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1.4 PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS PARA O ENSINO DA LEITURA

1.4.3 Os gêneros textuais e o ensino da leitura

Neste trabalho, consideramos os gêneros textuais como instrumentos de comunicação e interação social. Os gêneros são objetos de ensino e, nesse sentido, destacamos a necessidade de promover o ensino da língua e da leitura através dos gêneros discursivos.

O emprego da língua efetua-se na forma de enunciados, tanto orais quanto escritos, assim, a multiplicidade de sociedades e de culturas diversifica os empregos desses enunciados que são regidos ou mediados pela linguagem nas mais variadas formas de atividade humana (BAKHTIN, 2003). O autor citado define os gêneros do discurso como tipos relativamente estáveis de enunciados que correspondem a discursos materializados e dotados de características próprias:

a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo (2003, p. 262).

Diante dessa heterogeneidade dos gêneros do discurso e da dificuldade de definir a natureza geral do enunciado, e também para não minimizar a variedade dos gêneros, Bakhtin agrupou-os em dois grandes grupos: os gêneros discursivos primários (simples) e os secundários (complexos). Os primeiros se formam nas condições de comunicação imediata e os segundos surgem em um contexto cultural de maior complexidade,

desenvolvimento e organização (deste fazem parte os gêneros predominantemente escritos). Pode acontecer de os gêneros primários integrarem os complexos e perderem o vínculo imediato com a realidade concreta; por exemplo, a réplica do diálogo cotidiano ou da carta no romance são exemplos de gêneros primários que, ao integrarem ao plano do conteúdo romanesco, tornam-se acontecimentos artístico-literários e deixam de ser da vida cotidiana.

Se nos reportamos ao trabalho na escola, tanto os gêneros primários quanto os secundários podem e precisam ser vivenciados na sala de aula. O professor tem à sua disposição uma grande diversidade de gêneros para desenvolver a leitura e promover a formação do leitor proficiente. É preciso reconhecer que até já existe uma grande quantidade de gêneros discursivos na escola, no entanto é preciso analisar como esses gêneros estão sendo trabalhados nessa prática educativa. Um aspecto que caracteriza uma prática reflexiva e de qualidade na escola é a utilização dos diversos gêneros do discurso que correspondam a textos reais de circulação social.

Marcuschi (2005b) entende os gêneros como fenômenos históricos relacionados à vida social. O autor frisa que os gêneros são

entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos (p. 19).

Esse mesmo autor vê os gêneros como instrumentos dinâmicos que suguem de necessidades socioculturais de comunicação. Sobre essa questão da dinâmica dos gêneros, Dolz & Schneuwly (2004) que vão além desse aspecto e afirmam que os gêneros podem ser utilizados como articulação entre as práticas sociais e os objetivos escolares. Afirmam

ainda que o domínio dos gêneros textuais requer um trabalho ativo e uma didática específica da parte do professor.

Os citados autores realizaram diversos estudos sobre o trabalho pedagógico com os gêneros textuais na prática educativa escolar. Para eles, comunicar-se oralmente ou por escrito pode e deve ser ensinado sistematicamente. Eles defendem que o ensino sistemático acontece através de uma estratégia chamada de “seqüência didática”, definida como “módulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorar uma determinada prática de linguagem” (p. 51). Esse trabalho faz uma relação entre o projeto de apropriação e os instrumentos que facilitam essa apropriação. Essa estratégia busca

confrontar os alunos com práticas de linguagem historicamente construídas, os gêneros textuais, para lhes dar a possibilidade de reconstruí-las e delas se apropriarem. Essa reconstrução realiza-se graças à interação de três fatores: as especificidades das práticas de linguagem que são objetos de aprendizagem, as capacidades de linguagens dos aprendizes e as estratégias de ensino propostas pela seqüência didática (p. 51).

Para Dolz & Schneuwly (2004), as práticas de linguagem são consideradas aquisições acumuladas por determinados grupos da sociedade no decorrer da história. Eles acrescentam que, na perspectiva interacionista, essas práticas são o “reflexo e o principal instrumento de interação social” (p. 51); dizem ainda que as mediações comunicativas são organizadas na forma de gêneros; e que as significações sociais são estruturadas e progressivamente reconstruídas.

Os teóricos identificam esse conjunto de princípios como o ponto de partida da estruturação do trabalho pedagógico, ou seja,

o trabalho escolar, no domínio da produção de linguagem, faz-se sobre os gêneros, quer se queira ou não. Eles se constituem o instrumento de mediação de toda estratégia de ensino e o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade. A análise de suas características fornece uma primeira base de modelização

instrumental para organizar as atividades de ensino que esses objetos de aprendizagem requerem (p. 51).

Os autores acreditam que o gênero é constitutivo da situação, por exemplo: sem romance, não há leitura e escrita de romance. Consideram que a mestria7 de um gênero aparece “como co-constitutiva da mestria de situações de comunicação” (p. 52). Baseiam- se na perspectiva bakhtiniana, que considera que todo gênero se define por três dimensões: (1) os conteúdos que estão caracterizados nos determinados gêneros; (2) a estrutura de comunicação particular de cada gênero; (3) as configurações específicas das unidades de linguagem, que são traços da posição enunciativa do enunciador, dos conjuntos de seqüências textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura.

A partir disso, podemos dizer que são as estratégias de ensino e as intervenções escolares que favorecem a mudança e a promoção dos alunos a uma melhor mestria dos gêneros e das situações de comunicação correspondentes. As seqüências didáticas são instrumentos que servem de guia para as intervenções dos professores (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004).

Acreditamos na importância do trabalho com seqüências didáticas estruturadas para a progressão dos alunos na sua comunicação oral e escrita (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004), como também para a compreensão dos textos lidos na sala de aula, uma vez que muitos dos problemas de compreensão decorrem do fato de os alunos nunca terem oportunidade de compreender as especificidades dos variados gêneros.

Os autores salientam que a prática de linguagem deve concretizar-se através do ensino dos gêneros, que foram por eles agrupados em cinco grandes categorias: ordem do relatar, ordem do narrar, ordem do expor, ordem do descrever ações e ordem do argumentar. Essa categorização leva em conta as necessidades da própria escola, bem

7 As tradutoras deste artigo, Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro, utilizam o termo “mestria” ao invés de

como da sociedade em geral, em termos do que é relevante aprender em termos de linguagem oral e escrita.

No que diz respeito à progressão escolar, Dolz & Schneuwly defendem que esses cinco agrupamentos precisam ser trabalhados em todos os anos/ciclo da escolaridade, afirmando que os gêneros apresentam características comuns e isso contribui para que haja relações de aprendizagem entre eles. O que varia são os diferentes níveis de exigência e de escolha de competências que sejam mais adequadas a se desenvolver com o aluno, ou seja, deve existir um aprofundamento, no trabalho com os gêneros, cada vem maior a cada ano de ensino.

Pesquisas recentes sobre a aprendizagem da língua materna nos mostram que, numa perspectiva sociointeracionista de linguagem, os gêneros se inserem como ferramenta fundamental para o indivíduo poder agir sobre o mundo. Santos, Mendonça e Cavalcante (2006), em seus estudos sobre diversidade textual, fazem referência à importância de ensinar as características dos gêneros, como também do trabalho com o texto enquanto unidade de sentido construída na interação social. As autoras fazem uma diferenciação entre o trabalho com os gêneros e o trabalho com o texto, porém frisam que ambos sejam desenvolvidos de modo articulado para que possam ser de qualidade. Afirmam que “não podemos separar um do outro, pois a textualidade se manifesta num gênero textual8 específico e, obviamente, os gêneros se materializam em textos” (p. 41).