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Simulação de Trajetórias da Pobreza para o Decênio 2004/2014

No documento Como crescimento e desigual afetam a pobreza (páginas 101-105)

6 Diretrizes para uma Política de Combate à Pobreza no Brasil

6.4 Simulação de Trajetórias da Pobreza para o Decênio 2004/2014

Nesta seção efetuaremos um exercício de simulação de distintos comportamentos das medidas de pobreza no Brasil para o decênio 2004/2014, pressupondo diferentes trajetórias de mudança no rendimento médio e na desigualdade ao longo do tempo. Em cada uma destas trajetórias vamos admitir uma taxa de crescimento constante anual para o rendimento médio e para a medida de desigualdade L de Theil pelo período de 10 anos. Especificada a taxa anual de mudança na média e na desigualdade e dados os níveis prévios do rendimento médio e do L de Theil nas UF em 2004, podemos obter projeções dos valores das medidas de pobreza em 2005 a partir das respectivas elasticidades em relação ao rendimento médio e ao L de Theil pelo Método Log-normal. As projeções das medidas de pobreza nas UF no ano de 2014 são obtidas repetindo este procedimento consecutivamente. Para a projeção da medida de pobreza agregada no Brasil em 2014, pressupomos também que as participações da população de cada estado no total permaneçam constantes. Comparando-se as projeções das medidas de pobreza

no Brasil em 2014 e suas mudanças em relação aos valores observados no ano de 2004, podemos avaliar os impactos de cada uma das trajetórias alternativas de crescimento na renda e mudança na desigualdade sobre a pobreza. Obviamente, não se pretende fazer previsões, em função do alto grau de arbitrariedade dos supostos, mas única e exclusivamente elucidar certas relações entre crescimento, desigualdade e pobreza.

Na tabela 6.5 apresentamos seis trajetórias alternativas de crescimento da média e de mudança na desigualdade. Na parte superior da tabela podemos observar os valores da taxa de crescimento anual da renda média e do L de Theil nos estados da região Nordeste acrescida do estado de Tocantins e também as taxas de crescimento anual da renda média e do L de Theil nas demais UF para cada uma das trajetórias alternativas. Na parte inferior da tabela 6.5, estão dispostas as projeções para o ano de 2014 dos valores do rendimento médio, da medida de desigualdade L de Theil, da medida de FGT com α =2 na linha de pobreza de R$ 150,00 e da mudança percentual na medida de pobreza para cada uma das distintas trajetórias. A mudança percentual na medida de pobreza foi calculada tomando-se como referência seu valor observado no ano de 2004.

Tabela 6.5 Projeções dos valores da medida de Foster, Greer e Thorbecke com α=2 (FGT) no Brasil em 2014 para trajetórias alternativas de crescimento da média e mudança na desigualdade sob o Método Log-normal.

TRAJETÓRIA I II III IV V VI

Região Nordeste e Tocantins

Rendim ento Médio -0,496 -0,496 0,496 8,0 5,1 2,5

L de Theil 0,0 -1,274 -1,274 2,0 0,0 -2,7

Dem ais Unidades da Federação

Rendim ento Médio -0,496 -0,496 0,496 8,0 5,1 2,0

L de Theil 0,0 -1,274 -1,274 2,0 0,0 -2,0

Rendim ento Médio 396,86 396,86 438,22 900,44 685,87 512,66

L de Theil 0,5921 0,5285 0,5285 0,7079 0,5921 0,4795 Medida de FGT(1) 0,0856 0,0695 0,0588 0,0341 0,0336 0,0323 Variação (%)(2) 7,40 -12,81 -26,23 -57,28 -57,81 -59,48 T a xa d e cr esc . (% ) P roj e ç õe s p a ra 201 4

(1) Adotando linha de pobreza de R$ 150,00.

(2) Variação percentual da medida de pobreza em relação ao valor observado em 2004.

Na Trajetória I ajustamos uma taxa constante de crescimento anual da renda média para que o comportamento do rendimento médio no decênio 2004/2014 repita o padrão do período de 1995 a 2004 sem que haja mudança compensatória na desigualdade, ou seja, pressupomos que o valor do L de Theil permaneça constante e que o rendimento médio

decresça a uma taxa anual de 0,4957%, de maneira que, para um período de nove anos, o declínio no rendimento médio seja de 4,37%, o mesmo observado no período 1995 a 2004. Em seguida, ajustamos taxas constantes de mudança relativa tanto na renda média quanto no L de Theil para o decênio 2004/2014 que mantém o mesmo padrão de mudança no rendimento médio e na medida de desigualdade L de Theil observado no período 1995 a 2004. Sendo assim, na Trajetória II pressupomos taxas negativas de mudança relativa anual no rendimento médio e no L de Theil nos valores de 0,4957% e 1,274%, respectivamente, resultando no decréscimo de 4,37% no rendimento médio e de 10,899% no L de Theil para um período de nove anos, as mesmas taxas observadas nos anos de 1995 a 2004. Na Trajetória

III pressupomos que a mudança no rendimento médio ocorra no sentido contrário e que o L de Theil apresente a mesma mudança admitida na Trajetória II, isto é, pressupomos que o rendimento médio cresça uma taxa anual de 0,4957% e o L de Theil decresça à taxa anual de 1,274%.

De acordo com a Trajetória I, projetamos um aumento de 7,4% na medida de FGT com α =2 de 2004 a 2014, em decorrência do declínio em 4,85% no rendimento médio, sem mudança na desigualdade. Os limites do efeito do declínio no rendimento médio sobre a redução da pobreza ficam claros quando comparamos os resultados da Trajetória II com a

Trajetória III. A Trajetória II reproduz, no decênio 2004/2014, o padrão de declínio do rendimento médio e redução na desigualdade observado no período 1995 a 2004, projetando uma redução na medida de FGT com α =2 no valor de 12,81%. Se este declínio do rendimento médio de 4,85% na Trajetória II converte-se em crescimento do rendimento médio de 4,85%, para uma mesma mudança na desigualdade, conforme especificado na

Trajetória III, a projeção de redução na medida de pobreza atinge o valor de 26,23%. Os resultados destas trajetórias estão associados não apenas ao fato de a medida de pobreza ser elástica em relação ao rendimento médio, mas também em função da natureza crescente do valor absoluto das elasticidades em relação ao rendimento médio, de maneira que o crescimento persistente da média aumenta a efetividade das mudanças na média e na desigualdade sobre a pobreza ao longo do tempo, conforme discutido no capítulo anterior.

As outras três trajetórias de crescimento na média e mudança na desigualdade adicionadas na tabela 6.5 estão associadas a estratégias mais agressivas de combate à pobreza. A Trajetória IV é uma trajetória de forte crescimento econômico acompanhado de

concentração da renda, com o rendimento médio no período crescendo a uma taxa de 8% e o L de Theil a 2% ao ano. De acordo com esta trajetória, o rendimento domiciliar per capita mais do que dobraria no decênio, passando de R$ 417,08 em 2004 para R$ 900,44 em 2014. A

Trajetória V também apresenta crescimento econômico acelerado, com o rendimento médio crescendo a uma taxa de 5,1% ao ano, mas sem mudanças da desigualdade na distribuição de renda. Podemos verificar na tabela 6.5 que ambas as trajetórias determinariam reduções expressivas nas medidas de pobreza, apesar da projeção de redução na medida de pobreza observada sob a Trajetória V ser ligeiramente maior do que a da Trajetória IV.

Finalmente, a última trajetória combina taxas mais modestas de crescimento no rendimento médio e redução da desigualdade na distribuição dos rendimentos, com o rendimento médio atingindo o valor de R$ 512,66 e o L de Theil no Brasil se reduzindo para 0,4795 em 2014, o mesmo valor do L de Theil observado no estado de São Paulo em 2004. Além disto, na Trajetória VI há um padrão regionalmente diferenciado de mudança na média e na desigualdade, em que os estados da região Nordeste e Tocantins apresentam taxas anuais de crescimento do rendimento médio de 2,5% e de redução no L de Theil de 2,7%, enquanto nas demais UF estas taxas são de 2% ao ano. Podemos observar na tabela 6.5 que, dentre todas as trajetórias analisadas, os resultados mais expressivos foram obtidos na Trajetória VI, por meio de uma composição regional de crescimento econômico e de redução na desigualdade com maior ênfase sobre as regiões mais carentes do país. Esta trajetória de crescimento econômico, ainda que a taxas mais modestas, acompanhado de redução da desigualdade na distribuição dos rendimentos conduziu a resultados superiores aos obtidos na Trajetória IV e na Trajetória V, trajetórias de crescimento acelerado sem redução na desigualdade.

Ressalte-se novamente que este exercício de simulação de trajetórias de mudança no rendimento médio e na desigualdade não foi efetuado com objetivo de fazer previsões, em função do alto grau de arbitrariedade dos supostos adotados, mas de elucidar certos aspectos dos efeitos do crescimento e das mudanças na desigualdade sobre a pobreza. Primeiramente, este exercício nos ajuda a visualizar os efeitos adversos e a natureza dos limites impostos pelo comportamento declinante do rendimento médio sobre a redução da pobreza, deixando visível que uma estratégia consistente de combate à pobreza requer uma trajetória com um mínimo de desempenho econômico, em oposição ao padrão de declínio do rendimento médio observado no período de 1995 a 2004.

Em segundo lugar, o exercício de simulação de trajetórias sugere que reduções substanciais da pobreza, no caso do Brasil, não necessariamente exigem elevadas taxas de crescimento e podem ser obtidas em um período de tempo relativamente curto, através de uma trajetória de crescimento capaz de reduzir as acentuadas disparidades sociais e regionais do país. De acordo com as simulações, uma trajetória que promovesse taxas anuais de crescimento em 2,5% na média e a redução em 2,7% no L de Theil nos estados do Nordeste e Tocantins e de crescimento em 2% na média e redução de 2% no L de Theil nas demais UF, no decênio 2004/2014, determinaria ao final do período que o L de Theil do Brasil se reduzisse ao nível observado no estado de São Paulo em 2004 e seus resultados sobre a redução nas medidas de pobreza analisadas seriam mais expressivos do que os resultados obtidos por meio de trajetórias com taxas de crescimento anuais de 8% no rendimento médio acompanhada de concentração da renda ou mesmo de taxas de crescimento de 5,1% sem mudança na desigualdade. Desta afirmativa, podemos concluir que a questão essencial do combate à pobreza no Brasil não se reduz a retomada do crescimento econômico a taxas aceleradas, mas que seus resultados serão mais efetivos quando promover um estilo de crescimento persistente temporalmente e capaz de reduzir as heterogeneidades sociais e regionais do país.

No documento Como crescimento e desigual afetam a pobreza (páginas 101-105)