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Suppe (1983, 1985) foi o primeiro a estabelecer as características geométricas das FBFs ao

perceber haver uma relação entre a morfologia da dobra e a da falha. O autor mostrou que se a espessura das camadas permanece constante, a forma da dobra, isto é, o ângulo interflanquial, pode ser determinado pelo ângulo de mergulho da rampa. Portanto, a morfologia da dobra seria dependente da geometria da falha.

A figura 2.25 apresenta o modelo kink de Suppe (1983), cuja geometria se baseia em dobras de flancos retos e charneiras angulares, o que, no entanto, constitui uma simplificação. A principal característica do modelo é a migração lateral de superfícies axiais (Sa), sendo, por isso, também conhecido como kink band migration model ou active-hinge folding. O estágio inicial caracteriza-se pelo surgimento de duas bandas kink nas terminações da rampa da falha, no bloco do teto (Fig. 2.25B). À medida que o bloco do teto se movimenta, o deslocamento das superfícies axiais móveis (A’ e B’) induz o crescimento da banda kink (em largura) e, consequentemente, o desenvolvimento da anticlinal (Fig. 2.25C). O crescimento da amplitude da dobra cessa quando a Sa B’ intercepta o bend superior e torna-se fixo. Porém se os esforços compressivos ainda forem atuantes, o movimento do bloco do teto promove a migração das superfícies axiais A e A’ (ambas ativas neste estágio), permitindo então o crescimento do comprimento de onda.

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Figura 2.25- O modelo kink, de Suppe (1983), aplicado ao estudo cinemático e geométrico das fault-bend folds,

segundo os critérios de balanceamento de área e comprimento: (A) geometria da falha com trajetória em degrau; bend é o termo usado pelo autor para o local de qualquer modificação no ângulo de mergulho da falha; (B) desenvolvimento das bandas kink e início do dobramento; (C) crescimento das bandas kink e da amplitude da antiforme. Durante os estágios iniciais e intermediários, as superfícies axiais B e A são fixas e localizam-se na extremidade da rampa, enquanto que B’ e A’ são móveis e responsáveis pelo desenvolvimento das bandas kinks (modificado de Brandes & Tanner 2014, p.360). Observar as regiões em cinza que indicam o balanceamento de áreas, isto é, Ao = A1 + A2.

Os gráficos da figura 2.26 apresentam a relação entre o ângulo de mergulho da rampa (θ) e a forma da dobra, isto é, neste caso, a metade do ângulo interflanquial (2γ) do FBF. A geometria da FBF pode ser analisada a partir da variação de mais dois parâmetros: o ângulo cutoff do acamamento com o patamar superior (β) e o ângulo rampa-patamar superior (Φ) da falha (quando o segundo patamar for horizontal, o ângulo Φ será igual a θ).

O valor do ângulo cutoff do acamamento com o patamar superior (β) é função dos ângulos θ e Φ. Os valores destes ângulos podem ser positivos ou negativos, o que irá definir se a dobra é do tipo antiformal ou sinformal.

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Figura 2.26- Gráficos que relacionam o ângulo interflanquial (2γ) ao ângulo de mergulho da rampa (θ) para a

determinadas magnitudes do ângulo cutoff, β (ângulo acamamento-patamar superior), e do ângulo Φ (ângulo rampa-patamar superior). Em (A) os valores angulares de β e Φ são positivos determinando antiformes, comumente geradas sob regimes compressivos. Em (B) os ângulos β e θ são negativos, definindo sinformes desenvolvidas sob regimes distensivos. Os gráficos se baseiam nas relações angulares apresentados do lado inferior direito da figura (reproduzido de Suppe 1983, p.690 e 694).

Jamison (1987) modificou as rígidas relações geométricas previstas por Suppe & Medwedeff (1984) e Suppe (1983, 1985) ao observar que dobras-falhas (FBFs, FPFs e DFs) cujas camadas, em escala regional, mantêm espessuras constantes, podem localmente sofrer afinamento ou espessamento no forelimb das dobras. Para o autor, o fato pode ocorrer em função da presença de pequenas falhas imbricadas, dobras menores ou fluxo dúctil das camadas. Na relação entre o ângulo interflanquial interno da dobra (2γ) e o ângulo de mergulho da rampa (θ), o autor inclui a mudança de espessura do

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forelimb (na forma de tf/t = espessura final sobre espessura inicial). A variação da espessura, do modelo de Jamison (1987), será mais tarde criticada pelo fato de demandar uma mudança instantânea, não progressiva, isto é, que permanece igual durante todo o restante do processo de dobramento.

Para quantificar a variação da espessura do forelimb, mas sem entrar na problemática da cinemática das FBFs, Jamison (1987) apresenta cálculos trigonométricos e gráficos. A figura 2.27A apresenta um dos gráficos, no qual o autor relaciona o ângulo interflanquial (2γ) ao ângulo de mergulho da rampa (θ) para a determinadas magnitudes de espessamento e afinamento (em porcentagem) do forelimb da dobra. De acordo com a variação do ângulo interflanquial (2γ), o autor apresenta as FBFs como Mode I (ângulos 2γ elevados) ou II (ângulos 2γ menores que 90°), em conformidade com a classificação de Suppe (1983) (Figs. 2.26 e 2.27B e C).

Figura 2.27- (A) Gráfico que relaciona o ângulo interflanquial (2γ) ao ângulo de mergulho da rampa (θ) para

determinadas magnitudes de espessamento e afinamento (em porcentagem) do forelimb da dobra. A curva vermelha indica a situação do forelimb de espessura constante. (B) Gráfico igual ao apresentado em (A), com a delimitação das áreas nas quais se definem as FBFs do tipo Mode I e II. (C) Esquemas apresentando as FBFs do tipo Mode I e II (modificado de Jamison 1987, p.210).

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Medwedeff & Suppe (1997) mostraram como dois ou mais bends (quebras no mergulho do

plano da rampa) produzem dobras de geometria complexa. Para estas estruturas, que sofrem o mesmo mecanismo de dobramento que as FBFs simples, de migração lateral de superfícies axiais (Sa) (o kink

band migration model), os autores criaram o termo multibend folds. A complexidade das estruturas

estaria relacionada à formação de novas superfícies axiais e ao desmembramento de outras, previamente existentes.

A figura 2.28 compara uma FBF simples, com um único bend, na rampa, com as multibend

folds de Medwedeff & Suppe (1997). A primeira geração de kink bands é resultante do deslocamento

inicial das superfícies axiais móveis. Quando a Sa1m passa pelo bend 2, novas bandas kinks se formam,

dando início a fase denominada second generation kink bands, caracterizada pela passagem do cutoff 1 sobre o bend 2. Neste caso as relações angulares usadas nos cálculos geométricos de Suppe (1983 e 1985) são substituídas pelas novas condições impostas (β2, θ2 e ɸ2).

Para falhas associadas a três bends, o dobramento é dividido em cinco estágios (Fig. 2.28C): a fase inicial corresponde a primeira geração de kink bands, no qual o deslocamento das superfícies axiais móveis promovem o crescimento da anticlinal; o segundo estágio é marcado pela passagem do

cutoff 2 sobre o terceiro bend, enquanto que o terceiro e o quarto caracterizam-se, respectivamente,

pela passagem do cutoff 1 sobre o bend 2 e 3. Estas três últimas fases associam-se a geração de novas superfícies axiais que, ao se movimentarem, modificam a geometria da estrutura. Posteriormente há apenas o crescimento das bandas kink, associada ao aumento do comprimento de onda, sendo que a amplitude da dobra mantém-se constante.

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Figura 2.28- Esquemas comparando a FBF simples, de um único bend, originalmente proposto por Suppe

(1983) com as multibend folds de Medwedeff & Suppe (1997). Em (A) dobras com um bend; em (B) com dois bends, e em (C) com três bends, com rampa levemente côncava para cima. Legenda: Sa - superfície axial; Saf - superfície axial fixa; Sam - superfície axial móvel; os respectivos números que acompanham tal simbologia indicam o bend associado (modificado de Medwedeff & Suppe 1997, p. 280, 283 e 287).

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Salvini & Storti (2001) estudaram a distribuição da deformação no interior de FBFs

(Fig.2.30) e FPFs (ver tópico 2.3.2). Assumiram a cinemática do kink band migration model, de Suppe (1983), admitindo que, em ambas as dobras-falhas, a deformação se concentraria nos flancos e não na zona de charneira como advogado no fixed-hinge model de De Sitter (1956). Regiões com deformação distribuída e homogênea, que sofreram a mesma história evolutiva durante o dobramento paralelo (de espessura constante), foram denominadas pelos autores como deformation panels. Estes panels, que se caracterizariam por intensidade aproximadamente constante, cresceriam durante a deformação progressiva (Fig. 2.29). Os autores concluíram que existe uma correspondência entre a geometria da falha, o deslocamento, cinemática e morfologia do dobramento e o número e a geometria dos

deformation panels.

Na figura 2.29, que mostra a evolução dos deformation panels em uma FBF, nota-se que a zona da charneira, indeformada (a região entre B’ e A), só é afetada quando o deslocamento da falha permite que a superfície axial B’ intercepte o limite superior da rampa. Somente, a partir deste momento a zona da charneira sofre deformação, o que se percebe pela produção de um novo

deformation panel, delimitada por B’’ e B’(Fig. 2.29E).

Este estudo revelou-se especialmente importante para as pesquisas em hidrocarbonetos, em ambientes dominados por deformações rúpteis. Pois, possibilita a previsão das regiões mais propícias à formação de fraturas, relacionáveis à permeabilidade de reservatórios de carbonatos, no caso, as regiões dos flancos de FBFs (e FPFs).

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Figura 2.29- Evolução da FBF, formada por active-hinge folding, com destaque aos deformation panels (em

tons de cinza a preto): (A) antes do dobramento; (B) estágio inicial de dobramento; (C) e (D) estágios intermediários; (E) estágio final. Observar que os flancos (em cinza e em preto) estão sempre deformados enquanto a zona da crista (em branco) só se se deforma depois que a superfície axial B’’ se forma (imagens de Salvini & Storti 2001, p. 28).

O modelo de Suppe et al. (2004) para as FBFs difere do ‘modelo clássico’, do kink band

migration model (Suppe 1983), por considerar um mecanismo de deformação do tipo cisalhamento

simples ao invés do deslizamento flexural. Foi denominado de shear fault-bend folding model. Segundo os autores, no shear fault-bend folding a deformação é distribuída ao longo de uma camada de descolamento basal, fraca, de espessura finita. Pode ocorrer de duas formas:

a. por simple-shear fault-bend folding (Fig. 2.30B), na qual as camadas sofrem um bedding-

parallel simple shear, por esforços externos. Neste caso, o deslocamento na base é zero (a

deformação é do tipo flexure shear) como se, nesta posição, não existisse uma falha.

b. por pure-shear fault-bend folding (Fig. 2.30C), neste caso a camada basal dúctil desliza inteira sobre a falha basal e, em consequência, encurta e espessa acima da rampa. O dobramento das camadas ocorre quando os esforços externos superarem a tensão cisalhante

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acumulada, provocando o deslocamento de todo pacote estratigráfico, sem envolver bedding-

parallel simple shear.

Figura 2.30- Esquemas comparando os modelos de Suppe (1983) e Suppe et al. (2004). (A) O kink band

migration model (modelo clássico); (B) o simple-shear fault-bend folding model e (C) o pure-shear fault-bend folding. Nos dois shear fault-bend folds, a deformação se concentrou na camada basal, dúctil. Observar que as estruturas podem ser diferenciadas pela geometria dos sedimentos sin-tectônicos, que em (A) é homogênea e obedece a direção e forma da rampa, enquanto que em (B) e (C) adquire um padrão em leque, associado à rotação dos flancos (modificado de Suppe et al. 2004, p.305).

De acordo com os autores, uma sedimentação sin-tectônica permite distinguir entre o kink

band migration model e o shear fault-bend folding model, uma vez que a rotação do backlimb seria

mais uma característica do shear fault-bend fold (Fig. 2.30) e estaria refletida na geometria dos estratos.

Entre outros, os autores ainda analisaram os dois mecanismos de dobramento, o kink band

migration model e o shear fault-bend folding, para o caso de rampas curvilíneas. Além disto,

estudaram a situação de uma deformação heterogênea associada ao shear fault-bend folding.

O primeiro caso, do kink band migration model (Fig. 2.31A), requer, como em todo modelo deste tipo, o progressivo alargamento do kink-band a-a’, no qual as camadas encontram-se paralelas à rampa. O simple-shear fault-bend folding, no entanto, não produz sobre rampas curvas, kink bands, e as camadas do backlimb se caracterizam por mergulhos diferentes daquela da rampa (Fig. 2.31B). No

pure-shear fault-bend folding acontece o mesmo, e, na situação destacada pelos autores, de uma

espessura elevada da zona de cisalhamento (Fig. 2.31C), ocorre a diminuição tanto da diferença entre os mergulhos de backlimb e rampa quanto da amplitude da dobra.

É interessante notar que, no caso da situação de uma deformação heterogênea associado ao

shear fault-bend folding (Fig. 2.32), magnitudes crescentes de deformação, aumentam o ângulo de

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Figura 2.31- Diferentes mecanismos de dobramento das FBFs: (A) migrating hinge; (B) simple-shear fault-bend

folding; (C) pure-shear fault-bend folding (imagens de Suppe et al. 2004, p.312).

Figura 2.32- Simple-shear fault-bend fold associado à deformação homogênea (imagem de Suppe et al. 2004, p.

312). Observar que o ângulo de mergulho das camadas no backlimb aumenta, mas no forelimb o mesmo diminui.

Um ano depois, Tavani et al. (2005) criaram um modelo para FBFs curvilíneas como alternativa para o estilo kink (Fig. 2.34). Neste modelo, mais uma vez, os autores assumem conservação de área e linhas e dobramento por deslizamento flexural (conforme Suppe 1983), o que significa que a geometria da falha e a magnitude do encurtamento controlam a morfologia da dobra.

Tavani et al. (2005) ressaltam que a geometria de dobras estilo kink e curvilíneas é muito parecida (Fig. 2.33A), mas que a trajetória cinemática de partículas é diferente (Fig.2.33B). Conforme mostra a figura 2.33C, a presença de um traço axial (entre dois kink band adjacentes) impõe, na deformação progressiva, do dobramento no estilo kink, uma transição instantânea do estado indeformado para o deformado, de camadas mergulhantes. Resultam dois segmentos da dobra, planos, decorrentes da trajetória reta das partículas. Enquanto isso, no modelo proposto pelos autores, a mudança de mergulho é gradual em função de um movimento curvilinear das partículas (Fig. 2.33B), surgindo uma zona de charneira curva.

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O movimento curvilinear das partículas nas FBFs tem duas consequências: (i) uma distribuição heterogênea do deslizamento entre camadas, no sentido vertical, que é homogênea no caso do dobramento no estilo kink (Figs. 2.33C e 2.34); e (ii) diferentes características geométricas dos estratos sintectônicos, sobrepostos, quando estes se formam durante o dobramento. O estilo kink gera

panels de mergulho dos estratos sintectônicos, uniformes e paralelos àqueles da dobra, enquanto nas

FBFs curvilíneas, a configuração geral dos estratos é curva e há uma variação na forma de cada estrato (Fig. 2.33D). É importante destacar que o deslizamento flexural associado ás FBFs curvilíneas pode provocar modificações no foreland, como o encurtamento dos estratos ou a geração de estruturas como retroempurrões e dobras desarmônicas (Fig. 2.35).

Figura 2.33- Esquemas apresentando as diferenças fundamentais entre FBFs de estilo kink e curvilíneas: (A)

geometria das estruturas; (B) a trajetória das partículas, reta e curva, que reflete a cinemática do dobramento; (C) a distribuição final do layer-parallel slip, instantâneo e gradual; (D) a geometria dos estratos sintectônicos, igual a da dobra e diferente (reproduzido de Tavani et al. 2005, p.5). Os tons de cinza caracterizam o grau de intensidade da deformação, do maior (cinza escuro) para o menor (cinza claro).

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Figura 2.34- Comparação quanto à distribuição da deformação entre FBFs de estilo kink e curvilíneas: (A)

estágio inicial de dobramento; (B) estágio final de dobramento (modificado de Tavani et al. 2005, p. 15). Os tons de cinza caracterizam o grau de intensidade da deformação, do maior (cinza escuro) para o menor (cinza claro).

Figura 2.35- Modificações no foreland das FBFs curvilíneas provocadas pelo deslizamento flexural

(reproduzido de Tavani et al. 2005, p.15).

Para a produção gráfica e analítica de FBFs curvilíneas, sobre falhas com trajetória em degrau, os autores sugerem uma complexa segmentação da dobra em setores nos quais o transporte dos estratos pode ser compreendido através de vetores de velocidades. Estes são de dois tipos: translacional, com vetores retos e paralelos ao traço de falha, ou rototranslacional, com vetores de trajetória circular. A figura 2.36A apresenta, de forma simplificada, a deformação progressiva destes setores para os FBFs curvilíneos e a figura 2.36B, a respectiva evolução geométrica dos estratos sintectônicos.

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Figura 2.36- Esquemas apresentando de forma simplificada (A) um modelo de deformação progressiva dos

setores translacional e rototranslacional de uma FBF curvilínea; e (B) a evolução do respectivo padrão geométrico dos sedimentos sintectônicos (modificado de Tavani et al. 2005, p. 10 e 12).