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A competência para a investigação

No documento Crime de Incndio Florestal (páginas 156-160)

RESPONSABILIDADE PENAL PELA MORTE DE BOMBEIRO EM INCÊNDIO: ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO DO INQUÉRITO

IV. Hiperligações e referências bibliográficas V Vídeo.

2. A prática e a gestão do inquérito 1 O auto de notícia

2.3. A competência para a investigação

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Orgânica da Polícia Judiciária, Lei nº 37/2008, de 06/08 (LOPJ), prevê a competência da Polícia Judiciária em matéria de investigação criminal. Assim estipula o nº 2, al. a), daquele preceito legal: “É da competência reservada da Polícia Judiciária, não podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal, a investigação dos seguintes crimes: a) Crimes dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa”. O nº 3, al. f), estabelece que: “É ainda da competência reservada da Polícia Judiciária a investigação dos seguintes crimes, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte: f) Incêndio, explosão, libertação de gases tóxicos ou asfixiantes ou substâncias radioativas, desde que, em qualquer caso, o facto seja imputável a título de dolo”.

No que concerne à competência da Guarda Nacional Republicana (Lei nº 63/2007, de 06/11) e da Polícia de Segurança Pública (Lei nº 53/2007, de 31/08), esta assume-se como residual, atento o artº 6º da LOIC. Assim, caso haja indícios da prática de um crime de incêndio por negligência, a competência investigatória caber-lhes-á e, de um modo especial no tocante aos incêndios florestais, ao referido SEPNA da GNR, nos termos do artº 3º, nº 2, al. a), da Lei nº 63/2007, de 06/11, e do artº 9º do Decreto-Regulamentar nº 19/2008, de 27/11 (mas atente- se sempre na agravação pelo resultado morte).

Uma vez estabelecida a reserva legal de competência para os presentes crimes, e a propósito da delegação de competências, releva o disposto no artº 270º, nº 1, e nº 4, do Código de Processo Penal, e na Circular nº 6/2002, de 11 de Março, da Procuradoria-Geral da República. Esta última, no seu ponto I, determina que o Ministério Público intervirá diretamente nos inquéritos relativos a crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, definindo as diligências de investigação ou nelas participando, quando o julgue oportuno.

Na verdade, nos termos dos arts. 1º, al. c), 55º, nº 1, e 263º,nº 1, e nº 2, do Código de Processo Penal, os Órgãos de Polícia Criminal constituem intervenientes acessórios, sem poderes para conformar a marcha do processo. Assim, coadjuvam as autoridades judiciárias e atuam no processo sob a sua direção e na sua dependência funcional, sem prejuízo da sua organização hierárquica e autonomia técnica e tática, numa relação de supremacia sem hierarquia.

2.4. A prova

O Código de Processo Penal distingue meios de prova de meios de obtenção da prova. Os primeiros constituem o meio de apuramento dos factos, previstos nos arts. 128º e segs. do Código de Processo Penal. Os segundos traduzem os métodos através dos quais se obtêm os meios de prova, encontrando-se plasmados nos arts. 171º e segs. do mesmo diploma legal.

Desde logo, entre os meios de obtenção da prova, mostrar-se-ão de extremo relevo os exames dos lugares de incêndio, de modo a recolher e a conservar os vestígios/indícios do seu ponto de ignição e do seu percurso, nos termos dos arts. 171º e segs. do Código de Processo Penal. De facto, “o processo de investigação dos incêndios florestais baseia‐se no método das evidências físicas, o qual consiste na avaliação dos padrões de comportamento do fogo e outros indicadores conducentes à determinação do ponto de início; uma vez determinado é

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feita a leitura dos indicadores e estabelecida a relação entre o quadro de evidências físicas no local e o meio de ignição”26.

Na verdade, para que um incêndio se declare são necessários três elementos: um combustível, um comburente (oxigénio) e uma fonte de energia (como a chama de um fósforo). Ora, nos exames ao local recolhem-se resíduos carbonizados, cuja perícia decorrerá no Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária, pesquisando a presença de acelerantes de combustão, tais como gasóleo, gasolina de isqueiro ou diluentes, francos indicadores de fogo criminoso.

Nesta sede, mostra-se de particular premência que o Órgão de Polícia Criminal que primeiro aceda ao local, e ainda que não seja o competente para a investigação, adote as providências cautelares para assegurar os meios de prova, nos termos do artº 249º do Código de Processo Penal. Deve, assim, garantir a manutenção do estado das coisas e lugares, colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas e conservar os objetos apreendidos, impedindo a contaminação da prova.

De facto, em alguns incêndios podem ser recuperados engenhos incendiários, tais como caixas de fósforos ou o designado “coquetel molotov” (mistura líquida inflamável no interior de uma garrafa de vidro). De igual forma, dever-se-á analisar cautelosamente a roupa do suspeito, caso este exista, para pesquisa de acelerante e comparação do mesmo com o encontrado no foco27.

A autoridade judiciária, por sua vez, deverá estar alerta para a realização de buscas, inclusive domiciliárias, previstas no artº 177º, atenta a premente comparação com os vestígios encontrados no local, e para a determinação/validação de apreensões, nos termos do artº 178º, ambos do Código de Processo Penal.

Mostrar-se-á, também, importante promover a obtenção do registo de chamadas e de mensagens escritas do telemóvel do suspeito/arguido, a sua localização celular e a preservação dos dados de tráfego, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 187º, nº 1, al. a), nº 4, al. a), 189º, nº 2, e 269º, nº 1, al. e), do Código de Processo Penal, e 2º, nº 1, e 3º a 9º da Lei nº 32/2008, de 17/07. Da mesma forma, não será despiciendo considerar a interceção e gravação de conversações telefónicas, uma vez reunidos os pressupostos do citado artº 187º do Código de Processo Penal.

Por outro lado, e no que respeita aos meios de prova mais pertinentes na matéria, releva, desde logo, a prova testemunhal, prevista nos arts. 128º e segs. Nesta sede, importa inquirir,

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pais/familiares das vítimas mortais e os ofendidos/lesados, sejam bombeiros das corporações intervenientes, populares que intervieram no combate ao fogo ou que viram os seus bens postos em perigo/afetados, bem como os diversos proprietários dos terrenos envolventes, entre outros.

Atento o período em que, com maior frequência, decorrem os incêndios florestais, caracterizado pela época de férias e pela presença de emigrantes no nosso país, cumpre, igualmente, acautelar o seu depoimento testemunhal em sede de declarações para memória futura, nos termos do artº 271º do Código de Processo Penal.

Quer no que respeita à inquirição de testemunhas, quer quanto ao interrogatório de arguido, consagrado nos arts. 140º e segs., importa que os mesmos tenham lugar perante autoridade judiciária, com assistência de defensor, no que respeita ao arguido, informado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 141º, nº 4, al. b), do Código de Processo Penal, atento o preceituado nos arts. 356º, nº 3, e 357º, nº 1, al. b), e nº 2, ambos do mesmo diploma legal. Além do mais, assim que sejam conhecidos eventuais lesados, urge dar cumprimento ao artº 75º, nº 1, do Código de Processo Penal, informando-os da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil.

De um modo especial, e atenta a recolha jurisprudencial encetada, cumpre aludir à reconstituição do facto, plasmada no artº 150º deste diploma legal, a que frequentemente se refere, erradamente, como “reconhecimento de locais do crime”, fundamental para o apuramento da imputação do grau de ilicitude e de culpa do agente. Na verdade, “do ponto de vista da sua utilidade prática, a reconstituição tem‐se mostrado uma prova decisiva nas mais diversas situações: homicídio, incêndio (estas duas são as mais frequentes, nos nossos tribunais superiores) (…) Este meio de prova revela‐se de particular valia nos casos de difícil apreensão do modus operandi do agente”28.

As questões que mais frequentemente se colocam a propósito desta “encenação do facto” são as da sua produção num momento em que o suspeito/denunciado não foi ainda formalmente constituído como arguido e, consequentemente, a valoração das declarações ditas “informais” que o mesmo presta no seu desenvolvimento, bem como a validade do depoimento dos Órgãos de Polícia Criminal que presenciaram tais declarações, quer em sede de inquérito, quer em sede de julgamento (artº 356º, nº 7, do Código de Processo Penal), em especial quando aquele, uma vez constituído arguido, recusa prestar declarações, ao abrigo do artº 61º, nº 1, al. d), do Código de Processo Penal.

A este propósito, revela-se importante invocar o vertido no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/12/2013: «havendo suspeita fundada da prática de crime por determinada pessoa, antes de a constituir como arguida, importa apurar se a mesma suspeita é “fundada”, recolhendo todos os indícios e vestígios do crime, confrontado o suspeito com os vestígios deixados (…) Não se trata de depor sobre declarações recebidas do arguido mas de 28Eurico Balbino Duarte, in “Making Of ‐ A Reconstituição do Facto no Processo Penal Português”, Prova

Criminal e Direito de Defesa, Estudos sobre teoria da prova e garantias de defesa em processo penal, Coordenação Teresa Pizarro Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto, Coimbra, Almedina, pág. 19.

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relatar diligências de investigação/reconstituição/confirmação efetuadas pelo órgão de polícia criminal na demanda, prévia, dos vestígios do crime, da possibilidade de determinado suspeito poder ser constituído arguido. O silêncio do arguido não pode apagar o caminho percorrido pelos investigadores até à constituição como tal»29. Assim, a nossa mais alta jurisprudência

perspetiva a reconstituição como meio de prova autonomamente adquirido, em cuja concretização se confundem todas as contribuições parcelares.

Por seu turno, no que respeita à prova pericial, prevista nos arts. 151º e segs. do Código de Processo Penal, e além das perícias a realizar aos resíduos encontrados, tal como referido, relevam as perícias médico-legais e forenses, previstas na Lei nº 45/2004, de 19/08 - relatórios de autópsia médico-legal da vítima mortal, de eventual identificação genética individual de restos cadavéricos encontrados no local, de exame lofoscópicos e de perícia de avaliação do dano corporal daqueles que sofreram ofensa à integridade física – e a perícia sobre a personalidade, de modo a apurar de eventual e já referida, por frequente, inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do arguido.

Por fim, e procurando dar alguns exemplos práticos de prova documental pertinente, prevista nos arts. 164º e segs. do Código de Processo Penal, cumpre atentar no descrito auto de notícia, nos relatórios de ocorrência das Corporações de Bombeiros e da ANPC, no relatório fotográfico do local, nas certidões de assento de nascimento e de óbito das vítimas mortais, nas informações clínicas e no relatório final elaborado pelo Órgão de Polícia Criminal competente, entre outros.

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