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2 “UMA ERA NOVA DE PROSPERIDADE E CONFORTO”: NATAL NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO

PARTE I – Redes de poder e modernização (1903-1919)

2 “UMA ERA NOVA DE PROSPERIDADE E CONFORTO”: NATAL NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO

2.1 - (In)Definindo os limites da cidade

[...] eu vejo que o municipio de Natal atravessa, não uma quadra de renascimento que infelizmente a tradição nos nao serviu de exemplo e guia para empreendermos as reformas de que tanto se resente a Capital do Estado, até bem pouco equiparável a um obscuro e mesquinho logarejo, onde imperasse o arbitrio e a anarchia nas normas mais elementares da edificação mas uma era nova de prosperidade e conforto, em que os particulares e os poderes publicos, [...] se vão compenetrando de que o atraso rotineiro em que viviamos, descurando por completo o bem comum, era justo motivo de desgosto e pezar para os nossos creditos. [...] Basta lembrar o bello jardim “Augusto Severo” e consequentes trabalhos de aterro e drenagem; o novo e commodo caes de desembarque, que a Intendencia, em merecido preito, decretou que se chamasse: “Caes Augusto Lyra”; o empedramento e arborização de um grande trecho da “Avenida Rio Branco”, obra que, uma vez terminada, nos dotará de uma via publica de invejavel salubridade e bellesa; o saneamento do Baldo e outros benefícios [...]63 (grifo nosso).

O trecho destacado é parte do relatório trienal de Joaquim Manuel Teixeira de Moura, presidente da Intendência Municipal de Natal no período de 1900 a 1913. O documento, que foi lido em sessão solene no mês de janeiro de 190564, quando da posse dos membros da Intendência para a gestão de 1905 a 1907, destacou as mudanças pelas quais a capital norte-rio- grandense passava no início do século XX. O poder local abria o seu relatório oficial, publicado também no veículo oficial de propaganda do governo, nesse período o A Republica, ressaltando de forma expressiva as reformas que estavam construindo uma nova imagem para a cidade. De “obscuro e mesquinho logarejo”, Natal já possuía obras capazes de anunciar uma “era nova de prosperidade e conforto”, como o Jardim Augusto Severo, ruas arborizadas, lugares saneados, o delineamento de um novo bairro, a projeção de avenidas no bairro Ribeira, o início da instalação dos bicos de gás acetileno, a sistematização do registro de foros e outras fontes de renda, o estabelecimento de cercados na mata localizada nas proximidades do Baldo, e os

63 GOVERNO municipal. Relatório. A Republica, Natal, 14 jan. 1905.

64 O relatório foi escrito em 31 de dezembro de 1904, data que consta ao final do texto, e lido em sessão solene conforme evidenciado na matéria: INTENDENCIA municipal. A Republica, Natal, 02 jan. 1905.

trabalhos voltados para elaborar a planta cadastral da cidade, que facilitaria a implantação de outras reformas65.

As mudanças implementadas pela gestão que permanecia no poder estavam sendo descritas no relatório como integrando uma nova fase da administração, que romperia com um passado que não foi capaz de estabelecer uma “tradição de reformas”. O documento também apontou os esforços para modificar os padrões das construções na cidade, substituindo “por avenidas e praças as nossas viellas tortuosas e esburacadas”66. O relatório ainda destacou como

pretensão da gestão o estabelecimento de um instituto de ensino fundamental aliado à aprendizagem profissional; a mudança de local do matadouro; e a ampliação e o melhoramento do cemitério da cidade.

O documento divulgado em 1905 indicou algumas reformas que integravam o processo de modernização da cidade, ou seja, uma série de mudanças técnicas e sociais implantadas segundo o desejo de um grupo determinado, privilegiando os interesses desse grupo67. Para os que conduziram esse processo, era preciso remodelar não apenas a materialidade da urbe, abrir avenidas, calçar ruas e melhorar as fachadas das edificações. Seria imprescindível também cuidar dos serviços urbanos, como a remoção do lixo, criar instituições escolares, difundir novas formas de comportamento, implicando no esquadrinhamento do espaço citadino.

Como destacou Sandra Pesavento, as cidades antes de surgirem na esfera do real, existem como representações simbólicas, construídas “por meio de discursos, imagens mentais, gráficos, desenhos e planos que traduzem uma vontade e um sonho, que é o de transformar o espaço no sentido de concretização de uma ideia: fazer, da cidade real, a cidade ideal”68. A

cidade projetada pelos membros que ocuparam o poder no recorte analisado por esta tese deveria representar os ideais higienistas vigentes, ser salubre e embelezada, habitada por indivíduos que não criassem porcos em seus quintais, que respeitassem as regras de espaçamento entre as construções de habitações, que não secassem couros de animais nas praças urbanas, que não frequentassem jogos de azar, entre outras normas que foram estabelecidas por meio das resoluções municipais. O texto do relatório evidencia os interesses dos que integravam o poder em se colocarem como os responsáveis pelo fim do que denominavam de tradição que

65 Infelizmente, este documento, que seria de grande valia para a análise desta tese, não foi encontrado. 66 GOVERNO municipal. Relatório. A Republica, Natal, 14 jan. 1905.

67 O conceito de modernização deste trabalho segue as discussões e definições de Raymundo Faoro, conforme elucidado na Introdução.

68 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Entre práticas e representações: a cidade do possível e a cidade do desejo. In: PECHMAN, Robert; RIBEIRO, Luís César de Queiroz (Org.). Cidade, povo e nação: gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p.379.

não tinha a reforma como cerne, e a pretensão de estabelecer uma nova era marcada por transformações na estrutura da cidade.

A divulgação de uma “era nova de prosperidade e conforto” nas páginas do relatório da Intendência também pode ser compreendida como um recurso discursivo para reforçar os atos da administração que continuava. Cinco dos sete membros da gestão anterior permaneciam na equipe que assumiu em 190569. Sendo assim, possivelmente o relatório de Moura não tinha o

objetivo apenas de apontar as transformações urbanas, mas também visava reforçar os atos da administração que ainda controlava a municipalidade, criando uma ideia de continuidade.

O processo de modernização de outras capitais influenciou o natalense, sobretudo o que estava ocorrendo na então capital federal, Rio de Janeiro, entre 1902 e 1906, durante a administração do prefeito e engenheiro Pereira Passos. Nesse período, a capital federal foi remodelada, construiu-se a avenida Central envolta por prédios em estilo eclético. O objetivo era transformar “a velha cidade colonial” em uma capital moderna, higienizada, com uma cultura cosmopolita com forte inspiração em Paris70. Novos espaços foram criados e, com eles, novos modelos de comportamento foram difundidos. As reformas resultaram em segregação espacial. Prédios antigos da região central da cidade foram demolidos e, nesse processo conhecido como “bota abaixo”, a população pobre foi realocada em espaços sem infraestrutura, constituindo as primeiras favelas da cidade71. Esse processo é capaz de indicar como a remodelação urbana, a construção de novos espaços e de novos hábitos não atingia de modo semelhante todas as camadas sociais.

De acordo com Nicolau Sevcenko, a então capital federal ditava não apenas novas modas e comportamentos, também imprimindo um sistema de valores, um modo de vida, uma sensibilidade e um estado de espírito que apresentavam a modernidade enquanto uma experiência existencial e íntima72. Para o referido autor, a apreensão da modernização dava-se

com base em três elementos centrais: a percepção individualista, o contato com as novas tecnologias, como o bonde e a eletricidade, e as referências advindas das metrópoles europeias e ianques. Esses valores modernos circulavam em Natal fossem por meio de propagandas nos principais periódicos, via produtos que chegavam dos navios ancorados no porto, nos nomes

69 Vale ressaltar que nos dois períodos o Conselho de Intendência era composto por sete membros. 70 ARRAIS, Raimundo; SIQUEIRA, Gabriela Fernandes de. Viver na cidade. Op. cit., p.257.

71 Sobre a reforma no Rio de Janeiro implantada por Pereira Passos, ver: BENCHIMOL, Jaime. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano I- O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014; SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnicas, ritmos e ritos do Rio. In: NOVAIS, Fernando A (Coord.). História da vida privada no Brasil. República: da Belle Époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v.3.

das lojas da capital, via transcrição de matérias divulgadas em jornais de outras capitais do país, via folhetins publicados nos periódicos ou por meio de livros de literatura e revistas francesas e ianques. Existia um processo de divulgação, ainda que limitado. Livros, produtos e matérias difundiam desejos de mudança, sobretudo nos grupos que possuíam melhores condições financeiras e estavam ligados ao poder político. Os filhos desses grupos viajavam para a Europa e para outras capitais do país, alguns estudaram Direito no Recife, outros construíram moradia fixa no Rio de Janeiro e, nessas ocasiões, entravam em contato com a remodelação urbana que as demais capitais estavam vivenciando73. Esse contato influenciou os administradores que colocaram em prática a modernização da capital do Rio Grande do Norte.

É válido destacar que Natal possuiu suas peculiaridades nessa remodelação. A modernização da cidade foi conduzida por grupos familiares que tinham vínculos com as atividades rurais: os Albuquerque Maranhão, ligados à produção açucareira e salineira do litoral74, e os Bezerra de Medeiros, vinculados à produção do algodão e à criação de gado na região seridoense; foi financiada principalmente por empréstimos estrangeiros e efetivada com a utilização da mão de obra de retirantes em variados momentos. Como se trata de um processo gradual, não é possível precisar uma data que demarque o seu início. Alguns autores consideram que as transformações que caracterizariam a modernização de Natal começaram no final do século XIX como um esforço da iniciativa estadual e municipal em modificar a condição da cidade75. De acordo com Wagner Rodrigues, ainda durante o século XIX as lideranças políticas e socioeconômicas da então província do Rio Grande do Norte esforçaram-se na difusão de um discurso para justificar a permanência de Natal como capital norte-rio-grandense, uma vez que

73 O jornal A Republica pulicou diversas notas ao longo das duas primeiras décadas do século XX listando os membros dos grupos dominantes que se deslocavam de Natal para cursar Direito na capital pernambucana, bem como noticiando a formatura no referido curso. São exemplos dessas notas: A REPUBLICA, Natal, 27 mar. 1901; DR. LUIZ Lyra. A Republica, Natal, 22 dez. 1902; DR. ANTONIO Soares. A Republica, Natal, 22 dez. 1902; A REPUBLICA, Natal, 29 ago. 1903; A REPUBLICA, Natal, 04 maio 1905; DR. ALFREDO Fernandes. A

Republica, Natal, 01 dez. 1905; DR. JOSÉ Augusto. Natal, A Republica, Natal, 07 dez. 1905; A REPUBLICA,

Natal, 13 dez. 1905; VARIAS. José Dantas de Medeiros. A Republica, Natal, 14 dez. 1910; VARIAS. Paulo Julio de Albuquerque Maranhão. A Republica, Natal, 20 mar. 1911; entre várias outras.

74 Sobre a relação dos Albuquerque Maranhão com o monopólio do sal no estado, ver: SOUZA, Itamar. A

República Velha no Rio Grande do Norte. Op. cit., p.38-49.

75 São exemplos desses estudos: FERREIRA, Angela Lúcia e DANTAS, George (Org.). Surge et Ambula: A construção de uma cidade moderna (Natal, 1890-1940). Natal: Editora da UFRN, 2006; LIMA, Pedro de. Natal

século XX: do urbanismo ao planejamento urbano. Natal: Editora da UFRN, 2001; OLIVEIRA, Giovana Paiva de.

A modernização do espaço urbano de Natal no início do século XX. In: OLIVEIRA, Giovana Paiva de; FERREIRA, Angela Lucia de Araújo (Org.). Natal: intervenções urbanísticas, morfologia e gestão da cidade. Natal: Editora da UFRN, 2006; SIMONI, Yuri. Ribeira, técnica versus natureza: transformações em prol de um “projeto” de modernização (1860-1932). Natal: Editora da UFRN, 2014.

sua condição de capital passou a ser questionada, cogitando-se até mesmo a transferência para a cidade de São José de Mipibu76 e para Macaíba77.

Natal possuía empecilhos naturais (dunas, mar, rio) e um porto que não possibilitava o acesso de navios de grande porte, o que dificultava o escoamento da produção e o contato com outros municípios. Nesse sentido, a ligação comercial do interior do Rio Grande do Norte foi, durante muito tempo, efetuada com a praça do Recife, com a Paraíba ou com Macaíba, cidade nas vizinhanças de Natal78. Era necessário, pois, formular um discurso que justificasse a

permanência de Natal enquanto capital e pudesse atrair investimentos para o estabelecimento de obras que integrassem, mantivessem e reforçassem essa posição de privilégio na hierarquia das cidades da então província. Assim, na década de 1870 tem-se a aprovação do projeto de construção de uma ferrovia ligando Natal à cidade de Ceará-Mirim79 e de uma ponte de ferro na região do Refoles, duas alternativas para mudar a condição de isolamento da cidade e impedir novos questionamentos a respeito de sua condição de capital80. No final da década de 1870, a linha de trem passou a ser considerada o elemento responsável por garantir a centralidade de Natal81.

76 São José de Mipibu, nessa época, possuía um relativo desenvolvimento econômico. No período de desenvolvimento do açúcar no litoral norte-rio-grandense, a cidade era uma das zonas açucareiras com maior produção. Como consequência desse desenvolvimento econômico, o município possuía uma representação política considerável na Assembleia provincial, o que pode ter justificado a elaboração do projeto de 17 de julho de 1855, que propôs a mudança da capital da província para São José, que passaria a ser denominada de Cidade do Mipibu. Ver: CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1955. p. 330; ver ainda: RODRIGUES, Wagner do Nascimento. Dos caminhos de água aos caminhos

de ferro: a construção da hegemonia de Natal através das vias de comunicação (1820-1920). Dissertação (Mestrado

em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, 2006. p.68.

77 Rodrigues analisou como, a partir da década de 1850 e até a década de 1870, Macaíba tornou-se importante ponto de convergência das estradas comerciais do interior, possuindo uma feira expressiva que abastecia as povoações próximas, até mesmo Natal. Essa posição de destaque de Macaíba enfraquecia o comércio interno da capital, uma vez que os gêneros alimentícios convergiam para a praça de Macaíba, que possuía uma localização melhor e uma razoável estrutura de armazenamento. Além disso, nesse período, as feiras eram elementos importantes na construção da imagem da cidade. Sendo assim, para os grupos que dominavam a política local, parecia ser inadmissível que determinadas povoações possuíssem um comércio mais dinâmico que o desenvolvido em Natal. Ver: RODRIGUES, Wagner do Nascimento. Dos caminhos de água aos caminhos de ferro. Op. cit., p. 57-59.

78 SILVA, Fagner David da. Traçando caminhos e ligando espaços: as estradas do Rio Grande do Norte e o automóvel (1914-1934). Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, 2016. p.31.

79 Nesse período, a cidade de Ceará-Mirim era uma das mais prósperas e produtivas da província, contendo mais de 50 engenhos de açúcar. Apesar do projeto da estrada de ferro ligando Natal a Ceará-Mirim não ter sido concretizado nesse período, foi importante por levantar discussões sobre o território, questionando também a posição de Natal enquanto capital. Sobre isso, ver: RODRIGUES, Wagner do Nascimento. Dos caminhos de água

aos caminhos de ferro. Op. cit., p. 69-80.

80 Para aprofundar esse tema, ver: RODRIGUES, Wagner do Nascimento. Dos caminhos de água aos caminhos

de ferro. Op. cit., p. 68.

81 Construiu-se a ferrovia que ligava Natal à cidade de Nova Cruz, a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, ligando a capital até Ceará-Mirim e chegando até a cidade de Lajes, e a Estrada de Ferro de Mossoró, que partia de Areia Branca, passava por Mossoró e seguia até chegar a Alexandria (essas cidades podem ser

A construção de vias de acesso entre Natal e os centros produtivos de maior destaque no interior do estado era primordial para a manutenção da hegemonia da cidade. Em consonância com esse esforço, tem-se a construção da Estrada de Automóveis do Seridó, primeira via de penetração para a região seridoense, cujos esforços foram implementados por uma sociedade anônima estabelecida em 1914 e tendo como um dos principais sócios o ex- governador Alberto Maranhão, o próprio governo estadual, entre outros nomes influentes e que ocupariam o Executivo estadual, como Juvenal Lamartine e José Augusto Bezerra de Medeiros (dois nomes representantes do grupo político do Seridó, conforme será discutido no próximo capítulo)82, o que pode indicar como os grupos que dominavam a política local utilizavam esse

processo de remodelação para lucrar com o estabelecimento de determinados contratos, como esse envolvendo a construção de rodovias. A construção dessa estrada foi iniciada em 1915 e apenas concluída em 191983. Na década de 1920, a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) atuou na recuperação e na construção de novas rodovias no estado, conforme destacado no mapa abaixo:

visualizadas no mapa da Imagem 01). Ver: RODRIGUES, Wagner do Nascimento. Dos caminhos de água aos

caminhos de ferro. Op. cit.; SILVA, Fagner David da. Traçando caminhos e ligando espaços. Op. cit., p. 40;

SOUZA, Itamar. A República Velha no Rio Grande do Norte. Op. cit., p.89. 82 SILVA, Fagner David da. Traçando caminhos e ligando espaços. Op. cit., p.44.

83 Durante o período colonial e imperial existiam no estado apenas veredas abertas pelas boiadas e por tropeiros. As primeiras estradas carroçáveis foram abertas na segunda gestão de Alberto Maranhão (1908-1913). As estradas de rodagem, construídas posteriormente, eram “uma evolução direta em termos técnicos das ‘estradas carroçáveis’ ou ‘caminhos de carro de boi’ e constituíam-se muitas vezes em melhoramentos realizados em tais caminhos, possibilitando o tráfego de caminhões e automóveis”, ver: SOUZA, Itamar. A República Velha no Rio Grande do

Imagem 01 - Mapa das estradas de rodagem e carroçáveis construídas ou recuperadas pela IFOCS

entre 1919 e 1925

Fonte: SILVA, Fagner David da. Traçando caminhos e ligando espaços. Op. cit., p.18.

No mapa é possível observar a proximidade de Natal com as cidades que, na transição do séc. XIX para o séc. XX, ameaçaram a sua posição de capital, tais como Macaíba e Ceará- Mirim. Pode-se também identificar em vermelho as rodovias e as estradas carroçáveis que atendiam o estado. A região do Seridó, no início do século XX, abrangia os municípios de Caicó, Serra Negra, Flores, Acari, Currais Novos e Jardim do Seridó84. No mapa nota-se que a IFOCS ampliou a Estrada de Automóveis do Seridó, que chegava apenas até a região de Santa Cruz, passando a constituir a denominada “rede do Seridó”. A estrada que tinha 90 km foi ampliada para 300 km, saia de Natal, passava por Macaíba e Santa Cruz, atingia Acari e Parelhas, indo até a fronteira com a Paraíba via estrada carroçável, era o percurso Natal- Parelhas-Entroncamento85. A segunda rodovia saia de Assú e possuía uma linha tronco em dois

trechos, Lajes a Angicos e Angicos a Assú, e um ramal em Santana dos Matos. A rede viária de Assú também fazia ligação com a Estrada do Seridó por meio do ramal Lajes a Recanto e

84 O município de Flores atualmente denomina-se Florânia, ver: BRITO, Anderson Dantas da Silva. Em nome(s)

dos interesses: imaginários toponímicos do Rio Grande do Norte na Primeira República. Dissertação (Mestrado

em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, 2012. p.187; p.230.

Recanto a Flores. Havia ainda uma estrada carroçável ligando Assú a Martins. Além das duas redes viárias representadas no mapa, havia a estrada de rodagem (não representada) que seguia de Mossoró e ia até Limoeiro, no Ceará. Nota-se, assim, que as redes de transporte tiveram importância significativa na busca por sedimentar a capitalidade de Natal, aliando pretensões políticas e interesses econômicos de figuras importantes do meio local.

Apesar desse processo de transformação das condições de infraestrutura de Natal no final do século XIX e da manutenção de sua condição de capital, autores como Raimundo Arrais consideram que, no início do século XX, a condição de isolamento da cidade em relação aos demais municípios do estado ainda era uma preocupação da administração estadual86. Segundo