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5 RESULTADOS

5.4 Análise de fatores de risco

5.4.2 Comparação de variáveis entre 44 pacientes-caso e 74 pacientes

No grupo dos pacientes–caso incluímos 29 (65,9%) pacientes do sexo masculino e 15 (34%) do sexo feminino e no grupo dos pacientes controle 45 (60,8%) e 29 (39,1%) pacientes do sexo masculino e feminino, respectivamente (p=0,45).

A idade dos pacientes–caso variou de 22 a 86 anos (média: 53,9; desvio padrão: 17,2 anos), e dos pacientes-controle, 14 a 94 anos (média: 49,9; desvio padrão: 18,1 p=0,21).

Na tabela 11 está descrita a distribuição do diagnóstico principal na internação hospitalar entre pacientes-caso e pacientes-controle.

Quanto à procedência, 63 (85,1%) e 11 (14,8%) pacientes no grupo dos pacientes-controle vieram de casa e de outro hospital, respectivamente, e no grupo

dos pacientes–caso, 36 (85,7%) vieram de casa e 6 (14,2%) vieram transferidos de outro hospital (p=0,77).

Quanto à evolução, 70 (94,5%) pacientes–controles receberam alta hospitalar e 4 (5,4%) evoluíram para óbito e no grupo dos pacientes-caso 26 (59,1%) e 18 (40,9%) evoluíram para alta e óbito, respectivamente (p< 0,001).

A mediana do período de risco foi de 21 dias, variando de 2 a 70 dias.

A duração da hospitalização variou de 14 a 148 dias (com mediana de 43,5 dias) nos pacientes caso e de 4 a 87 dias (mediana de 29,5 dia) nos pacientes- controle e, (p<0,001).

Tabela 11 Distribuição dos 118 pacientes incluídos na análise conforme o diagnóstico principal

Nº (%) de pacientes em cada grupo Doença de base

Pacientes-Caso Pacientes-controle Total(%) P

Neoplasias 9 (20,4) 11 (14,8) 20 (16,9) 0,53 Doença infecciosa 7 (15,9) 11 (14,8) 18 (15,2) 0,84 Cardiopatias 3 (6,8) 10 (13,5) 13 (11,0) 0,21 Pneumopatias 5 (11,3) 7 (9,4) 12 (10,1) 0,56 Doenças hepato-biliares 6 (13,6) 7 (9,4) 13 (11,2) 0,35 Outras 2 (4,5) 8 (10,8) 10 (8,4) 0,24 Doenças auto-imunes 1 (2,2) 0 (0) 2 (0,8) 1,00 Doenças tubo Digestivo 3 (6,8) 4 (5,4) 7(5,9) 0,89 Endocrinopatias 3 (6,8) 3 (4,0) 6 (5,0) 0,57 Doenças osteoarticulares 0 (0) 6 (8,1) 6 (5,0) 1,00 Doenças Neurológicas 1 (2,2) 3 (4,0) 4 (3,3) 0,60 Nefropatias 2 (4,5) 2 (2,7) 4 (3,3) 0,73 SIDA 1 (2,2) 2 ( 2,7) 3 (2,5) 0,84 Doenças Hematológicas 1 (2,2) 0 (0) 1 (0,8) 1,00 Total 44 74 118

A descrição da análise univariada das variáveis dispositivos invasivos, tipo de nutrição e cirurgia está apresentada na tabela 12. A descrição da análise univariada do uso de antimicrobianos está apresentada na tabela 13. O uso de antibiótico entre os pacientes-caso e pacientes-controle foi avaliado individualmente por cada antibiótico utilizado por um período maior ou igual a 3 dias. Foram também avaliados o número de antibióticos utilizados e a duração de uso de antibióticos em dias em cada grupo. O número de antibióticos utilizados variou de 0 a 7 (mediana de 3 antibióticos) no grupo dos pacientes caso, e de 0 a 11 (mediana de 1 antibiótico) no grupo dos pacientes-controle (p=0,001). A duração da antibioticoterapia nos pacientes-caso variaou de 3 a 82 dias (mediana de 9 dias) e no grupo dos pacientes-controle variou de 3 a 35 dias (mediana de 8 dias), (p=0,003).

Tabela 12 Análise univariada do uso de dispositivos como fatores de risco para infecção por EnR

Variável Caso N (%) Controle N (%) RC P

Cirurgia 27 (61,36) 37 (50,00) 1,79 0,287 CVU 31 (70,45) 31 (41,89) 6,98 0,002 CVC_curta 23 (52,27) 31 (41,89) 2 0,167 CNG 15 (34,09) 26 (35,14) 0,94 0,892 Sup Respiratório 15 (34,09) 17 (22,97) 4,90 0,055 NET 13 (29,55) 14 (18,92) 2,27 0,150 CAT 10 (22,73) 10 (13,51) 2,35 0,184 NPT 5 (11,36) 6 (8,11) 1,54 0,544 CVC_hemod 2 (4,55) 0 (0) 6 0,121

NPT: nutrição parenteral, NET: nutrição enteral, CVC_curta/hemod: cateter venoso central de curta duração e de hemodiálise, CAT: cateter arterial, Sup respiratório: traqueostomia+ tubo orotraqueal+ ventilação mecânica, CVU: cateter vias urinárias, CNG: cateter nasogástrico. RC – razão de chances.

Tabela 13 Análise univariada do uso de antimicrobianos como fatores de risco para infecção por EnR

Tipo de antibiótico Caso N (%) Controle N (%) OR p Anti_anaero 27 (61,36) 22 (29,73) 4,59 0,001 Quinolonas 22 (50,00) 17 (22,97) 3,43 0,007 Metronidazol 11 (25,00) 10 (13,51) 2,12 0,136 Penicilinas 8 (18,18) 8 (10,81) 1,74 0,314 Cefalosporina 1G 5 (11,36) 9 (12,16) 0,68 0,585 Aminoglicosídeos 8 (18,18) 2 (2,70) 10,90 0,026 Cefalosporina 2 G 5 (11,36) 5 (6,76) 1,88 0,399 Glicopeptídeo 4 (9,09) 6 (8,11) 1 1,000 Amp_inib/blactamase 3 (6,82) 7 (9,46) 0,68 0,585 Cefalosporina 4 G 5 (11,36) 4 (5,41) 2,23 0,283 Pip/Taz 4 (9,09) 4 (5,41) 2,10 0,405 Carbapenêmico 5 (11,36) 2 (2,70) 7,70 0,066 Clindamicina 4 (9,09) 3 (4,05) 1,80 0,445 Cefalosporina 3 G 1 (2,27) 2 (2,70) 0,61 0,697 Macrolídeo 1 (2,27) 1 (1,35) 1,41 0,809

G: geração, Pip/Taz: piperacilina/tazobactam, Anti_anaero: clindamicina, metronidazol, ampicilina/sulbactam, piperacilina/tazobactam, carbapenêmicos.

5.4.3 Análise multivariada

Inicialmente foi realizado um modelo intermediário com análise dos dados demográficos, dos dispositivos invasivos, do suporte nutricional e dos antibióticos utilizados separadamente e a partir de cada um destes modelos foram selecionadas as variáveis com valor de p menor ou igual a 0,25, e estas foram incluídas no modelo multivariado final.

Tabela 14 Análise multivariada dos fatores de risco para infecção por EnR Variável RC IC P valor Aminoglicosídeos* 734,95 6,58 a 82026,97 0,006 Carbapenêmicos* 17,94 1,21 a 264,06 0,035 Cateter urinário 12,75 1,95 a 83,22 0,008 Quinolonas* 11,49 1,99 a 66,19 0,006 NE 8,58 1,13 a 65,21 0,030 Cefalosporina4G* 6,48 0,99 a 42,2 0,050

RC: razão de chances, IC: intervalo de confiança, NE: nutrição enteral, 4G: quarta geração, * uso por 3 dias ou mais.

6 DISCUSSÃO

Nos últimos 30 anos, EnR emergiram como causas importantes de infecções relacionadas aos cuidados com a saúde (Jones et al., 2004; Sader et al., 2004). Na maioria das vezes, a aquisição destas bactérias representa o resultado da pressão seletiva exercida pelo uso de um antimicrobiano, combinado à transmissão cruzada de microrganismos resistentes, usualmente por meio das mãos de profissionais de saúde, mas algumas vezes via objetos inanimados (Wang et al., 1991; Paterson, 2002).

Em conseqüência da aumentada prevalência de infecções por EnR, tornam- se cada vez mais limitadas as opções terapêuticas destas infecções. Recentemente, Kollef e colaboradores demonstraram que o uso de terapia antibiótica empírica inadequada para infecções em pacientes hospitalizados em UCI foi associado com aumento na sua mortalidade. A principal causa da terapia antibiótica empírica inadequada foi a ocorrência de resistência antimicrobiana não esperada (Kollef e Ward, 1998). Sendo assim, estudos para identificar fatores de risco para infecções por bactérias multirresistentes são essenciais para traçar estratégias que objetivem a redução da seleção de microrganismos resistentes e para adequada terapia antimicrobiana empírica (Paterson, 2002).

Vários estudos têm sido realizados com o objetivo de melhorar o entendimento da epidemiologia destas infecções. O desenho de estudo mais freqüentemente utilizado é o caso-controle, porém, com metodologias muito variadas.

Para avaliar potenciais fatores de risco para infecção por EnR, realizamos um estudo do tipo caso-controle pareado. Na elaboração deste estudo, seguimos algumas etapas sugeridas por Paterson (Paterson, 2002).

Para seleção dos pacientes-caso, optamos pela inclusão apenas de pacientes com infecção por EnR definida por parâmetros clínicos, excluindo pacientes com amostras de EnR representando apenas colonização ou infecção assintomática do trato urinário. Não realizamos culturas de vigilância, sendo assim, não seria possível estudar aquisição de EnR (colonização e infecção) pois poderíamos incluir no grupo controle pacientes-caso colonizados por EnR que não foram identificados, conforme já descrito em outros estudos (Harris et al., 2001; Paterson, 2002).

Como discutido por Harris e colaboradores, a seleção do grupo controle de uma amostragem apropriada da população base é fundamental para estudos que avaliam fatores de risco para aquisição de patógenos resistentes a antimicrobianos (Harris et al., 2001). A escolha de pacientes-controle com a forma susceptível do microrganismo pode levar a estimativas errôneas do risco relativo do uso do antimicrobiano em questão como fator de risco para aquisição de resistência. Em um estudo realizado com o objetivo de avaliar o grupo controle mais adequado em estudos de resistência antimicrobiana, foram utilizados dois tipos de pacientes- controle (Harris et al., 2002a). Foram estudados os fatores relacionados à resistência à vancomicina, ampicilina-sulbactam e imipenem entre amostras de Enterococcus

spp, E. coli e P. aeruginosa, respectivamente. O primeiro grupo-controle foi

composto de pacientes com a forma susceptível do microrganismo estudado (controle tipo 1) e o segundo foi composto por pacientes selecionados aleatoriamente da população fonte dos pacientes-caso (controle tipo 2) durante o

período do estudo. Na comparação dos pacientes-caso com pacientes-controle tipo 1 foram encontradas razões de chance (RC) de 27,1; 4,38 e 2,71 e no grupo controle tipo 2 foram encontradas RC de 6, 34; 2,77 e 1,68 para o uso de imipenem entre pacientes com P. aeruginosa, vancomicina entre pacientes com Enterococcus

spp e ampicilina-sulbactam entre pacientes com E. coli resistentes, respectivamente.

Estes resultados ilustram como a seleção dos pacientes-controle de um controle sub-ótimo (tipo 1) pode levar à identificação de fatores de risco falsos ou pode levar a uma estimativa exagerada do valor do uso de certos antibióticos como fatores de risco para aquisição de patógenos resistentes a antimicrobianos (Harris et al., 2002a).

Com o objetivo de selecionar um grupo-controle mais representativo da população base, optamos no presente estudo por incluir pacientes-controle selecionados do mesmo setor dos pacientes-caso correspondente durante o período do estudo.

O período de risco é outro fator importante a ser avaliado neste tipo de estudo. Segundo Paterson, o grupo controle ideal para estudar fatores de risco para aquisição de bactérias resistentes a antibióticos em pacientes hospitalizados compreenderiam os pacientes hospitalizados com o mesmo potencial de exposição dos pacientes-caso correspondentes (Paterson, 2002). Logo, idealmente, os pacientes-controle deveriam estar internados por, pelo menos, o mesmo período de tempo dos pacientes-caso até o isolamento do microrganismo resistente em questão (Harris et al., 2001; Paterson, 2002).

Para tornar os grupos de pacientes-caso e controle mais comparáveis, selecionamos, no presente estudo, o grupo controle de forma pareada, além do setor, com o período de risco do seu paciente-caso correspondente.

Outra variável a ser considerada é a gravidade clínica entre pacientes-caso e controle (Paterson, 2002). Uma das limitações do presente estudo foi a não quantificação da gravidade da doença dos pacientes caso e controle. Porém, na análise das doenças de base entre os grupos de pacientes-caso e controle não encontramos diferença.

No presente estudo, selecionamos 51 pacientes-caso. As infecções mais freqüentes foram as infecções do sítio cirúrgico e do trato urinário. As EnR identificadas com maior freqüência foram: K. pneumoniae, E. coli e E. cloacae, achado semelhante com outros centros.

Os setores predominantes de aquisição das infecções por EnR foram as UCI, onde ocorreram 35,2% dos casos. Estudos recentes têm demonstrado que infecções por EnR são mais prevalentes em pacientes graves, como aqueles internados em UCI (Kim et al., 2003b). Hospitalização em UCI é descrita como fator de risco para aquisição de microrganismos resistentes a antibióticos em outros estudos (Vatopoulos et al., 1996; Harris et al., 2002b; Kim et al., 2003a). Nas UCI estão internados os pacientes críticos, expostos a um maior número de dispositivos e procedimentos invasivos, e conseqüentemente, ocorre maior manipulação pelos profissionais de saúde, acarretando maior risco de aquisição de microrganismos resistentes por meio de transferência horizontal. Além disso, a UCI é o local do hospital onde há maior utilização de antimicrobianos, contribuindo para seleção de resistência antimicrobiana. Como pareamos pacientes-caso e controle por setor de aquisição da infecção, não pudemos avaliar a hospitalização em determinado setor como fator de risco para infecção por EnR.

Outra limitação do presente estudo foi a não determinação do papel da transmissão cruzada de EnR entre os pacientes estudados.

Nas 51 infecções por EnR identificadas observamos 14,2%, 16,3%, 22%, 36,3% e 73,4% de susceptibilidade à piperacilina/tazobactam, sulfametoxazol- trimetroprima, ciprofloxacina, cefepima, e amicacina, respectivamente. Estes resultados são compatíveis com outros centros, demonstrando elevada freqüência de resistência a outras classes de drogas antimicrobianas em bactérias com resistência aos beta-lactâmicos (Paterson et al., 2004).

Na busca dos pacientes-controle foram incluídos 74 pacientes pareados com 44 pacientes-caso. Não encontramos controles com períodos de risco semelhante em 7 pacientes-caso avaliados.

Para análise das variáveis de risco para infecção por EnR foram incluídos 44 pacientes-caso e 74 pacientes-controle. Na análise comparativa não detectamos diferenças quanto às variáveis demográficas e a doença de base entre casos e controles.

No presente estudo encontramos evolução para óbito entre os pacientes- caso (18, 40,9%) com maior freqüência do que nos pacientes-controle (4, 5,4%,

p<0,001). Tal descrição corresponde à mortalidade geral dos pacientes incluídos no

estudo. Não fez parte dos objetivos deste estudo calcular a mortalidade atribuída à infecção. Vários estudos encontraram uma correlação entre a ocorrência de resistência bacteriana e aumento na mortalidade, morbidade e custos em muitas situações (Chow et al., 1991; Kim et al., 2003a; Livermore, 2003). Em um estudo, Kollef e Ward encontraram aumento de duas vezes na mortalidade entre pacientes internados em UCI com pneumonia associada à ventilação mecânica quando estas eram causadas por microrganismos resistentes aos antimicrobianos utilizados empiricamente (Kollef e Ward, 1998).

No presente estudo, a duração da hospitalização entre os pacientes-controle variou de 4 a 87 dias (mediana de 29,5 dias) e entre os pacientes-caso variou de 14 a 148 (mediana de 43,5 dias, p<0,001). Achado semelhante foi encontrado em outros estudos (Schiappa et al., 1996; Lin et al., 2003).

Em relação à epidemiologia das bactérias multirresistentes, claramente o tipo de microrganismo é um fator importante. As bactérias gram negativas possuem uma maior barreira à permeabilidade que as bactérias gram-positivas, além da maior diversidade de enzimas plasmidiais e cromossômicas, com maior potencial para se tornarem resistentes. O intestino humano e a pele são grandes reservatórios destas bactérias, e em ambiente hospitalar, também são importantes a água e alimentos, assim como artigos reutilizáveis (Wang et al., 1991; Gould, 1994). Estes fatores propiciam a transmissão cruzada de microrganismos resistentes. A exposição a antimicrobianos é um dos fatores de risco mais freqüentemente descritos para aquisição de microrganismos multiresistentes em hospitais (Barza et al., 1987; Lucet et al., 1996; Harbarth et al., 2001). Este fenômeno é particularmente observado com o uso de antimicrobianos de amplo espectro, relacionando com a ocorrência de bactérias gram negativas multirresistentes em UTI (Gould, 1994). Vários estudos demonstram que o padrão de susceptibilidade antimicrobiana varia de acordo com a intensidade do uso de um antimicrobiano (Gould, 1994; Friedrich et al., 1999). O uso de uma classe de antimicrobiano pode selecionar resistência para a mesma classe ou para classes distintas de antimicrobianos (Friedrich et al., 1999; Harbarth et al., 2001).

No grupo dos pacientes-caso, foi observado um maior número de antimicrobianos utilizados, variando de 0 a 7 (mediana de 3 antibióticos) e no grupo dos pacientes-controle, esse número variou de 0 a 11 antibióticos (mediana de um

antibiótico, RC 1,5, p:0,001). A duração da antibioticoterapia com uso mínimo de 3 dias, variou de 3 a 82 dias (mediana de 9 dias) no grupo dos pacientes-caso e de 3 a 35 dias (mediana de 8 dias) no grupo dos pacientes-controle (RC 3,2, p:0,003).

Na análise univariada, encontramos o uso de suporte respiratório (cânula de traqueostomia ou tubo orotraqueal associado à ventilação mecânica) e de cateter urinário como fatores de risco para infecção por EnR. Por definição, a intubação orotraqueal e a ventilação mecânica são pré-requisitos para o desenvolvimento de pneumonia associada à ventilação mecânica (Bonten et al., 2004). Em relação à patogênese da pneumonia associada à ventilação mecânica o principal mecanismo está relacionado com a aspiração de secreções orofaríngeas, contendo patógenos, potenciais. Sendo assim, a presença de tubo orotraqueal leva ao acúmulo de secreção subglótica, acarretando microaspirações deste conteúdo para o trato respiratório inferior (Black et al., 2004). Estudos prévios identificaram a exposição ao tubo orotraqueal e à ventilação mecânica, como fatores de risco para aquisição de EnR (Pena et al., 1997; Piroth et al., 1998; Lin et al., 2003). A presença de dispositivos invasivos, associados a manipulações inadequadas, são os principais fatores relacionados à transmissão cruzada de microrganismos resistentes (Pena et al., 1997). A assistência com suporte ventilatório está associada à maior manipulação do paciente pela equipe de saúde.

O processo de colonização ou de infecção por EnR freqüentemente se inicia após o contato com membros da equipe de saúde ou com objetos inanimados (Lin et al., 2003). Procedimentos invasivos e manipulações são difíceis de quantificar. No nosso estudo, nós encontramos a presença dos dispositivos cateter urinário e suporte ventilatório como fatores de risco para infecção por EnR. Talvez tal achado

possa indicar uma manipulação menos cuidadosa destes dispositivos, comparado aos cateteres venosos e arteriais.

Outros estudos encontraram a presença de cateter urinário como um importante fator de risco para aquisição de EnR, o que pode refletir a maior freqüência de manipulação inadequada destes dispositivos (Lucet et al., 1996; Pena et al., 2001). Na análise multivariada, identificamos cateter urinário como fator de risco independente para infecção por EnR. Isto pode ser justificado pelas questões discutidas acima ou pela maior freqüência de pacientes com infecção do trato urinário incluídos neste estudo.

Outra variável encontrada neste estudo como fator de risco independente para infecção por EnR foi a nutrição enteral. A dieta enteral tem sido considerada um fator de risco para pneumonia associada à ventilação mecânica, principalmente por causa do risco aumentado de aspiração do conteúdo de secreções orofaríngeas para o trato respiratório inferior (Bonten et al., 2004).

A nutrição enteral contínua tem sido relacionada com o aumento no pH gástrico, com subseqüente estímulo à colonização gástrica e possivelmente orofaríngea (Bonten et al., 1996b). A colonização orofaríngea por bastonetes gram negativos é um fator de risco para pneumonia associada à ventilação mecânica (Bonten et al., 1996a; Garrouste-Orgeas et al., 1997; Cardenosa Cendrero et al., 1999). A administração da dieta enteral está associada também a uma maior manipulação do paciente pela equipe de assistência, propiciando maior risco de aquisição de EnR por transmissão cruzada.

Além dos fatores relacionados com a maior manipulação do paciente e com o risco de aquisição de EnR por transmissão cruzada, a pressão seletiva para seleção de bactérias resistentes é um dos fatores de risco para infecção por EnR

mais freqüentemente descritos. No presente estudo, encontramos o uso de quinolonas, aminoglicosídeos e carbapenêmicos por período igual ou superior a 3 dias como fatores de risco independentes para infecção por EnR. Os antimicrobianos mais freqüentemente relacionados à aquisição de EnR em outros estudos são as cefalosporinas de terceira geração (Asensio et al., 2000; Kaye et al., 2001; Kim et al., 2002; Lin et al., 2003). Porém o uso destes antimicrobianos não foi encontrado como fator de risco para infecção por EnR no nosso estudo, o que pode ser explicado pela política de restrição do uso de cefalosporinas de terceira geração aplicada no hospital durante o período do estudo. Outra causa possível foi o pequeno tamanho amostral, impedindo a identificação de uma diferença significante entre os grupos (apenas três pacientes incluídos no estudo utilizaram cefalosporinas de terceira geração).

Identificamos ainda uma taxa elevada de resistência às quinolonas entre as amostras de EnR estudadas. Os principais mecanismos de resistência bacteriana às quinolonas são: alterações nas enzimas alvo (DNA girase e topoisomerase IV) e alterações no acúmulo intracelular da droga, ambas resultantes de mutação cromossômica (Hooper, 2000). Entretanto, recentemente, foi encontrado em amostras clínicas de K. pneumoniae no Alabama, EUA, e posteriormente na China, resistência às quinolonas mediada por plasmídeo, em amostras produtoras de ESBL (Martinez-Martinez et al., 1998; Wang et al., 2003). A associação da resistência às quinolonas e cefalosporinas de terceira geração em enterobactérias tem sido descrita em outros estudos (Paterson et al., 2000). No presente estudo, encontramos o uso de quinolonas como fator de risco independente para infecção por EnR. Este achado pode estar relacionado com o uso intenso do antibiótico e condições que favorecem a transferência de microrganismos resistentes entre pacientes. Vários

estudos têm demonstrado que o uso de múltiplos antibióticos pode estar associado com mudanças na susceptibilidade de bactérias a antimicrobianos de classes diferentes daquela à qual eles foram expostos (Goldstein et al., 1986; Friedrich et al., 1999). Uma outra possível explicação é que a resistência às quinolonas seja mediada pelo mesmo palsmídeo que determina a produção de ESBL pela enterobactéria.

A identificação do uso de aminoglicosídeos como fator de risco para infecção por EnR pode estar associada à presença do gene responsável para essa resistência no mesmo plasmídeo que codifica a produção de ESBL, como já foi descrito em estudos prévios (Jacoby e Archer, 1991). Os plasmídeos que codificam ESBL freqüentemente carreiam determinantes de resistência a outras classes de antimicrobianos, particularmente os aminoglicosídeos (Tavares, 2002; Paterson et al., 2004).

Os carbapenêmicos também foram identificados como fatores de risco para infecção por EnR no presente estudo. A associação da exposição a antimicrobianos de amplo espectro com o isolamento de EnR sugere um papel destes medicamentos na indução ou desrepressão de genes de resistência ou seleção de microrganismos (Friedrich et al., 1999).

Acreditamos que uma vez que EnR já esteja estabelecida no ambiente hospitalar, o uso de qualquer antimicrobiano, especialmente os de amplo espectro, possa contribuir para sua manutenção neste ambiente. A política de uso de antimicrobianos deve ter como fundamento o uso racional de antimicrobianos de todas as classes, especialmente aquelas que incluem drogas de amplo espectro, no ambiente comunitário e hospitalar.

Melhores práticas de higienização das mãos, medidas de barreira e manipulação adequada de dispositivos invasivos como medidas de prevenção de transmissão cruzada de microrganismos resistentes devem ser estimuladas, assim como a retirada o mais precocemente possível dos dispositivos invasivos.

7 CONCLUSÕES

O uso dos antimicrobianos quinolonas, aminoglicosídeos e carbapenêmicos por tempo igual ou superior a três dias e o uso de nutrição enteral, foram encontrados como fatores de risco independentes para infecção por EnR. Na distribuição por setores das infecções por EnR, encontramos uma

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