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LGPD já está em vigor Quais são as perspectivas e os riscos?

Com publicação no Diário no Oficial da norma oriunda do PLV que alterou a MP 959/2020, lei de dados já produz efeitos

CLARA CERIONI

SÃO PAULO

Crédito: Unsplash

Com a publicação no Diário Oficial da

União nesta sexta-feira (18/9) da Lei

14.058/2020, oriunda do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 34/2020, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) já está em vigor e produzindo

efeitos. O PLV teve origem na MP

959/2020, cujo artigo 4º tratava da prorrogação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas acabou retirado da redação aprovada.

Advogados ouvidos

pelo JOTA apontam os passos e os cuidados que as empresas devem ter com a entrada em vigor da nova norma. Para eles, mesmo com o prazo de um ano até o início das sanções da lei e com pontos a serem

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regulamentados pela ANPD, é

bastante provável que haja

judicialização de trechos específicos da legislação desde já.

A LGPD é vista como um divisor de águas na forma com que o setor público e o privado passarão a coletar e a tratar os dados pessoais dos cidadãos no Brasil. Com a vigência da norma, a LGPD promete alterar profundamente a cultura empresarial do Brasil acerca da coleta de dados privados. Isso porque a lei prevê uma padronização das práticas necessárias para que todos os setores da economia se responsabilizem pela

proteção das informações dos

usuários. Ou seja, a preocupação e o cuidado com os dados pessoais dos brasileiros deverão ser prioridade. A legislação define, por exemplo, que o administrador dos dados redija normas de governança internas e adote medidas de segurança em relação às informações ali existentes, garantindo direitos como respeito à

privacidade, inviolabilidade da

intimidade, da honra, da imagem, entre outros.

Além disso, obriga, com algumas exceções específicas, o consentimento por parte do usuário para o tratamento dos seus dados. É necessário que haja, ainda, um canal direto de comunicação para que o cidadão possa rever o uso de suas informações e também seja informado em caso de algum incidente de segurança. O respeito à prerrogativa de finalidade e necessidade no uso do dados é outra exigência.

Quem descumprir a lei poderá responder a sanções administrativas, previstas nos artigos 52, 53 e 54, como a aplicação de multa de até 2% do faturamento bruto da empresa e a suspensão parcial do funcionamento do banco de dados a que se refere a infração. A Lei 1179/2020, no entanto, estabeleceu que estes três artigos só entrarão em vigor a partir de agosto de 2021.

Ficará sob responsabilidade da

recém-criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) zelar, fiscalizar e penalizar os serviços que desrespeitarem a legislação. Em webinar realizado em agosto pelo JOTA, o ministro-chefe da

Secretaria-Geral da Presidência,

Jorge Antônio de Oliveira Francisco, antecipou que a estrutura da ANPD ficaria sob a responsabilidade da Casa Civil da Presidência da República. A estrutura da ANPD foi publicada no dia seguinte à votação do Senado que antecipou a vigência da LGPD. Originalmente, a LGPD entraria em vigor no dia 14 de agosto de 2020, mas a MP 959/2020, em seu artigo 4ª, aumentava o prazo para maio de 2021. O dispositivo foi declarado “não escrito” pelo Senado por já ter sido discutido anteriormente – e rejeitado – pelo Legislativo em outro projeto de lei. Uma nova discussão e votação,

segundo os senadores, seria

desobedecer o regimento interno.

Inicialmente parlamentares e

especialistas em proteção de dados afirmaram que a LGPD entraria em vigor já no dia seguinte à votação. Mas o Senado esclareceu que a norma somente teria vigência “após sanção ou veto do restante do projeto de lei de conversão, nos exatos termos do §

45 12 do art. 62 da Constituição Federal”, que diz:

“Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida

provisória, esta manter-se-á

integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.”

Advogados ouvidos

pelo JOTA avaliam que, após a entrada em vigor da LGPD, não é recomendável às empresas seguir tratando dados sem se adequar a ela. Para os especialistas, mesmo com o prazo de um ano até o início das sanções e ainda com pontos a serem

regulamentados pela ANPD, é

bastante provável que haja

judicialização de pontos específicos da legislação.

Thiago Sombra, sócio de tecnologia do escritório Mattos Filho, chama atenção para pontos de convergência entre a LGPD e o Código de Defesa do Consumidor. “Por mais que o Ministério Público não seja a

autoridade empoderada para

fiscalizar a LGPD, é possível que o órgão aplique definições da lei de dados em questões envolvendo a defesa do consumidor”, diz.

“Na legislação brasileira, já há previsões legais ao cidadão em relação à coleta e ao tratamento de dados. Não será preciso esperar um ano para que a LGPD seja usada em

processos contra empresas que

tratarem de forma equivocada as

informações privadas”, afirma

Nairane Rabelo, sócia do Serur Advogados e responsável pela área de Privacidade e Proteção de Dados do escritório.

Riscos envolvendo conceitos abertos da legislação, que ainda não foram

regulamentados pela autoridade

responsável, também podem trazer conflitos para os negócios. “A lei estabelece que só é possível tratar dados para finalidades legítimas, mas esse conceito é amplo, indeterminado. O que é finalidade legítima para o setor de aviação? E para o setor de

alimentos?”, diz Bruno Bioni,

fundador-diretor da Data Privacy Brasil.

Na avaliação de Danilo Doneda, advogado e professor no IDP, a principal mudança imediata com a sanção da lei é que os direitos

relacionados aos dados dos

brasileiros irão atingir um “nível de concretude que nunca existiu”. “Como a lei é geral ela vale praticamente para todos, com algumas exceções previstas. A possibilidade de sanção administrativa pela ANPD é apenas um dos efeitos da legislação, mas fora isso há outras previsões que entram no nosso ordenamento jurídico”, diz. Por onde começar

Para se adequar à complexidade da

LGPD, as empresas precisam

desenvolver uma complexa mudança

organizacional, que mexe

principalmente na cultura diária dos serviços prestados.

Os negócios que ainda não se

mobilizaram, podem começar

definindo as prioridades do seu negócio para adequação à LGPD, recomenda Bioni. “É preciso entender quais são os dados mais críticos, com maior potencial de descumprimento à legislação, que a empresa trabalha”.

46 Laura Schertel Mendes, professora da Unb e diretora do Centro de Direito, Internet e Sociedade do IDP, orienta que as mudanças sejam desenvolvidas principalmente pela alta cúpula das empresas. “Somente assim você terá os recursos financeiros e humanos para se adequar a todos os processos da lei”, diz.

A especialista sugere seis passos iniciais para começar a colocar a legislação em prática:

1. Na alta cúpula, é preciso que haja um encarregado em implementar a LGPD, com desejáveis conhecimentos em

temas de privacidade e

proteção de dados;

2. Em seguida, é necessário fazer um mapeamento sobre todas

as atividades que são

realizadas na empresa e que envolvem coleta de dados; 3. Identificar os riscos associados

aos principais processos de tratamento de dados;

4. Identificar se a empresa

compartilha dados com

terceiros e, se sim, avaliar quais são as bases legais usadas por esses outros serviço

no compartilhamento de

dados. E, se necessário,

celebrar acordos para que todos cumpram as normas da LGPD;

5. É fundamental garantir que todo o tratamento de dados seja transparente, permitindo o acesso pelos usuários, bem

como sua ratificação ou

exclusão das informações caso solicitado;

6. Por último, treinar e

sensibilizar todos os

colaboradores da empresa

quanto aos direitos e

obrigações que a lei estabelece. CLARA CERIONI – Repórter em São Paulo. Cobre temas relacionados à política e ao Judiciário, além de ser

uma das responsáveis pelos

conteúdos do JOTA Discute. Antes, foi repórter de macroeconomia na Exame. Email: clara.cerioni@jota.info https://www.jota.info/jotinhas/lgpd-ja-esta-em-vigor-quais- sao-as-perspectivas-e-os-riscos-18092020 Retorne ao índice] 47

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