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Os tribunais que não se

modernizarem perderão espaço não apenas para a arbitragem, mas também para a eleição de outros foros judiciais

Por Gustavo Tavares Borba

Já há algum tempo vem se verificando a migração do julgamento de casos complexos para a arbitragem, uma vez que o Judiciário, diante da amplitude de sua atuação e da ausência expertise em determinadas áreas específicas do Direito, não vinha respondendo a esse tipo de ação com a eficiência que a atividade empresarial exigia.

A realidade, contudo, é que a arbitragem, embora seja opção que engendre, na conjuntura atual, grande vantagem para melhor e mais célere solução de certos tipos de litígios, está longe de configurar o melhor dos mundos, em virtude, entre outros aspectos, da ausência de previsibilidade das decisões (não há compromisso com precedentes), dos custos envolvidos (se a parte tiver reduzida capacidade financeira), do risco de contaminação da decisão com eventuais interesses comerciais (quando árbitros, que não possuem vocação para ser árbitro, votam de forma enviesada para favorecer partes com maior

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probabilidade de os indicar em outros casos) e da possibilidade de que as decisões tenham, mesmo sem indicação

técnica para tanto, caráter

“acomodatório” (em virtude do possível desconforto do árbitro em proferir decisão totalmente desfavorável à parte que o indicou).

Os tribunais que não se

modernizarem perderão espaço não apenas para a arbitragem, mas também para a eleição de outros foros judiciais

Apesar dessas possíveis e eventuais deficiências, não há dúvida de que, no atual contexto, afigura-se mais indicada a submissão de questões empresariais complexas à arbitragem, considerando, em especial, a expertise e a celeridade que são essenciais nesse ambiente. Dentro dessa equação, contudo, vem surgindo um novo elemento que poderá, em algum grau, afetar a configuração desse panorama.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ- SP), há cerca de pouco mais de dez anos, criou as Câmaras Especializadas em Direito Empresarial, que desde

então vêm desenvolvendo a

jurisprudência paulista sobre as

questões de direito empresarial. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, segundo informações divulgadas em agosto, também se movimenta no sentindo dessa especialização em segunda instância.

A experiência paulista tem se mostrado salutar, pois, embora sempre possam existir ressalvas, verifica-se que, em geral, o TJ-SP vem indicando de forma criteriosa, para a função,

desembargadores que possuem identidade com esses temas e que existe

visível esforço das câmaras

especializadas em julgar os casos de forma tecnicamente correta e sem interferências indevidas. A combinação de boa intenção, alguma expertise e o esforço coletivo já representa mais de metade do caminho para que a experiência se aprimore e se confirme como um caso de sucesso.

Prosseguindo-se nesse sentido, não é

improvável que se verifique,

paralelamente às cláusulas

compromissórias arbitrais, incremento na estipulação de cláusula de eleição de foro em contratos que envolvam questões empresariais complexas. Em se verificando esse movimento, os tribunais considerados menos eficientes perderão cada vez mais relevância quando ao julgamento dessas questões, uma vez que as partes optarão não apenas pela arbitragem como também pela eleição de foro.

Explica-se: se um tribunal “A”,

negligenciando-se em seu

aprimoramento, detiver menor

credibilidade sob a perspectiva da eficiência e da confiabilidade do que um tribunal “B”, o qual se especializou de forma eficiente e com credibilidade, esse último tribunal tenderia a ser o foro escolhido para o julgamento dessas questões mais importantes.

Com o visível e inevitável avanço tecnológico da atividade judicial, que cada vez mais prescindirá da presença física de advogados e partes na comarca do julgamento, pode-se vislumbrar uma tendência de rápida intensificação desse processo de eleição de foro.

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Experiências internacionais

demonstram que a existência de tribunais altamente especializados, com credibilidade e que se demonstraram eficientes podem realmente ter a

capacidade de atrair para sua

competência os casos mais

especializados e complexos.

Anote-se que, quando uma Corte específica desempenha essa papel com esmero, a jurisprudência produzida tenderia a se tornar referência sobre o assunto, tendo, com isso, capacidade até mesmo para influir nas decisões dos tribunais superiores, com o que se teria um fator para redução da litigiosidade, uma vez que, à luz da jurisprudência consolidada, as partes poderiam melhor aquilatar as suas chances de sucesso no litígio.

Essa, aliás, seria talvez a maior

vantagem do tribunal judicial

especializado sobre a arbitragem, uma vez que nesta, embora as partes possam participar da escolha dos julgadores, não haveria compromisso com os precedentes, uma vez que cada caso seria decidido conforme composição

dos árbitros escolhidos, sem

possibilidade, em geral, de recurso para uma instância superior (o que é uma vantagem sob o aspecto da celeridade e uma desvantagem pela perspectiva da segurança jurídica).

O desenvolvimento de câmaras e varas

especializadas, a depender do

aprimoramento que venha a se verificar nos próximos anos, poderá trazer de volta para o Judiciário parte do protagonismo no julgamento dessas questões, sem que isso exclua a relevância da arbitragem, que já constitui uma realidade consolidada.

O preocupante desse processo é que os tribunais estaduais que não se

modernizarem nem atuarem

ativamente para melhorar sua

credibilidade terão sua relevância rapidamente encolhida em relação ao julgamento dessas questões, uma vez que perderão espaço não apenas para a arbitragem, mas também para a eleição de outros foros judiciais.

Afigura-se urgente, portanto, que exista uma saudável corrida entre tribunais pelo topo da eficiência, uma vez que apenas os que conseguirem se tornar

verdadeiramente especializados,

técnicos e com credibilidade

permanecerão tendo relevância no julgamento de casos empresariais complexos.

Gustavo Tavares Borba é

advogado, professor convidado da PUC-RJ, mestre e doutorando pela PUC-SP e ex-diretor da CVM Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser

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https://valor.globo.com/legislacao/noticia/202 0/09/18/competicao-entre-tribunais.ghtml

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Caderno: Mercado, sexta-feira 18 de

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