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Comparando o Suposto Log-normal e o Suposto Kakwani

5 Efeitos do Crescimento e da Desigualdade na Pobreza

5.3 Comparando o Suposto Log-normal e o Suposto Kakwani

Conforme abordado no capítulo metodológico, a suposição de padrões distintos de mudança na curva de Lorenz implica que as expressões das elasticidades-desigualdade sob o Suposto Log-normal difiram das expressões derivadas a partir do Suposto Kakwani. Multiplicando a expressão geral da elasticidade em relação ao desvio padrão dos logaritmos dos rendimentos apresentada em (2.6.4) pela relação (2.6.7), segue-se a elasticidade em relação ao índice de Gini da classe de medidas de FGT com α >1 sob o Suposto Log-normal:

[

]

(

)[

( 2) 2 ( 1) ( )

]

0 2 2 ) ( ) 1 ( ) ( = − ϕ α − − ϕ α − +ϕ α > β φ α ϕ β α α α ϕ ε G G para α >1

sendo φ a função de densidade de probabilidade da distribuição normal reduzida. Esta expressão é positiva pois α , β , )ϕ(α , G e φ

(

β 2

)

são sempre positivos e, de acordo com (5.1.4), o termo entre colchetes também é positivo. Sob o suposto Log-normal, reduções no índice de Gini (renda média permanecendo constante) sempre determinam reduções nas medidas de pobreza de FGT com α >1.

Lembrando a expressão (2.3.10), a elasticidade em relação ao índice de Gini da classe de medidas de FGT com α >0 sob o Suposto Kakwani é:

( )

[

]

[

( )

]

(( ))

α ϕ α ϕ µ α µ α ϕ ε α ϕ ε = + −1 z G

O segundo termo desta expressão é sempre positivo e, recorrendo a (5.1.5), podemos afirmar que o primeiro termo é negativo. Portanto, para satisfazer o requisito de que reduções na medida de desigualdade conduzam a reduções na medida de pobreza, a magnitude do segundo termo da expressão deve superar o valor absoluto do primeiro.

Substituindo

[

]

[

( 1) ( )

]

) ( ) ( ϕ α ϕ α α ϕ α µ α ϕ ε =− − − na expressão anterior:

( )

[

]

(( ))

α α ϕ α ϕ µ α α ϕ ε ⎟ − + ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ − = 1 z z G

o que implica que o sinal da expressão da elasticidade em relação ao índice de Gini das medidas de FGT com α >0 sob o Suposto Kakwani será sempre positivo se µ ≥ z, isto é, a condição suficiente para que reduções no índice de Gini (renda média permanecendo constante) sempre determinem reduções na medida de pobreza é que o valor da linha de pobreza não seja superior ao rendimento médio. Em contraposição à elasticidade em relação ao índice de Gini derivada a partir do Suposto Log-normal, que é sempre positiva, a elasticidade em relação ao índice de Gini sob o Suposto Kakwani pode assumir valores negativos para rendimentos médios inferiores à linha de pobreza.

A distinção nas expressões e nas condições de não negatividade da elasticidade- desigualdade deixa claro que os efeitos das mudanças na desigualdade sobre a medida de pobreza dependem do padrão de mudança na curva de Lorenz adotado – Suposto Log-normal ou Suposto Kakwani. Na análise das inter-relações entre crescimento econômico, desigualdade na distribuição de renda e medidas pobreza, nas seções (5.1) e (5.2) deste capítulo, recorremos às elasticidades em relação ao L de Theil pelo Método Log-normal, em oposição às elasticidades em relação ao índice de Gini derivadas por Kakwani (1990) e amplamente difundidas na literatura. Esta opção justifica-se pelos resultados da análise de regressão efetuada no capítulo anterior em que utilizamos modelos com as elasticidades teóricas para explicar as mudanças observadas nas medidas de pobreza das 27 Unidades da Federação no

Brasil entre 1992 e 2004. Concluímos que os modelos que utilizaram as elasticidades em relação ao L de Theil pelo Método Log-normal apresentaram os resultados mais satisfatórios dentre os modelos analisados e que os valores das elasticidades em relação ao índice de Gini pelo Método Log-normal estavam mais próximos aos valores esperados do que os valores das elasticidades em relação ao índice de Gini derivadas a partir do Suposto Kakwani, que se mostraram consideravelmente superestimados, com exceção exclusivamente da elasticidade da proporção de pobres na linha de pobreza de R$ 150,00.

Para visualizar como o Suposto Kakwani de mudança na desigualdade difere do Suposto Log-normal e pode conduzir a estimativas superestimadas das elasticidades- desigualdade das medidas de pobreza, apresentamos três curvas de Lorenz na figura 5.3. A

Curva de Lorenz Inicial corresponde à curva de Lorenz da distribuição do rendimento domiciliar per capita no Brasil em 2004 com valor do índice de Gini de 0,5647. Supõe-se um aumento em 25% no índice de Gini, que passa para 0,7059, e obtemos, conforme os distintos padrões de mudança na desigualdade, duas curvas de Lorenz resultantes: a curva de Lorenz

Suposto Log-normal e a curva de Lorenz Suposto Kakwani. Observa-se que a curva

Suposto Kakwani tem ordenada negativa para p≤0,3134. Conforme ressalta Hoffmann (2005), o fato de que a pressuposição de Kakwani pode levar a rendas negativas já permite questionar se ela é razoável.

Figura 5.3 Curva de Lorenz Inicial para a distribuição do rendimento domiciliar per capita no Brasil em 2004 e curvas de Lorenz resultantes do aumento em 25% no índice de Gini pelo Suposto Log-normal e pelo Suposto Kakwani.

Tomando-se como referência a curva de Lorenz resultante do aumento no índice de Gini sob o Suposto Log-normal de mudança na desigualdade, a curva resultante do Suposto Kakwani é obtida com um aumento da desigualdade relativamente maior na cauda esquerda da distribuição e menor na cauda direita da distribuição. Sabemos que a inclinação da curva de Lorenz corresponde à renda relativa

µ ) ( ) (p x p

L′ = . Nos restringindo à cauda esquerda da distribuição de renda, a curva Suposto Log-normal é sempre mais inclinada do que a curva

Suposto Kakwani para 287533p<0, e menos inclinada para p≥0,287533. Podemos concluir que o aumento da desigualdade sob o Suposto Log-normal (mantido fixo o rendimento médio) determinou uma menor redução dos rendimentos dos 28,75% mais pobres da população que, de acordo com a curva de quantis da distribuição do rendimento domiciliar per capita no Brasil em 2004, recebe rendimentos inferiores a R$ 131,72, e uma maior redução dos rendimentos dos demais pobres, que recebem rendimentos superiores a R$ 131,72, do que as reduções observadas sob o Suposto Kakwani. Temos então que, para linhas de pobreza inferiores a R$ 131,72, o aumento da desigualdade (mantido fixo o rendimento médio) corresponde a um maior aumento da pobreza sob o Suposto Kakwani e conduz a uma estimativa da elasticidade-desigualdade superestimada, para todas as medidas de pobreza, em comparação com o aumento da desigualdade e com a estimativa da elasticidade-desigualdade sob o Suposto Log-normal.

Esta afirmativa não pode ser generalizada para linhas de pobreza superiores a R$ 131,72, pois vai depender da forma pela qual cada medida de pobreza leva em consideração aspectos relacionados à desigualdade na distribuição de renda entre os pobres e intensidade da pobreza. Espera-se que uma medida que leve em consideração a intensidade da pobreza, calculada para uma linha de pobreza superior a R$ 131,72, apresente uma estimativa da elasticidade-desigualdade sob o Suposto Kakwani superestimada em relação à estimativa sob o Suposto Log-normal, uma vez que os 28,75% mais pobres da população observaram menores reduções em seus rendimentos sob este último suposto de mudança na desigualdade. Já a estimativa da elasticidade-desigualdade da proporção de pobres, que desconsidera aspectos relacionados à desigualdade na distribuição de renda entre os pobres e intensidade da pobreza, deverá apresentar um valor subestimado no Suposto Kakwani em relação ao Suposto Log-normal, decorrente da maior redução nos rendimentos dos pobres com rendimentos superiores a R$ 131,72 no Suposto Log-normal.23

23

Esta constatação é coerente com os resultados obtidos nas regressões das mudanças observadas nas medidas de pobreza nas UF do Brasil de 1992 e 2004 que sugerem que os resultados das elasticidades em relação ao índice de Gini derivadas a partir do Suposto Kakwani se mostraram superestimados, com exceção exclusivamente da elasticidade da proporção de pobres na linha de pobreza de R$ 150,00 (ver tabelas 4.5 e 4.6 do capítulo anterior).

5.4 Considerações Finais

Sintetizando, neste capítulo recorremos às elasticidades teóricas com intuito de explorar como o crescimento econômico e as mudanças da desigualdade na distribuição de renda alteram as medidas de pobreza. Apresentamos a decomposição das mudanças nas medidas de pobreza em dois fatores determinantes: magnitude da taxa crescimento do rendimento médio da população e mudanças da desigualdade na distribuição dos rendimentos. A extensão pela qual cada um destes fatores altera a medida de pobreza depende da magnitude da respectiva elasticidade teórica. Demonstramos que, para a classe de medidas de pobreza de Foster, Greer e Thorbecke com α >1, o sinal da elasticidade em relação ao rendimento médio é sempre negativo e o sinal da elasticidade em relação ao L de Theil pelo Método Log-normal é sempre positivo, de maneira que aumentos no rendimento médio e reduções na medida de desigualdade sempre determinam reduções na medida de pobreza.

A magnitude do valor absoluto das elasticidades teóricas, por sua vez, depende das propriedades da distribuição de renda inicial. Recorrendo às elasticidades teóricas pelo Método Log-normal para a medida de FGT com α =2 e excluindo os casos em que a linha de pobreza é superior ao rendimento médio, observamos a natureza crescente do valor absoluto das elasticidades teóricas em relação ao nível inicial do rendimento médio e sua natureza decrescente em relação ao nível inicial da desigualdade. Quanto maior o nível inicial do rendimento médio e menor o nível da medida L de Theil, maior será a magnitude do impacto de uma determinada taxa de mudança no rendimento médio ou de mudança na medida de desigualdade L de Theil sobre a medida de pobreza. Verificamos também a natureza crescente da taxa de redução na medida de pobreza em relação a uma trajetória temporal que combine crescimento persistente no rendimento médio com diminuição da desigualdade na distribuição dos rendimentos. Para uma determinada taxa de aumento na média e de redução no L de Theil ao longo do tempo, a redução na medida de pobreza ocorre a uma taxa cada vez maior.

As relações delineadas acima tornam visíveis a necessidade de se combinar crescimento econômico e redução da desigualdade na distribuição de renda numa estratégia eficiente de combate à pobreza, considerando-se tanto os efeitos imediatos quanto os efeitos dinâmicos das mudanças na média e na desigualdade sobre a redução da pobreza. A partir desta constatação geral, devemos também levar em consideração que a extensão dos efeitos do

crescimento econômico e das mudanças na desigualdade sobre a pobreza dependem dos níveis iniciais do rendimento médio e da desigualdade na distribuição de renda específicos de cada região. Ao longo do texto identificamos dois casos especiais em que os impactos das mudanças no rendimento médio ou da desigualdade na distribuição de renda sobre a pobreza serão pouco efetivos. O primeiro caso corresponde às regiões com alta desigualdade na distribuição dos rendimentos, nas quais os efeitos dinâmicos do crescimento econômico sobre a medida de pobreza serão reduzidos. Neste caso, se o objetivo for reduzir a pobreza, o ideal seria priorizar a redução na desigualdade.

O segundo caso ocorre em regiões com níveis de rendimento médio tão baixos que uma distribuição menos desigual da renda pouco afetará a pobreza. Quando o rendimento médio é inferior à linha de pobreza, os impactos da mudança na medida de desigualdade sobre a medida de pobreza serão extremamente reduzidos e seus efeitos dinâmicos sobre a elasticidade-desigualdade serão pouco efetivos ou até mesmo adversos, no sentido de que redução na desigualdade pode implicar numa redução no valor desta elasticidade. Sem dúvida, o objetivo de redução da pobreza nesta situação deve priorizar o crescimento econômico. Dentre estes dois casos extremos de “armadilha do combate à pobreza”, as condições específicas de cada região vão determinar a combinação mais adequada e o grau de prioridade destinado a cada uma das metas de crescimento econômico e redução na desigualdade. Em suma, uma estratégia eficiente de redução da pobreza deve combinar crescimento econômico e redução da desigualdade na distribuição de renda e o grau de prioridade destinado a estas metas depende das especificidades de cada região.

No capítulo seguinte vamos analisar os resultados das elasticidades para as Unidades da Federação no Brasil no ano 2004. As relações entre crescimento econômico e mudança da desigualdade na distribuição de renda sobre as medidas de pobreza clarificadas no presente capítulo serão extremamente úteis no sentido de facilitar este trabalho de aplicação empírica das elasticidades. No capítulo 6, com base na análise dos resultados das elasticidades e suas implicações, temos como objetivo formular diretrizes para uma política eficiente de combate à pobreza no Brasil.