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3.1 AS AULAS OBSERVADAS

3.1.2 Competências e habilidades desenvolvidas

Diversas competências de leitura foram evidenciadas no desenvolvimento da prática pedagógica das professoras observadas. Selecionamos para comentar as de linguagem oral, leitura e compreensão de textos, analisando quais delas foram desenvolvidas de forma significativa. Durante as aulas, percebemos que as professoras privilegiam algumas competências que são trabalhadas constantemente em suas práticas, por exemplo: compreensão dos diferentes usos e finalidades sociais da leitura/escrita; essa competência foi desenvolvida em algumas aulas observadas.

Situação 9 – Professora A – Aula 4

P: Vamo lá / vou começar / [professora lê o primeiro parágrafo] / [leitura sem interrupção para explicação] / [a cada parágrafo uma fila de crianças fez a leitura] / olha, gente, vamos ler mais alto / por favor // [após a leitura] / muitos colegas tiveram dificuldade em acompanhar outros colegas / perceberam? / por que será isso?

A23: Não lê livro em casa e quando a professora manda fica com dificuldade de ler aqui

A24: Mesmo se a senhora não mandar, a gente tem que ler, não é tia? P: Exatamente / tem que ler tudo / tudo mesmo

A25: Quando eu vejo uma revista ou um livro lá em casa em vou lendo

P: Exatamente, assim a gente melhora / eu sei quem lê em casa e quem não lê / quem lê em casa lê melhor na escola / a professora sabe tudo / assim aprende mais e mais / agora eu não ouvi a voz de Carlos, de Pedro, de Lucas / de Rodrigo e de Jonatha / você leu com dificuldade / tem que treinar a leitura em casa e na escola / agora escutem uma coisa / a gente vai fazer assim / todo mundo leu uma parte / agora eu vou ler tudo e vocês vão prestar muita atenção em cada parágrafo o que cada parágrafo diz / depois nós vamos fazer um trabalho / agora escuta, tá?

Nessa situação, percebemos que a Professora A estimula as crianças para que façam a leitura de diferentes textos que são vistos na escola e em casa. Essa situação objetiva que o leitor se torne mais fluente e competente. A criança compreende o porquê do trabalho desenvolvido na escola. A seguir, temos outra situação em que se apresenta a leitura como uma prática importante para a vida.

Situação 10 – Professora B – Aula 4

P: Hoje nós vamos fazer uma atividade diferente/ se chama leitura compartilhada / nós vamos ler toda a história de mão em mão / é uma história contada através do livro / autora Lígia Bojunga / ela é especialista em literatura infanto-juvenil / é uma escritora premiada / fez parte das minhas leituras juvenis e de infância / eu gostava muito / vamos ler hoje o livro / a primeira história que é chamada de

“TCHAU” / é preciso atenção / nós vamos depois fazer uma atividade em dupla / por último vocês vão fazer uma atividade nova / vocês vão ler alguns livros e eu também vou emprestar / pois vocês terão que ter o hábito da leitura na 5ª série / algumas crianças irão fazer o teste do Colégio de Aplicação / essa experiência vai mostrar a vocês como é importante o hábito da leitura / esse livro é novo / mas tem ali um bem antigo que eu li quando era jovem

A Professora B começa a conscientizar os alunos da importância do hábito de leitura para que consigam realizar outras atividades com sucesso. Observamos que tanto a primeira professora quanto a segunda se referem à importância da leitura para a vida e para a formação do aluno (FREIRE, 2006). Além disso, a Professora B trabalhou com um texto literário de forma a garantir a integridade da trama, pelo fato de realizar a leitura de todo o enredo da obra Tchau, por exemplo, de forma criativa e envolvente. Essa prática valida o que Soares (2001) afirma quando frisa que o problema não está em escolarizar o texto literário, mas na maneira imprópria de escolarizá-lo.

Uma outra competência constatada foi o reconhecimento e a caracterização dos diferentes gêneros textuais e seus portadores. Essa competência é muito trabalhada pelas professoras em suas aulas. Vejamos a situação 11, que ilustra esse trabalho.

Situação 11– Professora A – Aula 1

P: Vitória-régia: Os velhos pajés das tribos da Amazônia contavam que a lua, todas as vezes que desaparecia por detrás das serras, escolhia uma jovem índia, transformado-a em estrela, que passava a brilhar no céu // Naiá, moça indígena, filha do valente cacique, nascera branca como o leite, tendo bela cabeleira, mais ruiva que as espigas de milho. Naiá desejava ardentemente ser escolhida por Jaci, a lua, para ser transformada numa estrela cintilante. Mas a lua não ouvia seus pedidos e a moça, muito triste, começou a enfraquecer. Os pajés fizeram tudo para curá-la, mas sem resultados. Todas as noites, a jovem índia saía de sua oca e caminhava até amanhecer o dia, na esperança de ser vista e escolhida por Jaci. Certa noite, quando já estava cansada de andar, Naiá sentou-se à beira de um lago sereno, viu a imagem de Jaci refletida no espelho das águas; atraída pela luz da lua, a índia atirou-se ao lago, desaparecendo / semanas inteiras, a jovem foi procurada pela gente da tribo. Naiá, porém, não reapareceu. Jaci, a pedido dos peixes e das plantas do lago, transformou-a numa estrela, não para brilhar no céu, mas nas águas: a bela flor que abre suas grandes pétalas à luz da lua e que se chama Vitória-régia.

P: Vocês acham que isso aqui foi verdade? A”: É

A15: Não / é uma lenda P: E a lenda conta o quê?

P: Nós já procuramos no dicionário o significado de lenda, não foi? A”: É uma história que o povo mente // do folclore

P: História do folclore / que o povo o quê? / mas o que realmente é uma lenda? / um de cada vez [a professora pede calma para os alunos] A16: É uma história do povo brasileiro

A17: É uma história inventada

P: É uma história do povo brasileiro / criada pelo povo e o que mais? // vamos se lembrar / a gente já viu isso

A17: É uma história [professora ia repetindo as mesmas palavras dos alunos] inventada pelo povo

P: O que mais?

A18: Pode ter alguma ação de medo

P: Que pode ter alguma ação de medo, né? // passa de geração em geração, não é? Lembram? É por isso que as lendas fazem parte do folclore / da cultura de um povo // pode ter alguma ação de medo, como Maria Florzinha

A”: [barulho] P: O que é lenda?

A19: É uma história do povo [muito barulho]

P: Olha, vamos ver um trato / todo mundo fala de cada vez, certo? // as lendas são histórias populares / não são histórias verdadeiras / são histórias inventadas pelo povo e passam de geração para geração. Por isso que as lendas fazem parte do folclore / da cultura do povo / muita gente não conhecia a lenda da vitória-régia / o que vocês acharam da lenda?

Percebemos que a professora vai refletindo com os alunos até que eles cheguem às suas conclusões sobre o conceito de lenda. Esse trabalho confirma o princípio, já ressaltado ao longo de nossa fundamentação teórica, da leitura enquanto construção de sentido (ORLANDI, 2001). Citaremos aqui mais dois exemplos desse tipo de situação, que avaliamos de grande importância para a compreensão da estrutura do gênero textual que seria trabalhado. Dessa forma, as crianças, ao lerem um texto de determinado gênero, podem compreender seu uso e importância social.

Situação 12 – Professora A – Aula 2

P: Quem acha que é uma lenda levanta a mão! / desses que acham que é uma lenda, me digam o motivo

A26: Porque o boto leva a mulher para o rio A27: Porque o boto é boto e homem

P: Gente, escuta uma coisa / vocês não entenderam o que eu perguntei / eu perguntei se esse texto é uma lenda / ele conta a lenda / conta como ela aconteceu / como vocês viram na lenda da Vitória-régia / ali é uma lenda? É [professora e alunos respondem ao mesmo tempo]/ então esse texto é uma lenda?

A”: Não

P: Por que você acha // eu não tô perguntando isso / veja, eu não tô perguntando se boto existe ou não existe / a gente sabe que é uma lenda / eu tô perguntando se esse texto está contando a lenda

A”: Não

P: A lenda está escrita aí todinha? A”: Não

P: Que tipo de texto é esse? A28: Texto coletivo

P: Texto coletivo? / presta atenção / ele diz que esse boto existe aonde?

A”: Na Amazônia

P: No texto tem assim / peixe da Amazônia que se transforma num rapaz formoso, hábil dançarino, que conquista as mulheres para levá- las ao rio. A lenda serve com pretexto para moças justificarem / esse trecho é uma lenda?

A≠: É não // é

A”: É um pretexto, é uma desculpa

P: Gente, não é isso / olha / vamos voltar / escuta uma coisa, a gente tem um texto que rima com as palavras / aquele texto que no final tem um mesmo som / como chama aquele tipo de texto?

A”: Rima

P: Sim, rima / como é o nome? A29: Uma poesia

Situação 13 – Professora A – Aula 3

P: Muito bem / olha aí / eu posso dizer que isso é uma fábula A31: Não

P: Por que não? A31: Pode

P: Peraí / vamo devagar / ela disse que eu não posso dizer que é uma fábula

A32: Pode

P: A gente já aprendeu o que é uma fábula / diga, pode dizer A33: É uma conversa de animais

P: Conversa de animais / aí eles conversam? A”: Não

P: Tem algum diálogo? A”: Não

P: Pra ter um diálogo aí precisa de quê? A34: Eles precisam conversar

A35: Precisa daquele tracinho P: Qual é o nome daquele tracinho? A”: Travessão

P: Isso mesmo / não é uma fábula / muito bem / os animais falam // e ainda tem uma outra coisa na fábula

A36: Tá na cabeça // moral da história P: Muito bem / aí tem uma moral? A”: Não

Nessas duas situações, percebemos que a professora conduz os alunos a refletirem e identificarem aspectos singulares dos diferentes gêneros textuais. A seguir, apresentaremos uma situação de aula da Professora B em que também foi realizada a caracterização de diferentes gêneros textuais.

Situação 14 – Professora B – Aula 9

P: Agora / gente, eu vou dar uma revista para cada um // porque / segunda-feira / nós trabalhamos sobre as capas das revistas e vocês viram no livro algumas formas como são feitas as revistas / eu vou dar uma revista para cada um de vocês// vocês vão examinar / vou dar um papel e vocês vão construir uma capa de revista / tenham cuidado, que são revistas caras, viu? / vejam como fazer a capa da revistas e façam / [a professora foi dizendo as características da capa da revista] / tem que colocar o nome atrás, viu? / [as crianças receberam revistas como: Terra, Veja, Época] / [crianças tentam copiar e a professora pede criatividade]

Procuramos aqui relatar situações que envolvem as competências trabalhadas pelas professoras. É possível perceber, pelos indícios, que as professoras privilegiam competências semelhantes. A maioria delas envolvem interpretação, caracterização do gênero e estabelecimento das relações do texto com fatos já conhecidos; além disso, ambas as professoras exploram os contextualizadores do texto.

Pelos exemplos citados, pode-se notar que as professoras desenvolvem uma prática bastante reflexiva. No entanto, algumas competências de leitura não foram trabalhadas de modo evidente. Entre aquelas previstas no plano curricular, uma importante competência não está sendo trabalhada de forma clara e crítica; trata-se da identificação de argumento/contra-argumento.

As professoras procuram desenvolver competências semelhantes em seus alunos e sempre enfatizam nas aulas a importância de o aluno expressar sua opinião diante do que foi lido. Uma diferença que notamos entre ambas é que a Professora A realiza um trabalho mais intenso na perspectiva da compreensão oral da leitura. Já a Professora B procura identificar os contextualizadores com maior freqüência.