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PARTE II: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.2. Critérios de Diagnóstico

A definição original de PSPT para além da exposição ao acontecimento traumático, para se efectuar o diagnóstico, requeria apenas um sintoma de reexperienciação, dois sintomas de embotamento emocional e um sintoma de uma lista de sintomas inespecíficos, sem critérios de duração, e restringia os acontecimentos traumáticos a abuso sexual, assaltos, desastres naturais e guerras (Schestatsky, Shansis, Ceitin, Abreu & Hauck, 2003).

Na DSM-III-R (1987) foram introduzidas algumas alterações: a situação traumática foi definida como um acontecimento fora do âmbito da experiência humana normal e os três grupos de critérios tornaram-se mais claros (Pereira & Monteiro-Ferreira, 2003). Na revisão apresentada pela DSM-IV (1994), novas alterações foram efectuadas, nomeadamente o carácter raro da experiência foi excluído, e passou a ser incluído que para além da exposição ao acontecimento traumático a resposta da pessoa devia envolver medo, impotência ou horror.

Segundo Schestatsky et al. (2003), a maior modificação na DSM-IV está relacionada com a definição de trauma. Enquanto a DSM-III-R enfatiza que o trauma é uma experiência fora da normalidade, um grande número de evidências sugeria que os desencadeantes típicos da PSPT eram eventos relativamente comuns na vida das pessoas. Nesta edição passaram também a figurar nos acontecimentos traumáticos as “situações em que a pessoa toma conhecimento da morte violenta de um familiar ou inesperada de alguém, ou da ameaça de morte vivida por um familiar ou amigo íntimo” (Vaz Serra, 2003, p. 72).

Surge também pela primeira vez os critérios para a designação de Perturbação Aguda de Stresse (PAS) para as manifestações clínicas, que ocorrem em muitos indivíduos logo após um acontecimento traumático, com duração inferior a um mês, mas que alguns autores referem que os sintomas podem manter-se até 3 meses (Schestatsky et al., 2003).

Segundo a DSM-IV-TR (2002), a PSPT é uma doença psiquiátrica, que se caracteriza pelo desenvolvimento de um conjunto de sintomas específicos após a ocorrência de um acontecimento traumático, envolvendo a participação directa ou indirecta da pessoa. As características essenciais da PSPT são o desenvolvimento de sintomas característicos a seguir à exposição a um acontecimento traumático extremo, implicando uma “(…) experiência pessoal directa com um acontecimento que envolva morte, ameaça de morte ou ferimento grave, ou ameaça à integridade física; ou observar um acontecimento que envolva a morte, ferimento ou ameaça à integridade física de outra pessoa; ou ter conhecimento de uma morte violenta ou inesperada, ferimento grave ou ameaça de morte ou ferimento vivido por um familiar ou amigo intimo” (p. 463).

Considerámos até agora a experiência mas, segundo a DSM, a reacção da pessoa é parte integrante da definição de trauma, ou seja, só quando a pessoa reage com medo intenso, sentimento de incapacidade de ter ajuda ou horror, se poderá falar de trauma. Isto significa que a avaliação imediata e a percepção que os indivíduos têm das suas experiências são importantes, pelo que uma mesma experiência ou situação (por exemplo um acidente) pode ser uma experiência traumática para uma das pessoas envolvidas, mas não para outra, uma vez que uma pode perceber a sua vida como estando em perigo, enquanto a outra não, tornando este critério de tal forma subjectivo, que levou a ser retirado da DSM-V.

Ainda que actualmente se assista a algum questionamento sobre a pertinência de a reacção da pessoa fazer parte dos critérios de definição de experiência traumática, os estudos revelam que os indivíduos expostos a situações traumáticas que relatam horror e medo intenso têm uma probabilidade aumentada de exibir perturbação psicológica posterior, nomeadamente a PSPT (Adler, Wright, Bliese, Eckford & Hoge, 2008; Kilpatrick, Resnick & Acierno, 2009).

A questão mais pertinente é: como avaliar se a pessoa manifestou estes sentimentos de horror, medo intenso e falta de ajuda, no momento imediatamente a seguir ao acontecimento (Critério A2, excluído da DSM-V), ou seja, a resposta ao Incidente Crítico (IC).

A nossa experiência com o trabalho desenvolvido com antigos combatentes da guerra do Ultramar, na avaliação de peritagem e relatório médico e psicológico para a elaboração do Relatório Médico (Modelo 2) para os ex-militares portugueses portadores de perturbação de pós-stresse traumático, para o reconhecimento do dano causado, e na intervenção e acompanhamento clínico, cerca de 40 anos depois da experiência com o acontecimento traumático, revela-nos a dificuldade de compreender não apenas o nexo de causalidade, mas os sentimentos subjectivos revelados no momento da reacção ao acontecimento. Os combatentes que estavam isolados sem apoio directo possivelmente sentiram o impacto mais forte em relação ao medo e ao desamparo na falta de ajuda. E mesmo neste caso em que se sentiram isolados e sem apoio imediato, aqueles que tiveram sucesso na reacção ao acontecimento, não poderão ter ficado mais resilientes? Estas reflexões decorrem das observações de comportamentos e reacções do presente, depois de toda uma vida “normal” de 30 ou 40 anos, depois da guerra.

A supressão do critério A2 da DSM-V parece reflectir a dificuldade de, numa perícia médico-legal, apurar os sentimentos experimentados no momento do evento, quando já passaram tantos anos (como é o caso dos combatentes da Guerra do Ultramar). Por outro lado é razoável admitir que uma pessoa desenvolva sintomas de PSPT sem mentalizar de modo consciente os sentimentos de medo intenso, falta de ajuda ou de horror.

Observa-se que os combatentes avaliados raramente exprimem esses sentimentos de um modo espontâneo. Quando indagados directamente, admitem com maior prevalência o sentimento de horror, seguido do desamparo e por último referem o medo. Exprimem com frequência a raiva, como forma de mobilização para a acção. Esta relativa ausência de sentimentos claramente expressos reforça a impressão clínica (que se infere) de que a reacção que provavelmente ocorreu foi de embotamento e/ou dissociação. E neste sentido parece-nos adequado a supressão do critério A2 da DSM-V, bem como a inclusão de uma nova categoria de sintomas dissociativos.

A DSM-IV-TR (2002) apresenta como acontecimentos traumáticos directos: combates em guerra, assaltos pessoais violentos (ataque sexual, ataque físico, roubo, estrangulamento), ser raptado, ser feito refém, ataque terrorista, tortura, ser prisioneiro de guerra num campo de concentração, desastres naturais ou provocados pelo homem, acidentes graves de automóvel ou diagnóstico de doença ameaçadora. Entre os acontecimentos indirectos, encontram-se tanto aqueles que são observados pela pessoa, como presenciar ferimento grave ou morte não natural de outra pessoa devido a um assalto violento, acidente, guerra, desastre, como os acontecimentos vivenciados por outros que a pessoa toma conhecimento, tais como acontecimentos pessoais violentos, acidentes ou ferimentos graves que aconteceram a membros da família ou amigos íntimos, morte inesperada de um ente querido.

É comum, após a vivência de um acontecimento traumático, ocorrerem sintomas típicos relacionados com medo e ansiedade, reexperiência do trauma, hiperestimulação, comportamentos de evitamento, anestesia emocional, sentimentos de culpabilidade e vergonha, depressão, alterações da imagem de si próprio e do mundo, relações interpessoais comprometidas, abuso de álcool ou outras substâncias (Riggs & Foa, 2004).

Face a esta tipologia específica de sintomas, foram criados dois tipos de categorias que englobam os sintomas manifestados após a reacção ao acontecimento traumático: a PAS, que se inicia poucas horas após o acontecimento traumático e cuja duração pode chegar aos 30 ou até 90 dias, e a PSPT, após este período, que consiste numa perturbação mais grave e persistente e tendencialmente crónica. Em antigos combatentes da guerra do Ultramar e de outras guerras, tem-se verificado que a PSPT (início tardio) pode surgir passados mais de 30 ou 40 anos após a vivência do acontecimento, o que torna difícil, ao fim de tantos anos, estabelecer a sua etiologia e o nexo de causalidade.

De acordo com a DSM-IV-TR (2002), o diagnóstico de PSPT envolve necessariamente a exposição a uma experiência ou acontecimento traumático, sendo fundamental para o diagnóstico (critério A1); a resposta da pessoa envolve medo intenso, sentimento de falta de

ajuda ou horror (Critério A2 – retirado da DSM-V);seguido de três principais categorias de sintomas que devem ser observados de uma forma persistente e clinicamente significativa com prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas da vida da pessoa:

1) Reexperienciação do acontecimento traumático sob a forma de: imagens e pensamentos intrusivos, sonhos perturbadores recorrentes, ilusões, flashbacks dissociativos, sensação de estar a reviver a experiência, ou mal-estar e sofrimento psicológico, reactividade fisiológica durante a exposição a situações semelhantes ao acontecimento traumático (Critério B); 2) Embotamento afectivo e evitamento dos estímulos associados ao trauma: sensação subjectiva de se sentir desligado, afastado e estranho em relação aos outros, ausência de reacção emocional, diminuição da consciência em relação ao ambiente circundante desrealização, despersonalização, amnésia dissociativa, evitar pensamentos, sentimentos, conversas, lugares, pessoas que lembram o acontecimento, diminuição de interesse em actividades significativas (Critério C); 3) Activação aumentada/neurovegetativa sob a forma de perturbação do sono, irritabilidade, dificuldades de concentração, hipervigilância, reacção de alarme exagerada, agitação motora (Critério D).

Em algumas pessoas podem ocorrer sentimentos de culpa, alucinações auditivas, ideação paranóide, queixas somáticas, e alteração nas características de personalidade.

Para que o diagnóstico seja efectuado, a duração dos sintomas deve persistir, por um período superior a um mês, com pelo menos um ou mais sintomas de reexperienciação, três ou mais sintomas de evitamento e dois ou mais sintomas de activação (Critério E).

A perturbação deve causar mal-estar ou deficiência no funcionamento social, ocupacional ou qualquer outra área importante (Critério F).

A sintomatologia de PSPT é classificada segundo períodos temporais, assim:

a) Se a duração dos sintomas for inferior a três meses, considera-se que é uma Perturbação Aguda de Stresse (PAS); b) Se os sintomas persistirem por mais de três meses, a PSPT considera-se crónica; c) Se o início dos sintomas surge seis meses após o acontecimento traumático, então considera-se que a PSPT é crónica com início tardio.

A PAS normalmente ocorre entre os dois dias e as quatro semanas após o acontecimento traumático, mas pode prolongar-se até aos 3 meses. Esta perturbação caracteriza-se pela presença de sintomas dissociativos, reexperienciação, evitamento, ansiedade e activação, bem como um mal-estar que perturba significativamente o funcionamento adaptativo (APA, 2002).

Alguns autores (Vaz Serra, 2003) referem que no período das 72 horas após a exposição ao acontecimento ocorrem Reacções ou Respostas de Adaptação ao Stresse (RAS).

Quando comparamos os dois manuais para a classificação diagnóstica de PSPT (DSM- IV e CID-10) apresentam-se algumas diferenças nos critérios para a definição de PSPT:

As principais diferenças dizem respeito à definição de evento traumático. A CID-10 refere no critério A que a situação traumática surge como uma resposta tardia e/ou protraída à exposição de um evento ou situação stressante (de curta ou longa duração) de natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, que causa angústia invasiva em quase todas as pessoas. Enquanto na DSM-IV, no critério A, a definição é mais abrangente, incluindo qualquer evento, experiência ou testemunho de um acontecimento que envolva a morte, ferimento ou ameaça à sua própria integridade física ou de outras pessoas. Na DSM-IV, os acontecimentos traumáticos são definidos não apenas em função das características objectivas da experiência vivida, mas também em função da resposta subjectiva de intenso medo, impotência ou horror perante o acontecimento, não contemplada na CID-10.

Para além de algumas diferenças encontradas na DSM-IV e CID-10, a PSPT, na sua generalidade, tem características semelhantes em ambos os manuais e sobretudo na sua especificidade, em que o diagnóstico está ligado à sua etiologia (exposição a um stressor traumático) e, se os sintomas estiverem presentes sem essa causa, então o diagnóstico poderá estar mais dificultado ou comprometido independentemente do tipo de manual a seguir.

Embora cientificamente se tenha vulgarizado, na área da Saúde Mental, a referência à classificação de critérios de diagnósticos da DSM-IV-R (actualmente DSM-V) da APA, em termos restritos médico-legais e psiquiátricos forenses, a legislação em vigor na União Europeia e em Portugal, obriga ao uso da CID-10 (OMS, 1997).

Para além da entrada em vigor, em 2013, da DSM-V, decorre também uma revisão da CID-10, sendo desejável que a CID-11 possa ajustar estas alterações e configurar-se num único documento da OMS a ser seguido para o diagnóstico total ou parcial da PSPT.

Alguns investigadores (Blanchard & Hickling, 1997) já há mais de uma década que vêm sugerindo a importância da PSPT parcial (não faz parte dos diagnósticos da DSM ou CID), tendo em conta que os indivíduos que não apresentam todos os sintomas necessários para os critérios de diagnóstico total de PSPT, também estão afectados de forma significativa e podem comprometer o seu funcionamento diário. Também Peres (2005) refere que 30% da população mundial apresenta PSPT parcial.

Ainda que uma pessoa possa não manifestar sintomas compatíveis com o diagnóstico total de PSPT, devem ser avaliadas outras áreas potencialmente afectadas pelo trauma. Por exemplo, Fonagy et al. (1996) verificaram igualmente uma elevadíssima presença de história

de trauma nas pessoas com diagnóstico de perturbação borderline, o que levou estes autores a concluir que a ligação entre a história de trauma e o diagnóstico era um facto inegável.

Por outro lado, atendendo à elevada comorbilidade, os sintomas relacionados com a PSPT também podem estar relacionados com outras patologias de desajustamento emocional, colocando dificuldades para o diagnóstico, o que pode levar a colocar-se uma hipótese de diagnóstico, atendendo à dinâmica e complexidade que a PSPT apresenta.

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