiográficas e cartográficas desse período. Segundo o autor, no período imperial, o trânsito dos bacharéis entre as províncias permitia “desconstituir um dos sentidos de atuação das organizações familiares, o provincial, possibilitando a incorporação destas organizações familiares ao projeto de Nação, deslocando as tensões para outro nível de discussão, que era o da centralidade do Estado”357.

Ao analisar a trajetória de governadores do Rio Grande do Norte na última década do século XIX, Peixoto constatou que antes de ocuparem o cargo de governador, esses políticos exerceram a função de presidente de província, de deputado, de promotor e de delegado de polícia fora do Rio Grande do Norte, ocupando esses cargos sobretudo no Ceará, no Piauí, em Sergipe e em Alagoas. Essa mobilidade na trajetória profissional desses indivíduos refletia uma racionalidade que condizia com uma representação da ordem política e social constituída no período imperial. Com a República, os interesses das organizações familiares deixaram de ser satisfeitos com base na fluidez espacial, que diluía as tensões. No novo governo, os pleitos desses grupos familiares passaram a ser atendidos apenas a partir do reconhecimento por parte do Governo central das posições de controle que essas organizações possuíam nos aparelhos de poder de seus estados. Dessa maneira, os grupos familiares passaram a lutar não somente pelo poder local, ambicionando também o controle do poder estadual. O controle do estado permitia a esses grupos dispor dos recursos da unidade federativa “a seu bel-prazer e fazer chegar a essa mesma unidade os recursos barganhados por seus representantes junto ao Governo central”358.

Peixoto ainda constatou como a produção da historiografia norte-rio-grandense somente foi iniciada quando a racionalidade advinda do período imperial conseguiu ser rompida, com a ascensão de uma nova organização familiar ao poder, que foi capaz de responder a uma racionalidade espacial e a um sistema cultural criados com o governo republicano359. É nesse sentido, ressaltou Peixoto, que Augusto Tavares de Lyra, integrante da família Albuquerque Maranhão, foi “o primeiro grande historiador” do Rio Grande do Norte e teve sua obra divulgada e instigada pelo Instituto Histórico e Geográfico do estado. O poder de narrativa foi