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2.3.4 – Comparação entre duas dobras-falhas e a transição entre estas estruturas

Neste item será feito, inicialmente, uma síntese das diferenças e semelhanças entre os dois modelos de dobras-falhas previamente descritos, conforme discutidos pelos principais autores envolvidos no assunto. A seguir, apresentam-se informações sobre a transição entre FPFs e FBFs. É importante ressaltar que todos os modelos de dobras-falhas se fundamentam no pressuposto da deformação plana, portanto não ocorre entrada ou saída de material na área do perfil, e, a maioria dos modelos é área e linha-balanceada.

A princípio, existem duas grandes diferenças entre as FBFs e as FPFs ‘ideais’. A primeira diz respeito às falhas associadas às dobras: as FPFs são geradas durante a propagação das falhas, enquanto que as FBFs se formam sobre falhas preexistentes. O fato acarreta que, na primeira, o rejeito da falha é todo acomodado no interior da estrutura ao contrário do que acontece nas FBFs.

Já, a segunda diferença é relacionada com os modelos geométricos/cinemáticos empregados para a descrição destas estruturas. As FBFs e as FPFs podem ser explicadas pelo modelo do dobramento kink, no qual prevê que a geometria da dobra é controlada pelo ângulo de mergulho da falha (Suppe 1983). A figura 2.60 apresenta um gráfico de Suppe (1983) que mostra as diferenças entre as dobras paralelas do tipo FBFs e FPFs. Fundamenta-se nos princípios básicos para a construção de uma FBF, relativa às relações angulares entre θ e 2γ* (os ângulos: de mergulho da rampa e interflanquial, interno, da dobra) e à constância de comprimento e espessura das camadas. O gráfico baseia-se em relações trigonométricas e revela que as FPFs podem se formar com ângulos de mergulho da rampa mais elevados do que as FBFs (de θ até 60° e até 30°, respectivamente) e que, para cada ângulo θ, as FPFs só apresentam um único ângulo interflanquial interno (2γ*) [e externo (2γ)] possível (ao contrário dos FBFs, que podem apresentar dois ângulos, 2γ, vide figura 2.60). O ângulo interflanquial 2γ* é normalmente fechado para as FPFs e aberto para as FBFs.

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Figura 2.60- Gráfico que mostra as diferenças entre as FPFs e as FBFs a partir da relação entre o ângulo θ

(ângulo de mergulho da rampa) e metade do ângulo interflanquial, γ e γ*. Assim, para θ = 30°, a FPF tem γ* = 37° e γ = 52° e a FBF pode ter γ = 52° ou γ = 67° (modificado de Suppe 1985, p. 353).

Para a formação das FBFs e das FPFs assume-se, em geral, um pacote estratigráfico homogêneo e competente. Segundo Mitra (1990), as FBFs são constituídas por unidades competentes espessas que podem, no entanto, estar intercaladas por horizontes relativamente finos, agindo como descolamentos, propiciando, assim, o deslocamento da dobra para fora da estrutura (ao contrário do que acontece nas FBFs, nas quais o encurtamento é todo consumido no interior da dobra). De acordo com Suppe & Medwedeff (1990), a propagação da falha, nas FBFs, pode cessar a qualquer momento dependendo das propriedades mecânicas do litotipo encontrado pela falha na sua extremidade superior (no tip line). Por outro lado, se a falha encontrar uma camada incompetente, ao invés da propagação ser interrompida, o deslocamento pode continuar ao longo desta, formando uma FPF transladada.

O mecanismo de dobramento das FBFs e das FPFs é um assunto complexo. Os estudos mais antigos (por exemplo, Suppe 1985 e Suppe & Medwedeff 1984) sugerem um mecanismo de deslizamento flexural enquanto os mais recentes (por exemplo, Mitra 1990, Mosar & Suppe 1992 e Suppe et al. 2004) advogam um processo do tipo layer-parallel simple shear. Significativa é a colocação de Suppe et al. (2004), que relataram e ilustraram a ideia de muitos autores para as FBFs. Segundo Suppe et al. (2004), sempre existiu a ‘intuição’ de que o bloco do teto do empurrão, ao se deslocar sobre o bloco do muro, sofre uma deformação interna, substancial. Esta ideia estaria

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representada na figura de Elliot (1976) (Fig. 2.61) que mostra, no bloco do teto, uma significativa deformação do tipo layer-parallel simple shear, no qual o layer-parallel shortening e o espessamento (pure shear) são desprezíveis. Percebe-se que, o deslocamento de entrada do bloco do teto, na base (7 unidades), é superado por aquele da saída (11 unidades).

Figura 2.61- Figura esquemática representando a deformação por layer-parallel simple shear, de uma FBF

como sugerido por Elliot (1976) (imagem de Suppe et al. 2004, p. 304).

Mitra (1990) mostra que, apesar de todas as descrições e formulações analíticas já efetuadas,

é comumente difícil interpretar corretamente o tipo de dobra-falha, quando estas ocorrem em subsuperfície e, portanto, quando as informações são escassas. Na figura 2.62, por exemplo, o autor apresenta as possíveis interpretações para uma região cuja informação de campo se restringe à superfície da dobra (ângulo do backlimb e do forelimb).

Considerando que a profundidade de descolamento para as FBFs é definida a partir da posição do descolamento no patamar superior, é possível definir duas soluções geométricas distintas a depender do rejeito máximo e mínimo (Figs. 2.62B e C). Se a interpretação for baseada nos princípios de Mitra & Namson (1989), no qual a intercessão das superfícies axiais determina o ponto de maior elevação do descolamento, a FBF ganha uma terceira solução (Fig. 2.62D). A FPF é definida somente se o estudo considerar que a profundidade máxima do descolamento não coincide com o rejeito, isto é, a falha associa-se a menores taxas de encurtamento (Fig. 2.62E).

Vários autores (por exemplo, Jamison 1987, Mitra 1990, Mercier et al. 1997 e Tavani & Storti 2006) discutiram o fato de que é possível as FBFs passarem a FBFs, quando transportadas sobre um novo segmento de falha.

Jamison (1987) descreveu as modificações geométricas das FBFs decorrentes da formação de

um segundo segmento horizontal (patamar) da falha, tornando a estrutura parecida com uma FBF (Mode II). O transporte da FPF sobre o patamar modifica a parte interna da dobra, isto é, a da superfície (traço) que não havia tocada a terminação da rampa ainda. Esta dobra sofre mudanças no

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ângulo interflanquial, que será sempre maior do que o ângulo original (da dobra ‘residual’), e na espessura do forelimb, que pode tanto crescer quanto diminuir (Fig. 2.63).

Os gráficos da figura 2.63 apresentam as modificações relativas ao transporte da parte interna da dobra sobre o segundo patamar. O primeiro, exibe a variação do ângulo interflanquial desta dobra (2γ1*) (Fig. 2.63A), e o segundo, a mudança da espessura relativa do forelimb (em porcentagem) (Fig. 2.63B), ambos em dependência do ângulo interflanquial antes do transporte (2γ0*) e do ângulo do

cutoff (θ = β = 20°).

Figura 2.62- Diferentes interpretações geométricas e cinemáticas baseadas na superfície da dobra (ângulos do

backlimb e forelimb): (A) aspecto geral da superfície dobrada; (B) e (C) FBFs com rejeito máximo e mínimo, respectivamente; (D) FBF baseado nos princípios de Mitra & Namson (1989); (E) FPF (imagens de Mitra 1990, p.938).

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Figura 2.63- Efeitos geométricos causados pelo transporte das FBFs. (A) Gráfico para a determinação das

variações no ângulo interflanquial da dobra interna (2γ1*) (que será sempre maior) e (B) Gráfico para a determinação das modificações da espessura do forelimb. A primeira figura da FPF indica a situação antes do transporte da dobra sobre o segundo patamar enquanto a segunda, mostra uma FPF transportada, na qual a dobra interna teve seu ângulo aumentado (de 56° para 72°) e um espessamento de 15% de seu forelimb. As linhas vermelhas, nos gráficos, indicam as situações dos parâmetros indicados nas figuras. A última figura apresenta uma FBF (Mode II) com ângulo de mergulho da rampa de 20°, para efeito de comparação com a FPF transportada, de cima (modificado de Jamison 1987, p. 211).

Os gráficos da figura 2.64 mostram as semelhanças geométricas entre as FBFs transportadas e as FBFs, de acordo com Jamison (1987).

Mitra (1990) também percebeu que a contínua propagação das falhas impulsiona o transporte

das FBFs, alterando, deste modo, sua geometria. Tal processo ocorre através de falhas com trajetória em degrau (Fig. 2.65A) ou por breakthrust (Fig. 2.65B). Neste último caso, o transporte dá-se de três formas, sendo que para dobras abertas não há deformação, enquanto que para dobras fechadas, tal processo associa-se a rampas formadas sobre o plano axial da sinforme ou na região do forelimb da antiforme, gerando um backlimb adicional.

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Figura 2.64- Comparação dos gráficos que relacionam o ângulo interflanquial da dobra (2γ) com o ângulo da

rampa (θ), para diversas porcentagens de espessamento e afinamento do forelimb, para FPFs transportadas e FBFs. Notar que os dois gráficos são muito parecidos, no entanto as FBFs transportadas são restritas ao domínio do Mode II das FBFs (modificado de Jamison 1987, p. 212).

Figura 2.65- Diferentes tipos de transportes de FPFs: (A) associado à falha com trajetória em degrau; (B)

breakthrusts. Em (A), a FPF transportada adquire geometria similar á FBF Mode II (Suppe 1983 e Jamison 1987). Em (B) o transporte de dobras abertas ocorre sem deformação quando novas rampas seguem a mesma direção (C1), já o transporte de dobras fechadas, através de novas rampas formadas sobre o plano axial da sinclinal (C2) ou na região do forelimb da anticlinal (C3) envolvem alteração na forma da estrutura (modificado de Mitra 1990, p. 230 e 235).

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Tavani & Storti (2006) apresentaram um estudo no qual descrevem como distinguir FBFs

transportadas de FBFs, empregando o modelo geométrico/cinemático das FPFs desenvolvido por Tavani et al. (2006) (item 2.3.3). Os autores demonstraram, a partir de formulações analíticas e gráficas que, se a taxa de S/P (rejeito/propagação) na FPF transportada for elevada, a geometria da dobra se assemelha àquela da FBF (Fig. 2.66).

Figura 2.66- A deformação progressiva de uma FBF e uma FPF transportada, este, segundo o modelo

cinemático/geométrico de Tavani et al. (2006). Observar as geometrias similares ao final da deformação (reproduzido de Tavani & Storti 2006, p. 273).

Dixon & Liu (1992) e

Storti et al.

(1997) simularam a formação de dobras/falhas em

modelos analógicos homogêneos, sem variação importante de competência entre camadas, em uma centrífuga e em caixas de areia, respectivamente. Concluíram que os mecanismos relacionados à formação destas estruturas mudam com o tempo. Ambos os estudos mostraram que a deformação se

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inicia com a geração de uma DF que passa para uma FPF, e, ao final, a uma FBF (vide item 3). Existem algumas descrições de estudos de caso sobre a transição entre diferentes tipos de dobras- falhas, por exemplo, as de McNaught & Mitra (1993) e Bulness & Allner (2002).

Bulness & Allner (2002) descreveram um estudo de caso na porção externa da Cordilheira

Variscana, noroeste da Península Ibérica. Definiram alguns fatores que influenciam a transição entre as dobras-falhas, sendo eles: a espessura e competência relativa dos litotipos, a ocorrência de uma ou mais zonas de cisalhamento dúcteis, a geometria de possíveis estruturas preexistentes, além da velocidade e magnitude da deformação. Concluíram que o dobramento desta região associa-se, inicialmente, à formação de FPFs (caracterizada pelo espessamento do backlimb) que, com a contínua propagação das falhas, transformam-se em FBFs. Nas FBFs formadas sob unidades exclusivamente incompetentes, o imbricamento das falhas provoca o afinamento do forelimb, o que favorece a geração de estruturas do tipo breakthrough.

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CAPÍTULO 3