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MOTIVAÇÕES DE PARTIDA DOS VOLUNTÁRIOS

No documento Voluntariado: Missão e Dádiva (páginas 38-41)

Os dados obtidos no inquérito v permitem compreender o voluntário como uma pessoa que sabe posicionar-se criticamente no mundo em que vive, através das escolhas de vida que faz e das iniciativas que toma em coerência com a sua visão. Na verdade, os voluntários inquiridos são, maioritariamente, pessoas academicamente instruídas (84.70% com bacharelato, licenciatura, mestrado ou doutoramento), com autonomia financeira (62%) e disponíveis para o exercício de uma cidadania ativa (implicam-se no voluntariado missionário, sobretudo de forma espontâ- nea, 51.80%, embora também o façam, por influência de familiares/ami- gos, 24.80% e, através da pastoral organizada, 14.60%).

Observa-se uma motivação heterorreferenciada como ponto de partida para a relação de ajuda que o voluntário estabelece, isto é, a intenciona- lidade nasce de um movimento que, partindo de forma consciente e livre do voluntário missionário, dirige-se ao outro enquanto outro. Os resulta- dos são disto evidência: os voluntários inquiridos neste estudo referem que é importante ajudar os outros (96.40%); dar atenção a necessidades concretas de uma comunidade de pessoas (94.20%) e preocupar-se com quem tem menos (82.40%) Evocam ainda que dar e retribuir é tão im- portante quanto receber (79.50%) e que desejam concretizar o seu amor pelos outros (92.70%)11.

Como sujeito de si, o voluntário missionário manifesta a sua responsabili- dade perante os problemas humanos presentes na sociedade (74.40% dos inquiridos sentem-se responsáveis pelos outros) e procura construir um projeto de realização pessoal que se distancia de uma atitude individua- lista e egoísta perante a vida: 91,90% realizam voluntariado missionário

11 Os valores apresentados correspondem ao somatório dos itens: “Concordo totalmente ” e “Concordo”.

porque isso significa concretizar uma causa que é importante para si pró- prios. A presença de motivação pessoal intrínseca parece também ser confirmada quando se analisa o facto de os voluntários missionários con- siderarem que nem o governo (52.50%) nem a sociedade civil (54.80%) fa- zem o suficiente para ajudar as pessoas destinatárias da sua ação.

Na ótica da dádiva, o voluntário procura estabelecer com o outro uma re- lação estruturada pela gratuitidade e liberdade. O voluntário missionário é alguém que é livre e essa liberdade manifesta-se de múltiplas formas. Está presente, por exemplo, nos gestos generosos que é capaz de realizar, na ca- pacidade de desprendimento de si que o leva a deixar o conforto da sua vida para partir ao encontro do outro que vive outras realidades muito diferen- tes, frequentemente duras, adversas e exigentes. Porque é livre, é capaz de transformar as suas próprias motivações, como as Histórias de Vida o irão evidenciar e, muitas vezes, repetir a experiência de voluntariado, manifes- tando um compromisso consistente e duradouro na entrega ao outro. Este movimento de descentração de si parece, de algum modo, confir- mado quando se analisam, por exemplo, os dados relativos à dimensão “Desenvolvimento de carreira”, que apontam para a rejeição da instru- mentalização do outro a favor de si próprio e para uma perspetiva não utilitarista da ação voluntária (apenas 8,10 % consideram que este tipo de voluntariado os poderá ajudar a conhecer oportunidades de emprego). E, se é certo que a prática de voluntariado missionário pode enriquecer o curriculum vitae do voluntário e ser uma oportunidade para adquirir com- petências para o trabalho (34.30% dos inquiridos referem esta possibilida- de), também não deixa de ser verdade que essa prática pode constituir um obstáculo à integração e progressão profissional do voluntário quando este regressa ao seu país de origem (cf. Histórias de Vida).

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O reconhecimento social contribuiu para a autoestima do voluntário e é uma motivação importante na prática do voluntariado. Os inquiridos re- conhecem que, da sua ação, resulta um reconhecimento: experimentam a gratidão dos outros (68.60%); consideram que é importante ser apre- ciado pela instituição onde realizam o voluntariado (51.10%) e referem a importância de ser reconhecido pelo trabalho desenvolvido (42.30%). Os voluntários missionários inquiridos parecem não precisar de um re- conhecimento que releve a sua pessoa, antes o efeito da ação realizada, o que significa que não buscam a exaltação do eu como resultado primor- dial da sua ação.

O voluntariado poderá ter um efeito positivo sobre a sua autoestima (53.30%). É gratificante e recompensador (91.30%) e dá prazer realizá- -lo (92.70%). O voluntário sente-se útil (75.90%), bem consigo mesmo (67.20%), boa pessoa (44.50%). Porém, isto não significa sentir-se mera- mente gratificado pela ação dos seus atos, centrar-se em si mesmo (76.60% não se sente mais importante por realizar esta ação). Pelo contrário, o vo- luntário deve permanentemente interpelar-se a si mesmo e deixar-se in- terpelar pelos seus destinatários, também eles sujeitos de interpelação. Neste sentido, é fundamental receber feedback que o faça progredir na sua ação e enquanto pessoas (de acordo com 78.80% dos inquiridos).

Uma motivação importante para o voluntariado é a abertura à aprendi- zagem e desenvolvimento pessoal. Os inquiridos consideram que o vo- luntariado missionário poderá ajudar a entender melhor o que é a vida (84.60%) e proporcionar uma mudança como pessoa (80.30%); desen- volver qualidades e competências (52.50%) e aprender a lidar com uma grande variedade de pessoas (58.40%); sentir mais segurança em si pró- prio (48.90%) e saber lidar com alguns dos próprios problemas (37.20%).

A motivação ligada à aprendizagem e desenvolvimento está também muito presente nas Histórias de Vida.

Quase 90% dos voluntários inquiridos referiram professar uma religião e, deste grupo, perto de 70% estão envolvidos ativamente em organismos/ grupos ligados à religião que professam (cristã – igreja católica).

O sentido cristão da dádiva funda-se no amor de Deus pelo ser humano e que convida a uma resposta, também ela concretizada em gestos de amor (um motivo para 92.70% dos inquiridos). A vivência da fé motiva e esti- mula a ação do voluntário cristão, cria uma disponibilidade interior para servir as necessidades reais das pessoas (79.60% confirmam esta motiva- ção), apoia-o na superação de si mesmo, levando-o a acreditar na força da sua ação. Deste modo, grande parte dos inquiridos considera que ser vo- luntário missionário está em sintonia com as suas convicções religiosas (73%) e não concordam que a vivência da fé tenha pouca influência na sua prática de voluntariado missionário (71.50%).

Na riqueza do encontro com o outro, sujeito como eu, ocorre a novidade, a surpresa, o enriquecimento mútuo. O “excesso de dom” alimenta a rela- ção e fá-la percorrer patamares de maior crescimento e profundidade. A constatação fenomenológica de que, numa relação, se recebe mais do que se dá – reciprocidade assimétrica -, confirma esta dinâmica da relação de dádiva e a presença do “excesso de dom”.

Os dados obtidos nos inquéritos por questionário confirmam este tipo de reciprocidade assimétrica, característica da relação de dádiva: os volun- tários referem que dão, mas também que recebem dos outros (95.60%) e, mais especificamente, consideram que recebem mais do que dão (79.60%).

No documento Voluntariado: Missão e Dádiva (páginas 38-41)