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PARTE II: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.4. Comorbilidade e PSPT

Os resultados dos vários estudos efectuados revelam que, apesar da PSPT possuir um critério etiológico que se liga especificamente aos acontecimentos traumáticos, não é o único quadro clínico que se desenvolve após um acontecimento traumático, pois a PSPT raramente se manifesta sem a presença de outras entidades clínicas, revelando a existência de elevada comorbilidade com outras patologias. Pode haver um conjunto de sintomas afectivos e interpessoais associados, ou mesmo um aumento de ocorrência de outras psicopatologias. Kessler, Sonnega, Bromet, Hughes e Nelson (1995) mostram que 83,6% das pessoas com PSPT da população geral apresentam outro diagnóstico em comorbilidade, sendo a depressão major e o uso de substâncias os mais frequentes.

Yehuda e Wong (2002); Roestel e Kersting (2008) estimam que cerca de 50 a 90% dos indivíduos com PSPT crónico apresentam, como factor de comorbilidade, outras desordens ou perturbações mentais, tais como: perturbação aguda de stresse, depressão major, ansiedade generalizada, fobias, perturbação de pânico, abuso de substâncias psicoactivas, principalmente o álcool, perturbação de ajustamento, hipocondria, entre outras.

Também a DSM-IV-TR (2002) refere que quando a PSPT se desenvolve é frequente a presença de manifestações de comorbilidade psiquiátrica. Os quadros clínicos mais frequentes correspondem a patologias relacionadas com abuso de substâncias, depressão major, perturbação de pânico, agorafobia, perturbação de ansiedade generalizada, perturbação obsessivo-compulsiva, fobia social, e transtorno bipolar. Estas perturbações podem preceder, seguir-se ou emergir concomitantemente com o início da PSPT.

Outros sintomas de desajustamento emocional e perturbações várias surgem também frequentemente associados às consequências da exposição traumática. McFarlane e Papay (1992) verificaram que 80% dos sujeitos com PSPT tinham outras perturbações. A DSM-IV- TR (2002) descreve as seguintes áreas problemáticas: “deterioração na modulação dos afectos, comportamento impulsivo e autodestrutivo, sintomas dissociativos, queixas somáticas, sentimentos de ineficácia pessoal, culpa, desespero ou falta de esperança, sentimento de estar permanentemente diminuído, perda das crenças anteriormente mantidas, hostilidade, isolamento social, sentimento de ameaça constante, deficiência nos relacionamentos com os outros, ou alterações nas características prévias da personalidade” (p. 465).

Em alguns indivíduos com PSPT também podem ocorrer sentimentos de culpa por terem sobrevivido, ideias homicidas, alucinações auditivas, ideação paranóide, queixas somáticas, falta de esperança, perda de crenças anteriores, isolamento social, dificuldade no

relacionamento com os outros e alterações nas características prévias de personalidade (DSM- IV-TR, 2002).

No que diz respeito aos antigos combatentes, a investigação tem demonstrado que a comorbilidade com a ansiedade social e fobia social é significativo em combatentes com PSPT (Orsilo, Heimberg, Juster & Garret, 1996). Outros autores destacam ansiedade a social e agorafobia (Crowson, Frueh, Beidel & Turner, 1998), perturbação de pânico (Freedy & Donkervoet, 1995), bem como perturbações psicóticas e depressão major (Kozaric-Kovacik & Borovecki, 2005; Southwick, Yehuda & Giller, 1991), podendo apresentar uma comorbilidade tripla: PSPT, ansiedade e depressão (Ginzburg, Ein-Dor & Solomon, 2010).

Vários estudos têm associado a PSPT ao desenvolvimento de quadros de depressão (Breslau, 2002; Breslau, Davis, Peterson, & Schultz, 1997; Erickson, Wolfe, King, King & Sharkansky, 2001; Thorndike, Wernicke, Pearlman & Haaga, 2006), referindo a existência de uma relação recíproca entre PSPT e depressão, mostrando que a PSPT é um facto de risco para o desenvolvimento da depressão e a depressão para o desenvolvimento da PSPT. Kramer, Booth, Han e Willians (2003), verificaram num estudo com veteranos que o facto de existir uma perturbação depressiva juntamente com a PSPT aumentava as dificuldades de funcionamento, o período de internamento e a procura dos serviços de saúde mental.

Kulka et al. (1990, citado por Resick, 2000), constatam que as perturbações mais comorbidas com a PSPT eram o abuso de substâncias (73%), depressão major (26%) e a distimia (21%). Outras investigações referem experiências dissociativas elevadas associadas à PSPT (Bremmer, et al., 1992). Em relação às perturbações de personalidade, alguns estudos têm revelado comorbilidade significativa em veteranos com PSPT. Bollinger, Riggs, Blake e Ruzek (2000), verificaram que 79,4% dos participantes apresentavam pelo menos uma perturbação de personalidade, sendo as mais frequentes: a esquiva (47,2%), a paranóide (46,2%), a obsessão-compulsão (28,3%) e a anti-social (15,1%).

Hull et al. (2009), em militares ingleses participantes na guerra do Iraque encontraram comorbilidade entre a PSPT e outras perturbações. Por exemplo, abuso de álcool (18%), seguido de perturbações neuróticas (13,5%) e depressão major (3,7%). A somatização (1,8%) e as perturbações de pânico (1,1%) foram menos comuns. Di Nicola e colaboradores (2007), identificaram, em militares italianos em missão no Afeganistão, valores mais elevados de ansiedade, depressão e PSPT quando comparados com militares não deslocados.

Relativamente a Portugal, Albuquerque e Lopes (1997) concluíram que a depressão, as fobias e a ansiedade eram as perturbações mais verificadas nos veteranos da Guerra. Num outro estudo, Maia et al. (2006) verificaram que 56% dos veteranos apresentavam sintomas

clínicos de morbilidade psicológica significativos, e que a depressão, a ansiedade e história psiquiátrica prévia estavam mais significativamente associados à PSPT.

Pedras e Pereira (2007), numa outra amostra, verificaram que 51% dos combatentes referiram comportamentos de impulsividade, agressividade, perda de controlo, ataques de raiva e irritabilidade fácil; 49% apresentavam comorbilidade como depressão, ideação suicida, ansiedade, e doença bipolar; 36% relatavam problemas conjugais e familiares; 58% outras queixas, tais como fobias, agorafobia, perturbação obsessiva compulsiva e sintomatologia psicótica. Verificaram ainda que os combatentes apresentavam outras queixas: 19% queixas físicas relacionadas com a dor crónica; 17% com o sistema músculo-esquelético; 15% com o sistema cardiovascular; e 12% queixas do sistema neurológico.

Também G. Pereira, Pedras, Lopes, M. Pereira e Machado (2010), encontraram uma percentagem significativa de PSPT (39,5%) em combatentes da guerra colonial e destes, 81% apresentavam sintomatologia relacionada com perturbações emocionais.

Paiva, Cerdeira, Rodrigues e Ferro (1997), num estudo com militares portugueses, participantes em missões na Bósnia-Herzegovina, identificaram valores superiores nas dimensões psicopatológicas: obsessão e compulsão, hostilidade e ideação paranóide, antes e depois da missão.

Uma das maiores preocupações das autoridades militares americanas e inglesas diz respeito ao aumento sucessivo de suicídios nos militares. Engel (2013) verificou, em 2011, a maior taxa de suicídio em militares americanos no Afeganistão. Porém, nos primeiros seis meses de 2012, já tinham sido reportados mais de 150 suicídios de militares (quase um por dia). A taxa de suicídio, comparada com os anos de 2011 (18%) para 2012 (25%, apenas em 6 meses), teve um aumento bastante significativo, o que deixou as chefias militares bastante preocupadas, pois nunca na última década, em que os EUA estiveram envolvidos em duas guerras (Iraque e Afeganistão), o ritmo de suicídios entre militares foi tão elevado. Alguns analistas e investigadores, nesta área, levantam a seguinte questão: será que este número de suicídios entre os militares do activo é apenas a ponta visível do iceberg para a PSPT e outras patologias associadas ao trauma da guerra?

Em síntese: vários estudos e investigações têm sido desenvolvidos que demonstram a elevada comorbilidade entre a PSPT e outras perturbações, acentuando a complexidade para a compreensão do fenómeno psicopatológico, ao nível do seu curso e prognóstico, e sobretudo, por representar um grande desafio para um correto diagnóstico e para o tratamento adequado. Mesmo que a PSPT seja uma entidade clínica que necessita de uma relação prévia com os acontecimentos e experiências traumáticas, existem elevadas probabilidades de ocorrerem

outras perturbações psiquiátricas e psicológicas relacionadas directa ou indirectamente com a PSPT. Por outro lado, a pesquisa científica mostra também a influência que outros factores podem ter na perturbação, sugerindo que existem factores de risco e/ou de protecção, incluindo variáveis pessoais e psicossociais que podem facilitar o desenvolvimento da PSPT.

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