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Competências desenvolvidas

No documento Voluntariado: Missão e Dádiva (páginas 43-45)

DOS VOLUNTÁRIOS MISSIONÁRIOS

1. VOLUNTÁRIO MISSIONÁRIO: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DE UM PERFIL

1.2. Competências desenvolvidas

Podemos ler, na Lei de Bases do Enquadramento Jurídico do Voluntariado, o seguinte: “é voluntária a pessoa que de forma livre, de- sinteressada e responsável se compromete, de acordo com o seu tempo livre e as suas aptidões, a realizar ações de voluntariado no seio de uma organização” (Conselho Nacional para a promoção do Voluntariado, N.º 1, Artº 3º da lei N. º 71/98 de 3 de novembro). Esta definição vai ao en- contro da perspetiva teórica subjacente a esta análise de dados, que é a noção de dádiva aplicada ao conceito de voluntariado. O voluntário missionário trabalha de forma livre, desinteressada e gratuita, junto das pessoas, grupos, comunidades e organizações. O seu trabalho as- senta sobre uma história de relação social e traduz-se na qualidade da mesma. Sendo assim, a relação da dádiva é uma história que não tem fim, pois inscreve-se numa relação construída e a construir no espaço e no tempo, cuja reciprocidade pode acontecer no momento da parti- lha da relação, comum, e diferida no tempo, perdurando. Tal significa que as próprias competências exigidas para a prática do voluntariado missionário são aprendidas em contexto de intervenção. Sabemos que os voluntários missionários são sujeitos/objeto de um programa de for- mação, antes de partirem em missão, contudo, e segundo os depoimen- tos dos entrevistados, somos levados a concluir que a complexidade das realidades enfrentadas exige uma grande flexibilidade de adaptação ao trabalho por parte daqueles.

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…acho que a flexibilidade é uma das competências que mais se

adquire, não por necessariamente ser voluntária e, também, não por ser voluntária missionária, mas por haver oportunidade de trabalhar em equipa e de estar disponível para perceber qual é a necessidade e quais são as minhas limitações… e quais são as potencialidades daqueles que estão connosco, seja cá, seja em qualquer parte do mundo. […] O poder de escuta também ganha alguma dimensão… é…. Muito também a capacidade de mudar, de estar disponível para mudar e não ficar formatado naquilo que já se aprendeu…. […] Uma das

grandes competências acho que é o desafio de querer aprender… Outra competência acho que tem muito a ver com o explorar e o adquirir potencialidades que nunca imaginou e …. O descentrar-se, estar aberto ao que está a acontecer … e às necessidades também dos outros e

discutir... A tolerância também e a compreensão são características e competências que vão se desenvolvendo… (Ent. F 1)

A flexibilidade no trabalho e na adaptação a novas situações é uma com- petência que o voluntário missionário desenvolve, pois integra-se em equipas e relaciona-se com pessoas com características culturais dife- renciadas. É extremamente importante saber ouvir o outro, promoven- do uma verdadeira escuta ativa. Efetivamente, só conhecendo o outro é que poderá ir ao encontro dele, das suas potencialidades e das suas necessidades.

A disponibilidade e a capacidade para a mudança, roçando, muitas ve- zes, o improviso e a satisfação das exigências imediatas, constituem di- mensões significativas a considerar no estabelecimento de um perfil de

voluntário missionário. A prática do voluntariado missionário exige uma aprendizagem constante de novas situações, de novos conhecimentos, o contacto com novos contextos de intervenção e, fundamentalmente, o estabelecimento de relações sociais diferenciadas de acordo com a espe- cificidade das populações locais. O descentrar-se de si leva-nos a pensar num certo altruísmo pois o facto de o voluntário missionário sair de si, indo ao encontro do outro, conduz a consequências favoráveis a ambos, numa lógica de reciprocidade.

Desenvolvendo um trabalho baseado na relação com o outro, o voluntário missionário integra-se em equipas no terreno e aprende o que é o “trabalho humano”. Na verdade, a relação social estabelecida pode marcar a evolução da dádiva, aliás, a própria relação é dádiva. O trabalho do voluntário mis- sionário é eminentemente uma relação social. “Saber lidar e aprender com as pessoas, motivá-las, mobilizá-las também, indo ao encontro das suas ex- pectativas, sobretudo isso, trabalho Humano”. (Ent. M 1).

A relação social estabelecida condiciona o trabalho e toda a ação do volun- tário missionário. O alcance dos objetivos de trabalho propostos encon- tra-se dependente da qualidade daquela relação. Para Emile Durkheim, na sua obra De la division du travail social (1893), as relações sociais são vistas como “formas de solidariedade”. Durkheim verifica que os indiví- duos podem sentir-se atraídos uns pelos outros, pelas suas semelhanças e/ou pelas suas diferenças. Podemos considerar a posição deste autor como um prelúdio da necessidade de criar a identificação social mútua no trabalho social. É o esforço e o trabalho investido e desenvolvido na cons- trução da relação que pode determinar os efeitos desejáveis. Há que saber envolver e motivar as populações, dinamizando-as. De facto, a atração e a interdependência entre as pessoas pode estabelecer-se de modo a que es- tas se movam em uníssono, como um só corpo, num tipo de solidariedade

predominância das crenças e dos sentimentos comuns a todos os mem- bros do grupo, num nível supraindividual (Barata, 1989).

Na nossa análise, e em termos de pesquisa teórica, não encontrámos competências, previamente estabelecidas, relativamente ao trabalho do voluntariado e/ou do voluntariado missionário. A consulta do site da International Association for Volunteer Effort (IAVE) permite constatar que a ação voluntária constitui um importante esforço de promoção da pessoa humana. Compete ao voluntário construir, de forma saudável, comunidades sustentáveis que promovam o respeito pela dignidade de todas as pessoas; transformar as populações locais em agentes do seu próprio desenvolvimento, promovendo o exercício dos direitos huma- nos, e motivando-as para a resolução dos problemas ambientais e sociais, económicos e culturais, assim como apoiar a construção de uma socieda- de mais humana e justa, através da cooperação internacional.

O exposto aponta para uma ação social, fundamental na construção de uma sociedade mais solidária, alicerçada na relação social. Deste modo, a construção das competências do voluntário missionário é uma história social a construir ao longo do tempo.

Ao elencarmos algumas competências em torno de um perfil do voluntá- rio missionário, estamos a ensaiar um processo que nos permitirá definir os requisitos fundamentais, quer do ponto de vista da formação quer do ponto de vista profissional, e até mesmo do ponto de vista pessoal, para o exercício das funções inerentes. Este processo assume uma importância significativa se, eventualmente, se optar por definir tarefas a desenvolver pelos voluntários missionários e, assim, equacionar de forma mais preci- sa a sua mais-valia numa organização afim.

Também, e por outro lado, numa outra perspetiva de análise, poderemos

podemos esquecer que a dádiva é uma ação realizada sem expectativa, ga- rantia ou certeza de retribuição, o que significa que alberga uma dimen- são de gratuidade e de espontaneidade. Gratuitidade e espontaneidade estão, de certo modo, relacionadas na relação de dádiva. A gratuitidade da dádiva indica que esta não procura a igualdade ou a mera equivalência. Na verdade, a contradádiva depende da relação que se estabelece. A dádi- va é gratuita no sentido em que, no momento em que é realizada, não é o resultado de um mero cálculo utilitarista e puramente racional. Na base da dádiva está um movimento livre do eu em direção ao outro. Liberdade que abre espaço à espontaneidade e criatividade. O sentido de gratuitida- de que daqui emerge está ligado ao nascimento, à conceção de algo ines- perado, generoso… Esta liberdade / criatividade / espontaneidade vividas no contexto da relação de dádiva têm um sentido – a criação, manutenção de uma relação… Não é, portanto, algo “anárquico”, um mero “esponta- neísmo”. Se a ação voluntária missionária é, por vezes, espontânea, até que ponto pode ela ser previamente planificada?

A investigação, ao mesmo tempo que nos poderá oferecer respostas, per- mite indagar novas questões…

No documento Voluntariado: Missão e Dádiva (páginas 43-45)