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Complementaridade e o conceito de número

um conjunto é uma abstração hypostatic ou uma ideia, baseada na existência de seus próprios elementos (OTTE, 2003b, p. 218).

Dessa maneira, os meios e as condições do pensamento transformam-se em objeto em si próprios. O uso predicativo ou atributivo de algum conceito é transformado em um uso referencial a fim de incorporar as entidades assim sintetizadas em novas estruturas relacionais.

Supomos consequentemente que o significado matemático deve concentrar-se nos termos da complementaridade da extensão e da intensão. O significado tem dois componentes objetivos: um que consulta os objetos ou os indica; o outro que se relaciona às expressões linguísticas ou às representações diagramáticas, que mostram as características do objeto da atividade. A complementaridade é estabelecida por processos de generalização e de verificação (OTTE, 2003b, p. 219).

Em outras palavras, há dois componentes objetivos do sentido: um que consulta os objetos, e que é apropriado nomear de extensional, ou o componente da correspondência do sentido; o outro que se relaciona aos conceitos ou expressões linguísticas, e que é apropriado chamar de intensional (OTTE, 2003b, p. 219).

No início de seu livro ele aborda os números naturais com base nos axiomas de Peano, com grande ênfase no conceito de número ordinal, e posteriormente faz menção à cardinalidade, ressaltando que:

Seria possível sugerir que, em vez de fixar “0”, “número” e “sucessor”

como termos cujo significado conhecemos, embora não sejamos capazes de defini-los, poderíamos deixá-los representar quaisquer 3 termos que verifiquem os cinco axiomas de Peano. Nesse caso eles deixarão de ser termos que têm um significado definido, embora este não seja definido: serão termos “variáveis” com relação aos quais fazemos certas hipóteses, a saber, aquelas expressas nos cinco axiomas, mas que são sob outros aspectos indeterminados. Se adotarmos esse plano, nossos teoremas não serão provados com relação a um conjunto determinado de termos chamado “os números naturais”, mas com relação a todos os conjuntos de termos que possuam certas propriedades (RUSSELL, 2007, p. 27).

Essa é, certamente, a compreensão comum de uma abordagem axiomática. Isto também pode ser expresso dizendo-se que a aritmética não trata de coisas que existam concretamente, mas sim de relações gerais ou objetos ideais.

Mas Russell não se satisfaz com este ponto de vista, ressaltando que a abordagem de Peano não fornece uma base adequada para a aritmética. Para ele,

Em primeiro lugar, não nos capacita a saber se há algum conjunto de termos que verifique os axiomas de Peano; não dá se quer a mais leve sugestão de alguma maneira de se descobrir se conjuntos desse tipo existem. Em segundo lugar, como já foi observado, queremos que nossos números sejam tais que possam ser usados para contar objetos comuns, e isso requer que nossos números possuam um significado definido, não que meramente possuam certas propriedades formais.

Esse significado definido é definido pela teoria lógica da aritmética (RUSSELL, 2007, p. 27).

De acordo com Russell, nem Peano nem Hilbert, com suas axiomáticas, seriam capazes de definir o que é número. Frege também tinha uma ideia semelhante, para ele uma aritmética feita apenas com símbolos, sem nenhum significado, não teria qualquer tipo de aplicação.

Conforme afirma Russell, para que o conceito de número tenha alguma extensão real, nós temos que compreendê-lo como o representante de uma quantidade e fornecer uma aplicação para o conceito definido. Isto somente pode ser feito axiomaticamente; entretanto, a noção de axiomas não deve ser compreendida no sentido de Peano, o termo deve preferivelmente ser concebido de acordo com a tradição euclidiana, isto é, como uma verdade intuitivamente evidente e como uma pré-condição da Matemática (OTTE, 2003b, p. 222).

Segundo Otte (2003b), pode-se contrapor à opinião de Russell sobre a axiomática moderna, reivindicando que o interesse está precisamente na aplicabilidade e nas múltiplas interpretações dos sistemas axiomáticos reforçando o significado do método axiomático, contemplando a complementaridade entre os aspectos intensionais e extensionais. Detalhadamente, é difícil compreender por que o significado de todos os conceitos deve ser totalmente fixado antes de possíveis aplicações (OTTE, 2003b, p. 223).

A axiomática matemática, ao contrário, é frequentemente caracterizada pela afirmação de Hilbert, em relação aos axiomas da geometria plana, os termos

“ponto” e “reta” poderiam ser substituídos por “copo de cerveja” e “mesa”, e isso implica dizer que cada teoria pode ter múltiplas aplicações.

De acordo com Otte (2003b, p. 223), todo o conhecimento objetivo é, de fato, conhecimento relacional. Após solidificar algumas suposições ou formas, procura-se esboçar suas consequências.

Conforme afirmamos, Russell julgou o método axiomático incompleto quando termos não especificados ocorrem dentro dos axiomas. Os termos não interpretados devem ser especificados de maneira que permita estabelecer uma conexão com a aplicação pretendida. Entretanto, uma interpretação final e absoluta de conceitos matemáticos não é geralmente possível nem desejável (OTTE, 2003b, p. 224).

A determinação axiomática de conceitos matemáticos estará sempre incompleta, e deve-se fazer uma análise consciente a respeito da possibilidade de que um conceito tenha uma extensão vazia (os axiomas podem ser inconsistentes). Se pretendermos introduzir todos os conceitos por meio de

definições completas, tais definições devem necessariamente fazer suposições metafísicas e psicológicas sobre o mundo, caso contrário, faremos um empreendimento fútil (OTTE, 2003b, p. 224).

Finalmente, não há, de fato, nenhuma possibilidade de determinar o significado de número desconectado de uma estrutura conjunto teórica.

Em um artigo intitulado What numbers could not be, Benacerraf (1965) mostra que o conceito de número pode ser reduzido ao conceito de conjuntos de várias maneiras distintas, sem possibilidade de escolher dentre as interpretações conjunto teóricas aquela que realmente caracteriza a verdadeira identidade dos números naturais em termos de conjuntos.

Benacerraf (1965) conclui que os números não podem ser reduzidos exclusivamente a conjuntos, ou conjunto de conjuntos, pois existem muitos significados distintos para dar conta e pelas referências de palavras que os números ou termos determinam na teoria. Mesmo que fosse possível reduzir univocamente o conceito de número à noção de conjuntos, não haveria um ganho representativo, pois o próprio Russell descobriu os paradoxos teóricos dos conjuntos.