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2.3 Competências

2.3.1 Competências: contextualizando sua interface com a gestão de pessoas

De acordo com Hirata (1994,p. 132), “competência é uma noção oriunda do discurso empresarial nos últimos dez anos e retomada em seguida por economistas e sociólogos na França”. Considera ainda que o modelo de “competência corresponde a um novo modelo pós- taylorista [...] de organização de trabalho e de gestão da produção”, sendo sua gênese associada à crise da noção de postos de trabalho e ao modo de classificação de ocupações e relações profissionais (HIRATA,1994,p. 133).

Para Mertens (1999), o resgate da competência na atualidade se baseia na busca das empresas em encontrar modos de diferenciação num mercado globalizado em que os parâmetros básicos de competitividade foram deslocados para as tarefas e pessoas, modificando, assim, as competências requeridas tanto em nível organizacional como individual.

É importante destacar que Zarifian (2001) observa que três principais características do modelo industrial definido no século XVIII estão passando por uma grande desestabilização e podem ser, ainda que indiretamente, a origem da emergência da lógica da competência. Enfatiza a separação marcante entre o trabalho e o trabalhador (instrumentalizada pela forte prescrição de atividades); predominância do fluxo e da produtividade e a necessidade da co-presença como mecanismo de controle. Nesse mesmo sentido, Mertens (1999) relembra que a complexidade crescente do processo de trabalho faz com que a tarefa não seja mais sinônimo de competência, assim como acontece nos modelos ainda tayloristas.

Assim, alterações provocadas pelas novas tecnologias, no processo de trabalho, têm criado novas exigências para que os trabalhadores respondam de forma adequada a tal realidade. Para Hirata (1994, p. 129), “o novo conceito de produção representaria uma ruptura com o taylorismo e o fordismo, com uma nova lógica de utilização da força de trabalho”, exigindo assim uma massa de conhecimentos e atitudes diferentes das qualificações requeridas pelas organizações do trabalho do tipo taylorista. Nesse sentido, a compreensão da noção de competências esbarra no conceito de qualificação, uma vez que ambos estão relacionados à interface que se estabelece entre as pessoas e o processo de trabalho, considerando requisitos para as atividades, a formação necessária e os resultados alcançados.

De acordo com Zarifian (2001), as reflexões a respeito das competências, iniciadas pelas modificações ocorridas na dinâmica dos postos de trabalho na França, na década de 70, foram bastante influenciadas pela noção de qualificação. E a emergência da lógica da competência está fundamentalmente centrada na mudança de comportamento das pessoas em relação ao trabalho e sua organização. Tais transformações têm origem no forte aumento da complexidade da produção sujeita, cada vez mais, a turbulências e incertezas.

A proposta de Zarifian (2001) em relação à lógica da competência demonstra que a grande diferenciação que pode ser feita a respeito da competência e da qualificação baseia-se no fato de que a competência é do indivíduo, enquanto a qualificação se volta para a definição do que é demandado por um emprego ou por uma profissão. Nesse sentido, o processo de formação das pessoas para uma profissão ou para o emprego assume novos contornos quando se entende que a competência engloba elementos da relação do indivíduo com seu trabalho não devendo, portanto, se limitar às questões de caráter técnico como ainda predominam nas escolas de formação profissional.

A grande repercussão do conceito de competências, na atualidade, deve-se, em parte, ao rápido desenvolvimento tecnológico pelo qual passa a sociedade e às mudanças estruturais

nas economias ocidentais em direção ao setor de serviços e indústrias baseadas no conhecimento. Esses fatores acarretam às organizações uma maior dependência da competência humana para garantir seu sucesso competitivo. Assim, pode-se compreender a rápida propagação que o termo competências tem tido no âmbito da gestão como uma tentativa, por parte das organizações, em responder ao cenário, que se apresenta significativamente diferente de décadas anteriores, transferindo para a utilização que as pessoas fazem da tecnologia e outros recursos sua possibilidade de manter-se competitiva (SANDBERG, 1994).

Sendo assim, torna-se evidente que a busca pela competitividade, uma questão tão urgente para as organizações, tem se caracterizado por aspectos diferentes em função dos impactos que, principalmente, a globalização da economia e a inovação tecnológica acarretam à gestão das empresas. Nesse contexto, a ênfase na análise do ambiente externo vem perdendo força à medida que a combinação de fatores externos e internos consegue mais apropriadamente responder às intensas e constantes mudanças que afetam os processos de trabalho.

Baldwin e Lawson (1995) destacam que, tradicionalmente, a obtenção de vantagem competitiva pelas empresas ocorria por meio de suas capacidades tecnológicas, econômicas e estratégicas. No entanto, ressaltam que, em face desse novo cenário, a vantagem das organizações passa a ser as capacidades distintivas dos gerentes relacionadas às “core

competencies” do negócio. O conceito de core competencies, segundo Hamel e Prahalad

(1995), refere-se à coleção de competências (habilidades e conhecimentos) espalhadas pela organização, sendo o resultado da integração e harmonização com as competências das unidades estratégicas de negócio. Nesse contexto, as competências das pessoas passam a ser um fator central para o desdobramento das competências essenciais e das capacidades da organização para explorar com sucesso seus recursos.

Javidan (1998), ao trabalhar o conceito de core competence proposto por Hamel e Prahalad (1995), também reconhece que a vantagem competitiva de uma empresa pode ser qualquer aspecto da empresa (recursos, capacidades e competências) que contribua para fornecer à organização uma posição atrativa em relação a seus concorrentes. No entanto, ressalta que, para ser significativa, deve estar relacionada a algum atributo valorizado pelo mercado. A relevância de uma core competence está relacionada à sua potencialidade de acesso a novos mercados, satisfação de necessidades específicas de clientes e dificuldade em ser imitada.

Em uma outra visão, apresentada por Herzog (2001), considera-se que a diferenciação entre as empresas se dá em função dos recursos e capacidades que acumulam e a forma como os utiliza, sendo uma base mais segura para a definição da estratégia indicando uma certa inversão na lógica de planejamento das estratégias organizacionais, ou seja, uma retirada do foco excessivo no ambiente externo e nas necessidades do mercado passando os recursos internos a serem mais importantes para assegurar a vantagem competitiva. Nessa abordagem baseada em recursos7 (VBR), os recursos são elementos que a empresa possui ou controla, tangíveis ou intangíveis, ligados à sua capacidade de ação (conhecimentos e habilidades individuais dos empregados, processos, tecnologias, experiência das equipes técnicas e gerenciais, inclusive a cultura organizacional). O valor de um recurso se baseia no potencial que possui em satisfazer uma demanda específica do cliente.

Entre os critérios utilizados para o reconhecimento de uma core competence (JAVIDAN, 1998) e, também, entre as condições que Herzog (2001) considera fundamentais para a geração de vantagens competitivas, com base nos recursos, encontra-se presente uma forte referência sobre a imitabilidade que pode acontecer na busca pela competitividade. Para

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A discussão sobre VBR tem em autores como Penrose (1962), que de uma certa forma dá início ao debate é continuado por Chandler (1987; 1997), Wernerfelt (1997) e Barney (1997), dentre outros. Outra discussão amplia a idéia de recurso e incorpora a dinâmica dos processos de sua criação e utilização tendo como referência as obras de Nelson e Winter (1982) e Teece e Pisano (1994), dentre outros.

Javidan (1998), alguns aspectos da vantagem competitiva são mais difíceis de serem imitados que outros.

Pode-se reconhecer, portanto, uma tendência de considerar as competências humanas como um dos principais fatores que, não passível de imitação, asseguram a vantagem competitiva das organizações. De acordo com Brandão e Guimarães (1999, p. 06) “as competências das pessoas que compõem a empresa que, aliadas a outros recursos, dão origem e sustentação à competência organizacional”. Nesse sentido deve-se reconhecer que “há, pois, uma relação íntima entre competências organizacionais e individuais. O estabelecimento das competências individuais deve estar vinculado à reflexão sobre as competências organizacionais, uma vez que é mútua a influência de umas e de outras” (DUTRA, 2004, p. 24).

Embora a difusão da tecnologia tenha acontecido de forma bastante ampla, o elemento definitivo para a competitividade está relacionado ao fator humano, ou seja, o trabalho das pessoas representa o diferencial na utilização dos recursos tecnológicos e organizacionais gerando vantagem para as organizações.

Em relação à aplicação da noção de competências, Barbosa (2001, p. 02) destaca, por exemplo, a “gestão de competências como uma das tentativas recentes de ajuste” da gestão de pessoas em face do contexto atual. Já, segundo Dutra, Hipólito e Silva (1998, p. 11), “o Sistema de Gestão de Competências vem despontando como uma alternativa real aos métodos tradicionais de se estruturar as ações de Recursos Humanos”. E, ainda, de acordo com Ribeiro, Guimarães e Souza (2001, p. 02), “a gestão baseada nas competências surge como uma das alternativas para as organizações modernas gerenciarem o capital humano”.

Entre as principais mudanças que afetaram as práticas de recursos humanos nas organizações, pode-se identificar a busca pela aplicação do termo competências aos tradicionais subsistemas da administração de recursos humanos como forma de alinhar seus

processos administrativos à estratégia organizacional. Isso porque uma nova lógica se instala em relação ao que pode efetivamente diferenciar as organizações num mercado cada vez mais competitivo. As organizações deparam-se com a necessidade de que as pessoas estejam preparadas ou em desenvolvimento das habilidades, conhecimentos e atitudes que serão o pilar para a consecução de suas competências essenciais (HAMEL e PRAHALAD, 1995). Zarifian (2001) considera que transformações no pensamento administrativo foram acompanhadas por modificações potenciais e também desejadas pelas práticas de gestão de recursos humanos, cuja vinculação entre gestão de competências e a estratégia organizacional parece ser uma condição básica para que esse novo modelo de gestão seja eficaz.

À medida que as competências individuais são definidas com base nas competências organizacionais, a gestão de pessoas amplia seu contato com as diretrizes estratégicas e vislumbra uma contribuição mais efetiva para os resultados a partir de ações integradas que respondem às necessidades organizacionais. E, ainda, de acordo com Dutra (2004, p. 23), há cada vez mais uma “maior nitidez a possibilidade de integrar a gestão de pessoas ao intento estratégico da empresa através da discussão das competências organizacionais”.

A competência individual representa o principal elemento que alimenta as práticas de gestão de pessoas. Para sua efetiva gestão, torna-se necessária, inicialmente, sua definição para que sejam planejadas as demais ações que visam ao seu desenvolvimento, avaliação e à própria recompensa. No entanto, a complexidade conceitual que circunda a noção de competências torna esta tarefa um desafio, pois demanda da organização uma construção que lhe seja particular ao mesmo tempo em que genérica o suficiente para responder às pressões do ambiente externo, por exemplo. O panorama apresentado a seguir, sobre as diferentes abordagens sobre a noção de competências, faz emergir várias possibilidades para sua aplicação no campo organizacional.